Como se poderia desconfiar, vindo de alguém como Gus Van Sant, Garotos de Programa é muito mais do que seu pouco criativo título brasileiro tenta mostrar. É sim sobre garotos de programa "ganhando a vida", mas é principalmente um filme sobre a busca por um lugar no mundo (como, aliás, boa parte dos filmes do diretor), um mundo que simplesmente parece não te querer, a não ser para, de forma hipócrita, usufruir de seus dotes sexuais. E é também um filme de amor. E dos mais belos.
E não deixa de ser curioso, e triste, que os protagonistas de duas das mais belas histórias de amor homossexual que o cinema já produziu, River Phoenix e Heath Ledger, tenham morrido absurdamente jovens, e deixando justamente nesses filmes talvez a maior prova de seus gigantescos talentos. Assim como Ledger em Brokeback Mountain, Phoenix rouba a cena aqui. Por mais que Keanu Reeves tenha o mesmo destaque na narrativa, é do ator de Conta Comigo que vem o desempenho mais delicado e comovente, uma interpretação carregada de sutileza, na construção de um personagem insuportavelmente triste, mesmo em seus momentos de alegria. O Mike Waters de Phoenix é trágico a sua própria maneira, e me pergunto se a doença que carrega (narcolepsia) não representaria, ainda que ele não se dê conta disso, momentos de alívio para a dura realidade de sua vida - afinal, quando dorme, Mike sonha com uma infância feliz, com a presença de uma mãe carinhosa, algo que de fato não ocorreu.
Gus Van Sant é um sujeito que, claramente, se sai melhor quando mergulha em seu lado indie do que quando abraça um cinema mais "clássico" (ainda que Gênio Indomável e Milk sejam dois filmes que adoro), e Garotos de Programa, que foi seu terceiro longa-metragem, deixa essa característica bem ressaltada. É um filme nada convencional, onde Van Sant aposta em uma narrativa elíptica, em que tempo e espaço são atravessados pelos personagens sem que o espectador perceba isto com clareza (a não ser pelas chamadas com os nomes das cidades que aparecem na tela), em cenas inusitadas (me parece um toque de genialidade a maneira como o diretor filma as sequências de sexo) e em personagens que fogem de qualquer padrão de normalidade. E é curioso como isso se torna fundamental não só para o realce da marginalidade daquelas figuras, mas também para a identificação delas com quem assiste ao filme (e talvez o estranhíssimo e adorável Bob, vivido por William Richert, seja o melhor exemplo disso). E fica a dúvida se Garotos de Programa não seria, em certa medida, um elogio à marginalidade. Triste, melancólico, amargo. Mas ainda assim, um elogio. Em se tratando do cinema de Gus Van Sant, é bem possível que sim.
terça-feira, 23 de junho de 2009
[garotos de programa]
My Own Private Idaho, 1991
Gus Van Sant
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3 comentários:
Adoro o cinema de Van Sant - do experimental ao comercial - e pretendo procurar este, que parece mesmo ser excelente.
Ciao!
Cheguei a pegar uns filmes do Van Santa para ver, mas me faltaram os de início de carreira. Esse é um dos próximos dele que quero ver. Com essa nota, a expectativa só aumenta.
Sempre tive muita curiosidade em ver "Garotos de Programa", afinal parece ser um dos melhores trabalhos do Gus Van Sant, mas nunca encontrei por aqui...
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