quarta-feira, 23 de setembro de 2009

[curtinhas: no cinema]

Tempos de Paz
Tempos de Paz, 2009
Daniel Filho


Por que será que algumas das melhores histórias de época no cinema brasileiro ficam nas mãos de gente tão pouco talentosas? Tudo bem, sei a resposta, mas é difícil não se indignar, nem que seja um pouquinho, com uma história como a de Olga Benário parando nas mãos de um Jayme Monjardim, ou essa pequena parábola (fictícia) passada nos últimos momentos do governo Vargas sendo comandada nos cinemas por alguém como Daniel Filho - aliás, curiosamente, ambos os filmes passam-se nesse profícuo e conturbado momento histórico (os longos 15 anos de governo de Getúlio Vargas).
Daniel Filho, apesar dos sucessivos sucessos de bilheteria, é um sujeito de talento escasso. Não chega a ser tão ruim como Monjardim, mas, ainda assim, é o responsável por um sem número de bobagens do cinema brasileiro recente, como A Partilha e a bem-sucedida franquia Se Eu Fosse Você. No entanto, e aqui confesso meu espanto, esse seu Tempos de Paz é uma agradável surpresa. O diretor apóia-se sem nenhuma vergonha no talento de sua dupla de protagonistas, e faz com que o duelo entre Dan Stulbach (incorporando de vez um jeito Tom Hanks de interpretar, lembrando em muito a caracterização do protagonista de O Terminal, de Spielberg) e Tony Ramos (o dono do filme) seja o motor de Tempos de Paz. Filho aproveita-se muito bem do clima teatral do filme, transformando em mérito algo que, normalmente, seria um empecilho à boa condução da narrativa. E, curiosamente, Tempos de Paz cai absurdamente de rendimento justamente quando rompe com esse clima, quando parte para tomadas externas, e quando apóia-se na subtrama envolvendo o personagem interpretado pelo próprio diretor. Parece que, quando está praticamente filmando teatro, tendo como trunfo dois atores de grande talento (especialmente um inspiradíssimo Ramos, que definitivamente deveria ser mais explorado pelo cinema sério produzido no país, ao invés de ter seu talento reduzido às novelas televisivas e às comédias bobocas lançadas em nossos cinemas), Filho sai-se bem. Mas é quando tem de fazer cinema, que sua falta de talento pesa muito, e o resultado fica abaixo do esperado. Mas, dessa vez, dou o braço a torcer, e digo que, pelo menos, valeu o esforço: Tempos de Paz é um bom, e belo, filme.


A Onda
Die Welle, 2008
Dennis Gansel


Esperava bem mais desse pequeno filme alemão, super comentado no meio acadêmico de Ciências Humanas devido à sua temática. É triste ver como uma história (inspirada em acontecimentos reais, ainda que em outro momento e outro país) que parecia impossível de ser desperdiçada consegue ser transformada em uma bobagem adolescente, e pior, em um olhar reificador de uma condição que o filme supostamente deveria combater. Explico: em determinada cena de A Onda, logo no início, quando a temática da autocracia é comentada pela primeira vez em sala de aula, é comentado por um aluno enfastiado que todos eles já sabem sobre os malefícios do III Reich, e sobre a culpa que recai sobre o povo alemão por isso - ou seja, abre-se aqui um olhar interessante sobre uma sociedade culpabilizada mundialmente por mais de meio século, e sobre os reflexos dessa culpabilização nas novas gerações do país. Aí estaria a importância da experiência realizada por aquele professor, revelando a atualidade assustadora do pensamento nazi-fascista, e o porquê desta história não poder ser esquecida pelas novas gerações. Entretanto, com sua estrutura à lá Malhação, com conflitos adolescentes bobos, apresentados da forma mais clichê que poderia-se imaginar, com personagens absurdamente rasos, que fazem exatamente tudo o que se espera deles, e com sua pouca preocupação em tornar o fortalecimento do movimento "a onda" mais verossímil (e, logo, verdadeiramente assustador e preocupante), A Onda acaba por transformar-se simplesmente em mais um olhar banal - e banalizante - sobre nazi-fascismo. É como uma aula chata, repetitiva, e que pouco diz realmente a quem assiste. O que acaba tornando a temática trabalhada muito menos relevante do que ela verdadeiramente é.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Amantes



Cumplicidade é a palavra chave para entender Amantes. James Gray tem nas mãos a história de um homem dividido entre dois amores, que poderia muito facilmente ser julgado pelo público, taxado de egoísta, covarde, acomodado. Mas ele filma os percalços e inseguranças do triste personagem de Joaquin Phoenix com delicadeza e carinho, buscando compreender cada nuance de sua dor, cada pequeno elemento que justifica suas dúvidas quanto a qual caminho seguir. Não há espaço para qualquer tipo de julgamento no olhar de Gray.

Cumplicidade é também o que há entre o diretor e Phoenix, seu parceiro habitual. Em seu terceiro trabalho juntos (os outros foram o mediano Caminho sem Volta e o espetacular Os Donos da Noite), um parece querer presentear o outro a todo momento: Gray entrega ao ator um personagem extremamente complexo, sujeito apaixonante em sua melancolia, em sua esperança contida e desesperada e mais ainda em seus poucos momentos de verdadeira felicidade (é difícil não sentir-se contagiado pelo sorriso de Leonard ao anunciar seu destino, já próximo ao final do filme, à sua mãe, vivida por Isabella Rosselini), além de um bocado de cenas belíssimas (quase todos os momentos do ator com Gwyneth Paltrow são excepcionais, especialmente os dois em cima de um telhado); Phoenix retribui com uma das melhores interpretações de sua carreira. É difícil definir onde termina o mérito de um e começa o do outro.

Essa cumplicidade é coroada com um delicado epílogo, no qual se caminha de uma tragédia anunciada para uma possibilidade de recomeço que, dadas as circunstâncias, soa como mais do que merecida – ainda que, por outro lado, carregue em si também um lado triste. Afinal, o quanto de expectativas e projetos frustrados não estão embutidos naquela frase final do personagem de Phoenix? Amantes é um trabalho de gigantes.


Amantes 
Two Lovers, 2008
James Gray

terça-feira, 8 de setembro de 2009

[alguns filmes - agosto]


Esses foram os filmes que assisti no mês de agosto (não tão produtivo quanto os meses anteriores, é verdade), e que ainda não haviam sido comentados aqui no blog:


A Garota Ideal
Lars and the Real Girl, 2007
Craig Gillespie

Falsa Loura
Falsa Loura, 2007
Carlos Reichenbach

Valsa com bashir
Waltz with Bashir, 2008
Ari Folman

Estamira
Estamira, 2006
Marcos Prado

Profissão: Repórter
The Passenger, 1975
Michelangelo Antonioni

Leonera
Leonera, 2008
Pablo Trapero

O Veredicto
The Verdict, 1982
Sidney Lumet

Se Eu Fosse Você 2
Se Eu Fosse Você 2, 2009
Daniel Filho

sábado, 5 de setembro de 2009

[anticristo]

Anticristo
Antichrist, 2009
Lars Von Trier


Lars Von Trier costuma ser julgado, muitas vezes, muito mais por sua personalidade fora das telas do que por seus filmes em si. Polemista nato, Von Trier acaba passando a imagem de um sujeito arrogante, cheio de si, o que acaba fazendo com que muitos vejam seu cinema como uma mera extensão dessa personalidade.
Bem, estaria mentindo se dissesse que os filmes do dinamarquês não são pretensiosos, porque é óbvio que são, e muito. Mas, no caso de Von Trier, é uma pretensão “boa”, no sentido de ser alguém que geralmente consegue fazer de ideias pretensiosas, filmes poderosos. Dançando no Escuro e Dogville são os exemplos maiores disso, mas esse Anticristo também é um caso semelhante. Nas mãos de muitos cineastas, sequências como a de abertura do filme, em câmera lenta, em preto-e-branco, e mostrando uma cena forte de sexo, seriam vistas como vontade de impressionar, de parecer cult, de fazer “cinema cabeça” etc. Com Von Trier, ela se torna um dos mais belos momentos do cinema nessa década. Da mesma forma, as brutais cenas de violência que o diretor mostra, se conduzidas por outros, poderiam parecer mais um simples exemplo de terror gore, de apelação pós-Jogos Mortais. Com Von Trier, elas ganham significados múltiplos, e uma veracidade difícil de apagar da memória.
A verdade é que – e isso pode parecer meio óbvio – Anticristo não é um filme fácil. Também não é nada de outro mundo, incompreensível, impossível de ser apreciado. É um impressionante exercício de entrega de um casal de atores inspirados – especialmente uma maravilhosa Charlotte Gainsbourg – e um difícil, mesmo de definir, olhar sobre a violência contra mulheres ao longo da história. E é, como quase toda a filmografia de Von Trier, também um olhar pessimista e ácido sobre a natureza humana (a “igreja de Satã”, nas palavras da personagem de Gainsbourg). Talvez por isso, o dinamarquês possa ser acusado de ser um “cineasta de um tema só”. Sinceramente, não vejo isso como um demérito. O fascínio que o diretor consegue gerar a cada nova exploração desse único tema é, para mim, sintomático de seu talento e da validade desse seu olhar. Ele agora fez um filme de horror, mas me pergunto até que ponto suas obras anteriores não continham elementos que as aproximavam desse cinema. Anticristo apenas os potencializa, e é, assim como Dançando no Escuro e Dogville, um filme belíssimo. E também horroroso.

P.S.: Deixo aqui a dica de um texto sobre Anticristo, escrito pelo colega blogueiro Tiago Marin, do blog Cinefilando. Compartilho com ele muitas das certezas (e dúvidas) sobre o filme de Von Trier...