quinta-feira, 5 de janeiro de 2012


[a pele que habito]

A Pele que Habito 
La Piel que Habito, 2011
Pedro Almodóvar

 
  

Em uma cena de A Pele que Habito, quase na metade de sua narrativa, os personagens de Antonio Banderas e Elena Anaya dormem, lado a lado, após uma tentativa frustrada de relação sexual, quando tem início o flashback que dará novos rumos ao filme. A câmera permanece em Banderas, enquanto retornamos ao passado, à noite de uma festa de casamento. Terminada a sequência, há uma outra, em uma loja de roupas, que parece sem sentido, aleatória, e voltamos ao presente, ao sono do casal de protagonistas. A câmera vai até Anaya e a história retorna, novamente, àquela noite da festa, noite definidora na vida daqueles personagens. 
Num primeiro momento, vem a impressão de puro exibicionismo de Pedro Almodóvar: por que essa necessidade em narrar o mesmo acontecimento sob diferentes pontos de vista, num mecanismo até então ausente da narrativa (e ainda introduzindo novos personagens a uma trama já excessivamente misteriosa, até aquele momento)? Será que esse flashback, entrecortado por uma rápida e aparentemente desconexa sequência, contribuirá para a melhor compreensão de A Pele que Habito ou simplesmente complicará ainda mais a história contada na tela, abrindo novas frentes narrativas que, posteriormente, o diretor encontrará dificuldades para encerrar, sem deixar pontas soltas? 
Calma. Talvez seja essa a palavra que melhor define a composição da narrativa desse novo filme de Almodóvar. Com calma meticulosa, o diretor vai colocando cada pequena peça em um intrincado quebra-cabeças com espantosa habilidade e exatidão - daí a suposta frieza enxergada por muitos. De fato, trata-se de um filme menos "quente" que obras como Volver, Abraços Partidos, Fale com Ela, Tudo Sobre Minha Mãe, Carne Trêmula. Até o uso exagerado de cores fortes está mais contido aqui (apesar da presença marcante do vermelho costumeiro). No entanto, A Pele que Habito é Pedro Almodóvar no pleno domínio de seu cinema melodramático, com sua impressionante capacidade de tornar verossímeis elementos que se aproximam muito do bizarro. Ao flertar com o horror, ao se aventurar no suspense, o diretor ainda mantém os pés fincados no seu cinema - um cinema em que muitas coisas acontecem em um curto espaço de tempo sem que isso soe forçado, em que segredos vêm à tona, personagens se revelam, reviravoltas mirabolantes ocorrem, e grandes histórias são contadas com admirável delicadeza. Grande mestre da linguagem cinematográfica esse Almodóvar, capaz de, numa simples fusão de imagens que leva a narrativa de seu filme para o passado, contar uma história inteira.  

Um comentário:

wigvan disse...

Conheci seu blog por acaso e já li uma boa parte de suas críticas. Gosto da maneira como você escreve - um estilo a um só tempo direto e belo - e gosto das suas leituras a respeito dos filmes.
Bem, obrigado.
W.