sexta-feira, 31 de julho de 2009

[inimigos públicos]

Inimigos Públicos

Public Enemies, 2009

Michael Mann


Durante um certo tempo, antes de assistir a Inimigos Públicos, tenho a impressão de ter esquecido que seu diretor era Michael Mann. Isso porque cheguei a imaginar que veria um filme de época altamente estilizado, talvez uma tentativa de recriar os filmes de gângster do período em que a história se passa, com clima noir, personagens grandiloquentes e metralhadoras cuspindo fogo por todos os lados. Bem, ao menos acertei nesse último quesito.

Aprimorando cada vez mais seu domínio sobre o cinema digital, Mann transporta para a década de 1930 sua estética crua e realista, utilizada em outros de seus filmes, como Colateral e Miami Vice - a diferença é que essas duas obras têm suas histórias ambientadas num período contemporâneo. Daí o choque de ver uma época normalmente romantizada, mesmo em sua violência, ser retratada com tamanha brutalidade - e se um pouco desse romantismo ainda podia ser visto nos trailers de Inimigos Públicos, no filme em si ele se dissipa completamente. Mann cria, novamente, um épico-policial grandioso, magnífico e irresistível que, se por um lado, encanta visualmente, pela beleza do domínio de seu diretor sobre a câmera e sua capacidade de criar imagens plasticamente arrebatadoras (sem, para isso, buscar um fake estilizante), por outro impressiona pela crueza e brutalidade com que a rotina daqueles homens, policiais e bandidos, é mostrada. As inúmeras sequências de tiroteio, perseguição e assaltos a banco, ao mesmo tempo que são filmadas com uma meticulosidade impressionante, transformando-se quase em um balé, são dotadas de urgência e realismo sufocantes, verdadeiramente ameaçadores - daí a sensação de temor quanto a John Dillinger e seus comparsas, pois por mais que possam ser vistos com bons olhos pela narrativa (especialmente o protagonista, encarnado por um Johnny Depp no ponto exato), a violência com que agem para eliminar seus inimigos quando consideram necessário é proporcionalmente assustadora àquela utilizada pelos policiais que os perseguem (e isso é fundamental para compreender o filme como o olhar de Mann sobre uma época e seus personagens, mais do que uma simples busca por contar uma história envolvente, com homens bons e maus bem delineados).

Comparando mal e porcamente, Inimigos Públicos seria uma espécie de Fogo contra Fogo ambientando nos anos 30, em sua grandiosidade, força narrativa e mesmo temática. E cito aqui o filme de Mann com De Niro e Pacino por este ser talvez a maior referência de sua cinematografia, uma obra que acabou se tornando um clássico contemporâneo. Pois bem, dizem que os clássicos (e mesmo os contemporâneos) devem ser deixado em paz, mas peço desculpas para dizer que, talvez, Fogo contra Fogo é que possa, a partir de agora, ser chamado de um Inimigos Públicos passado nos dias de hoje.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

[a mulher invisível]

A Mulher Invisível
A Mulher Invisível, 2009
Cláudio Torres


Talvez devesse ser motivo de celebração o recente sucesso de comédias brasileiras como Se Eu Fosse Você e sua continuação, Divã, e esse A Mulher Invisível. Afinal de contas, o público está indo ao cinema assistir a filmes nacionais, argumentam alguns. Bem, eu prefiro lamentar que estejam indo para assistir a filmes como esses e, pior, elogiando-os, considerando-os como o fino do cinema brasileiro (afinal de contas, diriam alguns supostos entendidos, baseando-se em um irritante senso comum, filme brasileiro até agora só tem nudez, sexo, palavrão e violência...).
Pois bem, no entanto, não lamento o sucesso desse A Mulher Invisível (e de seus congêneres) simplesmente por se tratar de uma comédia. Pelo contrário, tenho consciência da importância do gênero para o cinema do país, e do fato de que, boa parte de suas maiores bilheterias são filmes de humor (esse, aliás, é um fenômeno a ser estudado). O que me irrita é o fato de A Mulher Invisível ser um filme ruim. Muito ruim. Parece um especial de TV (poderia ser tranquilamente exibido numa noite de sexta-feira na Rede Globo, logo após o Globo Repórter), dando continuidade a essa invasão que a linguagem televisiva vem promovendo no cinema nacional. É bobo, rasteiro, previsível, água-com-açúcar... e há ainda um Selton Mello péssimo, histriônico, chato, irritante (e pensar que simultaneamente em cartaz está Jean Charles, onde o ator faz um belo trabalho).
O maior problema de A Mulher Invisível, no entanto, é que, ao contrário, por exemplo, de Se Eu Fosse Você, o filme de Cláudio Torres possui uma premissa que poderia, sem grandes dificuldades, gerar um resultado de alta qualidade. Uma comédia de humor negro, com um homem amargurado lidando com suas fantasias etc. Não é preciso pensar muito, vai. Quem sabe com um Heitor Dhalia no comando... mas Torres opta claramente por tentar dialogar com um público cada vez mais ávido por ir ao cinema para assistir televisão. Nesse sentido, ele obtém total êxito. O que é uma pena.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

[top 1o década 2000 - filmes indicados ao oscar de melhor filme]

Deixe-me explicar esse post. Estamos chegando ao fim de uma década, a primeira do novo século. E, obviamente, no final desse ano se multiplicarão as listas de melhores filmes dos últimos dez anos, e eu, aqui no Crônicas Cinéfilas, publicarei certamente a minha. No entanto, antes da grande lista do final do ano, lançarei, com periodicidade ainda não definida, algumas pequenas listas, mais especificas. E a primeira é essa aqui, com os 10 melhores filmes da década indicados ao prêmio principal do Oscar. Ou seja: não estou incluindo aqui a cerimônia de 2000, que premiou filmes de 1999, e nem aguardarei a próxima cerimônia, referente aos filmes de 2009 (até porque, como uma mudança importante será introduzida na caregoria principal, acho que faz sentido "encerrar" um ciclo, e deixar de lado os 10 indicados do ano que vem). Enfim, é isso.



10- Sobre Meninos e Lobos
Mystic River, 2003


9- O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei
The Lord of the Rings: The Return of the King, 2003


8- O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel
The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, 2001


7- Gangues de Nova York
Gangs of New York, 2002


6- Munique
Munich, 2005


5- Os Infiltrados
The Departed, 2006


4- Menina de Ouro
Million Dollar Baby, 2004


3- Sangue Negro
There Will be Blood, 2007


2- Onde os Fracos Não Têm Vez
No Country for Old Men, 2007


1- O Segredo de Brokeback Mountain
Brokeback Mountain, 2005


sábado, 4 de julho de 2009

[loki - arnaldo baptista]

Loki - Arnaldo Baptista
Loki - Arnaldo Baptista, 2008
Paulo Henrique Fontenelle


Arnaldo Baptista é, assim como Wilson Simonal, protagonista de outro recente documentário, mais um músico de imensa importância na música popular brasileira que é redescoberto graças ao cinema. É lógico que as trajetórias dos dois são muito diferentes, o que faz com que o tom dos filmes seja também diverso (enquanto em Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei, havia um forte sentimento de culpa, uma tentativa de reparar o passado e resgatar o cantor, em Loki, há um tom otimista de recomeço, até pelo fato de Arnaldo Baptista estar ainda vivo, e recuperando-se de todos os percalços de sua vida), mas ambos tiveram suas carreiras quase que completamente destruídas, em muito por suas próprias atitudes, e acabam sendo, agora, recuperados, e novamente valorizados.
O curioso é que a vida de Baptista, muito menos controversa do que a de Simonal, gere um filme bastante superior ao documentário de Cláudio Manoel, Micael Langes e Calvito Leal. Sem grandes polêmicas políticas para tratar, o diretor Paulo Henrique Fontenelle mergulha numa atmosfera intimista (próxima à do disco que dá título ao documentário), nas angústias pessoais de Baptista, e acaba entregando um retrato tocante e delicado de um homem derrotado pelos excessos (de amor, de drogas), mas que possui uma relevância musical que provavelmente a maioria de nós, brasileiros, não somos capazes de mensurar (e, nesse sentido, a idolatria aos Mutantes e à Baptista no exterior mostrada por Fontenelle é sintomática, com alguns ingleses chegando a declará-los melhores do que os Beatles!). Loki é uma grande homenagem à Arnaldo Baptista, e, no caminho, acaba sendo também um pedido de desculpas do músico àqueles que ele acabou por magoar, especialmente sua ex-esposa e companheira musical Rita Lee. O relacionamente do casal, aliás, se torna um dos pontos mais instigantes, e emocionantes, do filme, já que parece haver ali um ressentimento absurdamente grande, que faz com que Rita se recuse tanto a dar qualquer entrevista sobre Baptista ou sobre esse assunto, quanto a reunir-se novamente com sua antiga banda - e sua ausência é profundamente sentida em Loki. E o pedido de desculpas de desculpas de Baptista a ela é de cortar o coração.
Outro ponto que trabalha a favor do filme é a própria figura do seu protagonista. Os efeitos do uso prolongado de drogas e, principalmente, de uma tentativa de suicídio sobre Arnaldo Baptista fazem com que ele surja na tela como um homem extremamente fragilizado, algo ressaltado por seu modo de falar, quase infantil. É difícil não se apaixonar por aquele sujeito, não se encantar por sua história e sua obra, e não ficar aliviado pelo fato de ele ainda estar vivo, e, novamente, feliz (e trabalhando, com música e pintura). Ver Baptista falando, especialmente após conhecer sua trajetória, gera uma irresistível vontade de se aproximar dele, abraçá-lo, e agradecê-lo não só por tudo que fez pela música, mas principalmente pela lição de vida que é a sua própria vida. Arnaldo Baptista mora, atualmente, em Juiz de Fora, minha cidade. Quem sabe não concretizo esse desejo qualquer dia desses?