Ainda no primeiro ato de Guerra
nas Estrelas (ou Star Wars: Episódio
IV – Uma Nova Esperança, para quem prefere comprar as maluquices de George
Lucas), há uma cena em que Luke Skywalker sai pela porta de casa e admira o
horizonte de Tatooine (com seus dois sóis), ao som de um belíssimo tema musical
de John Williams. No olhar de Luke se vê a frustração com a vida que leva na
fazenda de seus tios e o desejo por aventuras, aparentemente
inalcançáveis para um jovem humilde de um planeta esquecido na galáxia. Essa
cena pequena, a princípio sem importância, sintetiza bem o espírito do filme
que inaugurou a franquia Star Wars e
de suas duas primeiras continuações (O
Império Contra-Ataca e O Retorno de
Jedi): apesar das grandiosas batalhas interestelares e da luta contra o
poderoso Imperador e seu braço direito, o igualmente poderoso Darth Vader,
pelos destinos da galáxia, era nos destinos de little people como Luke e o contrabandista Han Solo que Lucas
estava realmente interessado. Ainda que o clima dos filmes fosse de completa fantasia,
essa preocupação com o sonho, tão humano, de ser maior do que se é de fato, fincava
as raízes da primeira trilogia Star Wars
no concreto, gerando empatia em qualquer pessoa que em algum momento da vida
desejou algo aparentemente impossível pelo lugar que ocupava no mundo.
Star Wars: O
Despertar da Força retoma essa concretude, após Lucas ter feito uma segunda
trilogia asséptica (para que tanto CGI?), grandiloquente e incapaz de levar
seus personagens por caminhos minimamente interessantes – até porque, por se
tratar de um prequel, tudo em A Ameaça Fantasma, Ataque dos Clones e A
Vingança dos Sith segue um traçado teleológico, sobrando quase nenhum
espaço para surpresas. Por localizar seus acontecimentos 35 anos depois de O Retorno de Jedi, O Despertar da Força tem liberdade para caminhar com Star Wars para onde quiser e J. J.
Abrams, em parceria com os roteiristas Lawrence Kasdan e Michael Arndt, é
bastante bem-sucedido nisso, apesar de alguns deslizes aqui e ali. O principal
deles diz respeito a um excesso de repetição da estrutura do primeiro filme da
série, ainda que, do que se repete aqui, só dois pontos de fato incomodem: a presença de uma versão reloaded
da Estrela da Morte, cuja destruição é novamente o desafio a ser superado pelos
heróis, e o retorno dos personagens clássicos à condição de rebeldes, sem que
essa mudança seja devidamente explicada. O que aconteceu entre O Retorno de Jedi e O Despertar da Força que permitiu a ascensão de algo parecido com
um novo Império? De onde vem essa nova ameaça Sith, se estes pareciam ter sido
destruídos com as mortes do Imperador e de Vader? Todo o esforço de Luke, Han,
Leia, Chewbacca, rebeldes e até dos Eworks na trilogia original foi em vão? Não
que Abrams, Kasdan e Arndt tivessem de ser excessivamente expositivos, mas um
pouco de informação nesse caso talvez não fizesse mal, sobretudo porque
simplesmente retornar com os personagens à sua condição inicial sem explicitar
as razões pode soar como comodismo do roteiro.
Feitas essas ressalvas, resta dizer que O Despertar da Força é um filme
encantador. Abrams recupera o sentido transgressor da trilogia original ao
escolher como protagonistas figuras marginais, representantes de minorias
sociais (uma mulher catadora de sucata e um stormtrooper
negro), o que é ainda mais ousado que o feito por Lucas em 1977. Recupera
também a empatia gigantesca com o público – perdida na segunda trilogia,
protagonizada pelos quase invencíveis jedis –, por Rey (Daisy Ridley) e Finn
(John Boyega) serem personagens carismáticos e ao mesmo tempo frágeis diante de inimigos muito maiores – sem contar que o retorno de
Solo e Chewbacca, provavelmente as figuras mais adoráveis dos primeiros filmes,
contribui bastante para esse efeito empático.
Mas o grande trunfo de O Despertar da Força está mesmo na já citada liberdade do roteiro de caminhar para onde bem entender. É isso que permite a Abrams, Kasdan e Arndt não só criarem um novo conflito entre pai e filho que em nada deve àquele entre Luke e Vader em O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi, como propor uma solução para tal conflito absolutamente chocante e bastante coerente com os dramas de cada um dos personagens. Nesse aspecto, o filme se escora na trilogia original para ir além dela. São essas ousadias milimetricamente calculadas que, provavelmente, permitirão a Rian Johnson, no vindouro Episódio VIII, se afastar um pouco mais desse porto seguro.
Mas o grande trunfo de O Despertar da Força está mesmo na já citada liberdade do roteiro de caminhar para onde bem entender. É isso que permite a Abrams, Kasdan e Arndt não só criarem um novo conflito entre pai e filho que em nada deve àquele entre Luke e Vader em O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi, como propor uma solução para tal conflito absolutamente chocante e bastante coerente com os dramas de cada um dos personagens. Nesse aspecto, o filme se escora na trilogia original para ir além dela. São essas ousadias milimetricamente calculadas que, provavelmente, permitirão a Rian Johnson, no vindouro Episódio VIII, se afastar um pouco mais desse porto seguro.
Star Wars: The Force Awakens, 2015
J.J. Abrams
Nenhum comentário:
Postar um comentário