domingo, 25 de março de 2012


[habemus papam]

Habemus Papam 
Habemus Papam, 2011
Nanni Moretti

 
Nanni Moretti é quase um "José Saramago com uma câmera" em Habemus Papam, ao colocar a Igreja Católica em uma situação tão extrema que beira o inimaginável (mas que poderia muito bem ocorrer) dentro de uma narrativa sarcástica.
O filme tem uma premissa promissora e poderia ser uma pequena obra-prima, mas Moretti acaba pecando por sua falta de foco e incapacidade de concluir determinados eixos da trama. Acompanhar um Papa bloqueado psicologicamente tendo de discutir seus traumas e desejos com um psicanalista ateu é quase um sonho de consumo mas o roteiro de Habemus Papam opta por, ao invés de investir nesse caminho, jogar o personagem de Michel Piccoli para fora do Vaticano, levando-o a conhecer alguns aspectos da vida cotidiana e, assim, a refletir sobre sua vida. Essa escolha também não é de todo má, já que Piccoli entrega um desempenho comovente como o indeciso Papa, mas daí o irritante personagem vivido pelo próprio Moretti perde um pouco sua razão de ser, por mais que alguns de seus momentos no Vaticano sejam ótimos. Essa tendência por abandonar certos elementos da narrativa é recorrente no filme.
De qualquer forma, o diretor e roteirista merece os créditos pelo maravilhoso trabalho de humanização de figuras que costumamos enxergar com tamanho distanciamento. Encontrar não só o Sumo Pontífice como um sujeito cheio de melancolia e solidão mas também os outros bispos da Igreja como figuras frágeis, quase inocentes, em um mundo no qual elas não parecem mais se encaixar, é um prazer para o espectador. É na se preocupação maior com seus personagens do que com a mera crítica a uma instituição já tão criticada que se encontra o maior acerto de Habemus Papam. Talvez por isso sua sequência final, apesar de forte e corajosa, soe um pouco destoante do resto do filme. Moretti tem tanto êxito na humanização de seus personagens que, no fim, passamos a desejar um final feliz para eles.

segunda-feira, 19 de março de 2012


[anderson silva: como água]

Anderson Silva: Como Água 
Like Water, 2011
Pablo Croce


Esporte que mais cresce no mundo atualmente, o MMA começa, aos poucos, a invadir também o cinema. Primeiro foi o belo drama Guerreiro, de Gavin O'Connor, que provou que as Artes Marciais Mistas podem render filmes tão bons quanto o boxe, por exemplo, já rendeu. E agora é a vez do maior ídolo do esporte, o brasileiro Anderson Silva, virar personagem no documentário Como Água, que acompanha sua preparação para a luta contra aquele que acabou se firmando como seu maior antagonista, o norte-americano Chael Sonnen.
Apesar de ser um documentário, Como Água se estrutura como uma narrativa tradicional de filmes de luta, à lá Rocky (ainda que sem todo aquele melodrama): capta seu personagem num momento inicial de crise em sua carreira, após a polêmica luta contra Damian Maia, para acompanhar toda a pressão envolvendo seu próximo embate, os treinos desgastantes, o sofrimento pela distância da família, as polêmicas envolvendo as declarações de seu oponente (quase um Apollo Creed, na forma como busca provocar o adversário), até culminar na luta em si (o epílogo catártico). Tudo é feito com esmero e funciona muito bem, até porque Anderson Silva é um personagem fácil de se gostar. Mas uma coisa que me incomodou um pouco foi justamente a rapidez e frieza com que o combate final é mostrado. Toda a dramaticidade da luta contra Sonnen, a proximidade da derrota e a inesperada virada de Silva são apresentadas num registro sem emoção, em que a dimensão da situação extrema vivida pelo brasileiro não é realmente captada. Aqui, o diretor Pablo Croce perdeu a oportunidade de encerrar seu filme com um combate épico digno de Rocky Balboa vs. Apollo Creed, lançando o espectador para fora do cinema ainda contagiado com a adrenalina do que acabou de ver.
   

quarta-feira, 7 de março de 2012


[drive]

Drive 
Drive, 2011
Nicolas Winding Refn


Drive é um filme simples. Muito simples, na verdade. Nicolas Winding Refn (de quem só havia assistido ao esquisito O Guerreiro Silencioso) é bastante direto na condução de sua trama, sem subterfúgios, sem enrolação: apresenta seu protagonista em ação já na primeira sequência e não demora muito para deixar claro o que está por acontecer na vida daquele sujeito, uma paixão proibida e o envolvimento com mafiosos barra-pesada. Mas tudo é feito com tanto cuidado e competência, que o resultado é de encher os olhos. Até porque Refn parece ter um talento especial para criar cenas memoráveis.
Ryan Gosling é o centro das atenções, claro, com uma composição minimalista de um sujeito de gestos mínimos. Vez ou outra é possível enxergar no motorista sem nome uma pontinha de alegria em um sorriso de canto de boca, ou a paixão que sente na forma como olha para a personagem de Carey Mulligan, mas Gosling é inteligente o bastante para não tentar fazer desses sentimentos elementos de catarse do personagem, através de sua externação em algum momento da narrativa - o ator se mantém, na maior parte do tempo, impassível, construindo uma figura enigmática e verdadeiramente ameaçadora, com forte potencial para se tornar um ícone do cinema contemporâneo. No entanto, há de se dar destaque a alguns coadjuvantes: os comoventes Oscar Isaac e Bryan Cranston e o assutador Albert Brooks, que me lembrou bastante Joe Pesci em Os Bons Companheiros.
Outro elemento que merece destaque em Drive é a violência de algumas cenas. Winding Refn não pontua toda sua narrativa com atos brutais mas, quando estes acontecem, o diretor os filma de forma bastante crua, gráfica mesmo. O efeito sob o espectador é devastador. Nesse sentido, me veio à memória a obra-prima Marcas da Violência, de David Cronenberg, no qual a violência recebeu um tratamento bastante parecido com esse. Aliás, está aí outro filme simples e extremamente poderoso. É sobre a simplicidade que se ergue o grande cinema.