sábado, 31 de dezembro de 2016

Os melhores filmes de 2016


Como disse no post sobre os piores filmes de 2016, esse ano horroroso foi de certa forma salvo pelo cinema. Apesar de termos perdido alguns diretores, atores e atrizes inesquecíveis, o circuito cinematográfico brasileiro trouxe muitas estreias de qualidade, que tornaram ingrata a tarefa de selecionar apenas 10 como os melhores filmes do ano. E, na verdade, meu número 1 sequer estreou nos cinemas, sendo exibido apenas na TV fechada no país (e, por isso, ele entra aqui na categoria hors-concours). Mas, feito o esforço, esses foram os escolhidos no fim das contas:  


Hors-concours: O.J.: Made in America, de Ezra Edelman



10- Elle, de Paul Verhoeven



9- O Cavalo de Turim, de Béla Tarr e Ágnes Hranitsky



8- Boi Neon, de Gabriel Mascaro



7- O Filho de Saul, de Laszlò Nemes



6- Os Oito Odiados, de Quentin Tarantino



5- Visita ou Memórias e Confissões, de Manoel de Oliveira



4- As Montanhas se Separam, de Jia Zhangke



3- Carol, de Todd Haynes


2- Aquarius, de Kleber Mendonça Filho



1- Sieranevada, de Cristi Puiu



sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Os piores filmes de 2016


O cinema de certa forma salvou esse ano horroroso que foi 2016. Mas, em meio a muitas estreias boas no Brasil, alguns filmes bem ruins também ocuparam nossas salas. Não foram tantos, ou, ao menos, não vi tantos (pulei todas as comédias globais, por exemplo, que provavelmente serão lembradas negativamente por muitos nesse fim de ano). Dos que vi, esses são os 10 piores: 


10- É Apenas o Fim do Mundo, de Xavier Dolan


9- O Conto dos Contos, de Matteo Garrone


8- Mais Forte que o Mundo, de Afonso Poyart


7- Nerve: Um Jogo sem Regras, de Henry Joost e Ariel Schulman


6- Joy: O Nome do Sucesso, de David O. Russell


5- Pequeno Segredo, de David Schurmann


4- Um Homem Entre Gigantes, de Peter Landesman


3- Independence Day: Ressurgimento, de Roland Emmerich


2- Esquadrão Suicida, de David Ayer


1- A Garota Dinamarquesa, de Tom Hooper


segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Animais Noturnos



Animais Noturnos, segunda experiência do famoso estilista Tom Ford na direção, é um filme muito problemático. A começar pelo desequilíbrio entre as duas tramas que compõem sua narrativa: enquanto a primeira, diegeticamente real, se caracteriza por uma frieza que a torna quase desinteressante, a segunda, história dentro da história, lida pela personagem de Amy Adams, é vibrante, intensa, envolvente. Mesmo assim, essa última talvez não tenha a força necessária para causar tamanho impacto na protagonista/leitora – os comentários que ela faz sobre a qualidade do livro em questão (intitulado justamente “Animais Noturnos” e de autoria de seu ex-marido) podem, nesse sentido, soar exagerados. É verdade, por outro lado, que o que vemos na tela é a concretização imagética de um texto escrito e seria, a princípio, plausível que a tal qualidade seja primordialmente estética, de construção textual, e não tanto do que acontece na história narrada. Mas é verdade também que as reações de Susan (Adams) parecem advir quase totalmente desse último elemento.

Há também momentos isolados do filme que carregam, em si, mais alguns problemas. A cena de abertura, por exemplo, é muito impressionante, mas não parece ter qualquer conexão com o que vem depois. E, lá pelo meio da narrativa, há um momento que beira o constrangimento, quando Ford tenta comentar uma suposta falta de profundidade do mundo da protagonista por meio de uma participação tola de Jena Malone.

Ainda assim, Animais Noturnos me conquistou. Primeiramente, por escapar da vontade incontrolável de ser esteticamente lindo, presente no filme anterior de Ford, Direito de Amar (2009). Há aqui uma aura de thriller vagabundo, ressaltada por certa falta de identidade visual e pela trilha sonora insinuante, que remete a pérolas como Vestida para Matar (1980), Dublê de Corpo (1984), ambos de Brian De Palma, e Instinto Selvagem (1992), de Paul Verhoeven. Mas, sobretudo, pela maneira como tenta articular suas duas histórias – novamente, sem grande sofisticação, apelando para obviedades dignas de contos baratos – para discutir a relação entre os personagens de Adams e Jake Gyllenhaal. Nesse ponto, se revelando um filme sobre os lugares sociais e posturas esperadas de um homem, Animais Noturnos ganha potência dramática, sobretudo ao buscar se aproximar de Sam Peckinpah e seu ainda hoje absurdo Sob o Domínio do Medo (1971).

Como o enervante clássico de Peckinpah, Animais Noturnos toca no tema da fraqueza masculina, colocando seus personagens em situações extremas, nas quais têm de lutar contra essa característica para sobreviver e defender os seus. Ambos os protagonistas são homens tidos por excessivamente civilizados, vivendo em terras marcadas pela valorização da rusticidade. O que Ford – assim como o livro fictício escrito por Edward (Gyllenhaal) dentro do filme e o livro real de Austin Wright no qual o diretor se inspirou – argumentam é que o comportamento animal esperado do homem em lugares como o Texas de Animais Noturnos ou a cidadezinha escocesa de Sob o Domínio do Medo também é norma em ambientes supostamente menos brutos, mais sofisticados, como a alta sociedade de Los Angeles em que Susan vive.

Ford, aqui, se distancia belamente de seu objeto de inspiração, rejeitando a violência radical da solução de Peckinpah e abraçando a defesa da arte como vingança possível, ainda que sem enxergá-la sob qualquer perspectiva transcendental, redentora. Nesse sentido, Animais Noturnos é bastante amargo, mesmo cruel, com seus personagens: não há redenção possível, apenas dor, que, no final, com a vingança concluída, é ao menos distribuída de maneira um pouco mais equânime entre eles.


Animais Noturnos 
Nocturnal Animals, 2016
Tom Ford

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Animais Fantásticos e Onde Habitam


 

Minha relação inicial com a franquia Harry Potter, mais especificamente com seus dois primeiros filmes, Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001) e Harry Potter e a Câmara Secreta (2002), foi de implicância e enfado. Implicância por estabelecer, naqueles princípios de século XXI, uma rivalidade meio adolescente entre as aventuras do bruxinho inglês e a trilogia O Senhor dos Anéis (2001-2003), rivalidade que era alimentada dentro de casa: enquanto me encantava com a Terra-Média e comemorava as muitas indicações ao Oscar da admirável adaptação comandada por Peter Jackson, minha irmã mais nova mergulhava em Hogwarts e defendia com afinco sua preferência por Harry Potter. E enfado porque, de fato, os dois filmes em questão, dirigidos por Chris Columbus, são um tanto chatos.

Isso mudou meio bruscamente quando Alfonso Cuarón inseriu sombras, profundidade e um ritmo vertiginoso naquele universo com o excelente Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004). Passei a admirar as adaptações cinematográficas dos livros de J. K. Rowling, a vê-las na tela grande (não me dei a esse trabalho com Pedra Filosofal e Câmara Secreta) e a tomar como acertada a definição de uma identidade visual para a franquia a partir da chegada de David Yates, diretor de seus últimos quatro filmes (lançados entre 2007 e 2011) – ainda que lamentando um pouco a excessiva frieza de Yates, incapaz de alcançar a vitalidade de Cuarón ou mesmo de Mike Newell, diretor de Harry Potter e o Cálice de Fogo (2005).

Animais Fantásticos e Onde Habitam, retomada talvez um pouco inesperada dessa série que parecia sepultada no cinema, é uma estranha mistura dos filmes de Columbus, em seu senso de aventura juvenil e descoberta de um mundo mágico cheio de possibilidades, com a seriedade e a referida frieza características de Yates. É quase como se houvesse dois filmes em um. No primeiro, moram os personagens adoráveis de Dan Fogler e Alison Sudol, que são o coração de Animais Fantásticos e Onde Habitam; moram também os tais animais fantásticos e o protagonista, Newt Scamander (Eddie Redmayne, já volto a ele). No segundo, bem mais sisudo, estão algumas subtramas não muito bem exploradas, envolvendo um grupo de fanáticos que pregam contra os bruxos, o herdeiro de um império das comunicações com pretensões políticas (seu pai é vivido por ninguém menos que Jon Voight, meio sem ter o que fazer em cena) e uma grande ameaça que paira sobre todos, espécie de Voldemort reloaded.

O problema é que esse “segundo filme” vai, com o tempo, se sobrepondo ao primeiro, revelando a vontade de Yates (e da agora roteirista Rowling) de fazer algo importante, grandioso, que discute temas sérios como preconceito e intolerância. Isso numa história que parecia pedir mais leveza e menos auto-importância. E o que resta do “primeiro filme” nesse avançar de Animais Fantásticos e Onde Habitam é, basicamente, o personagem de Redmayne. Que até é uma figura interessante, mas... é interpretado por Redmayne. Com todos aqueles trejeitos inexplicáveis, mistura de sua versão de Stephen Hawking e d’A Garota Dinamarquesa com Dustin Hoffman em Rain Man. O resultado não fica muito distante do risível – e o ápice do ridículo do protagonista em cena é quando ele tem que simular um ritual de acasalamento com algo semelhante a um imenso rinoceronte, que o ator leva a sério como se estivesse num momento shakespeariano digno de Oscar (será que ele espera a terceira indicação seguida?).

Ao final, Yates e Rowling parecem se dar conta do erro de enfoque e tom de seu filme e encerram
Animais Fantásticos e Onde Habitam com uma bela cena da dupla Fogler/Sudol. Mas aí era tarde, ao menos para mim. Diretor e roteirista/criadora já haviam me feito lembrar, quatorze anos depois, o quanto o universo de Harry Potter pode ser enfadonho. 


Animais Fantásticos e Onde Habitam
Fantastic Beasts and Where to Find Them, 2016
David Yates