Verdade seja dita: por mais que tenha sido responsável por um dos filmes mais adorados dos anos 90, Trainspotting, Danny Boyle nunca foi um gênio em seu ofício. É dono de uma carreira eclética e irregular, com alguns bons trabalhos (e outros nem tanto, como A Praia), mas que ainda tem como seu melhor seus dois primeiros longas, Cova Rasa e o já citado Trainspotting. Quem Quer Ser um Milionário?, apesar de todos os prêmios acumulados, só confirma isso: é um bom filme, com alguns momentos inspirados, mas que nunca consegue alcançar a genialidade.
O maior mérito de Boyle é conseguir transformar uma história ingênua de amor e superação em uma obra surpreendente, envolvente e mesmo original. Mesmo que imaginemos como tudo aquilo irá terminar, fica difícil não se envolver com a saga do protagonista Jamal Malik, e não torcer por seu sucesso no programa que dá título (no Brasil) ao filme. É bem verdade que aqui os devidos créditos têm de ser dados ao jovem Dev Patel, que vive Malik no presente. Carismático ao extremo, o ator constrói um personagem apaixonante em sua simplicidade e ingenuidade, e em sua obstinação por alcançar seus objetivos, impressionando pela espontaneidade de sua interpretação. Aliás, essa é a palavra perfeita para definir o trabalho de Patel: espontaneidade. O que leva à verossimilhança de seu personagem e, consequentemente, à imensa identificação do público com ele.
No entanto, Boyle também tem um papel fundamental na construção desse clima contagiante de Quem Quer Ser um Milionário?, na forma como conduz sua narrativa entrecortada por flashbacks sem soar irritante ou pretensioso, e, principalmente, na construção das sequências que se passam no show em si, onde a interação entre os personagens de Patel e Anil Kapoor é excepcional (a química entre os dois atores é absolutamente perfeita) e a tensão criada em torno das questões do programa, imensa. Na maior parte do tempo, são essas cenas que tornam o filme uma experiência tão deliciosa, o que revela o enorme êxito do diretor em transformar uma linguagem essencialmente televisiva (a dos quiz shows) em cinema de alta qualidade.
Boyle, o roteirista Simon Beaufoy, e o montador Chris Dickens também acertam em cheio na inserção dos flashbacks, sempre ocorrendo nos momentos exatos, sem que nenhum deles soe injustificável. Mas vale dizer que, se os primeiros flashbacks, mostrando a infância de Jamal e de seu irmão, são não menos que maravilhosos (são excepcionais as sequências da fuga dos meninos para a favela e do ataque contra os muçulmanos) conforme a narrativa se aproxima do presente a qualidade dessas sequências vai decaindo, muito devido à caracterização de alguns personagens (chega a ser irritante a necessidade de que a trama possua vilões cínicos e cruéis, e o último deles que surge em cena, o mafioso chefe de Salim, é caricatural ao extremo, numa composição bastante equivocada) e à má escolha de alguns atores (o intérprete de Salim na vida adulta, por exemplo, é muito fraco). Além disso, é inegável o uso excessivo de uma câmera inclinada, no intuito de passar um clima de nervosismo, que chega a irritar (é possível contar nos dedos as cenas em que a câmera está em sua posição tradicional) por mais que aqui seu uso seja bem mais justificável do que, por exemplo, no recente Dúvida.
Na verdade, me parece que o maior problema de Quem Quer Ser um Milionário? é o sem número de prêmios que o filme recebeu. Assistí-lo sob o peso de ser quase uma unanimidade entre os principais prêmios do cinema, acaba dando ao filme uma responsabilidade que ele não busca: é apenas uma pequena fábula, uma bela e inocente história de amor. E, por mais que possua um pano de fundo "sério", mostrando uma Índia que poucos querem ver (e há uma excelente cena que é sintomática disso, quando Jamal pergunta a um turista norte-americano que acaba de ter seu carro "depenado" por meninos da favela se ele não desejava conhecer a verdadeira Índia), isso não passa de pano de fundo, de uma visão light daquela realidade: o principal ali é Jamal Malik, sua participação no programa "Quem que ser um milionário?" e seu gigantesco amor por Latika. E fica difícil não enxergar isso após a empolgante cena de dança dos créditos finais.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
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8 comentários:
O filme aparenta ser mesmo tudo que dizem. Tentarei pegar pré-estréia dele.
Ciao!
Ok, não sou dos maiores fãs do filme, não mesmo, mas existem alguns bons momentos. Não me incomoda a platicidade da cenografia, ou a espetacularização da pobreza, como muitos vêm atacando o filme, mas o fato de a história ser mais do mesmo, cheia de concessões, exaltando felicidade e alegria quando a realidade do protagonista é muito pior. Tudo na narrativa serve a um propósito de facilitar a vida de Jamal. O filme todo me parece muito fake!
E que me desculpe o Dev Patel, mas ele é péssimo em cena. Tá certo, como não é um profissional ele é espontâneo e ingênuo, mas não trasnmite emoção nenuma, pelo menos pra mim.
Outra coisa que me incomoda muito é o esforço tremendo que eu tive de fazer para engolir a historinha de que quase todas as perguntas do quiz show tinham a ver com algum momento marcante da vida de Jamal. Essa eu não engulo! Nem isso nem aquela câmera inclinada que é o fim do filme! Quem te viu, quem te vê, viu Danny Boyle!
Rafael, discordo de vc em alguns aspectos. Primeiramente, gosto bastante do Patel, acho ele extremamente carismático e verdadeiro. E não sei se estou falando bobagem, mas me parece qu ele é ator profissional sim, trabalha em uma série de tv inglesa chamada Skins.
Quanto à realidade vivida pelos personagens, concordo contigo que ela é atenuada, e, caso fosse mostrada com uma violência e força maior, o filme poderia se tornar muito melhor. Mas, me parece que a proposta do Boyle é fazer essa versão light mesmo. Como disse no texto, aquilo ali é só um pano de fundo.
Por fim, adoro tudo o que se relaciona às cenas do programa. É claro que é inverossímil que todas as perguntas tenham a ver com a vida do Jamal, mas isso é fundamental para o espírito de fábula do filme. A última pergunta, por exemplo, é ridícula, e jamais poderia ser a pergunta decisiva de um programa como aquele. Mas, dentro da proposta do filme, ela faz todo o sentido.
Concordo com seu texto. É uma pequena fábula light, sem muitas pretensões a não ser contar uma história bonitinha embalada pelo exotismo da Índia. A gente torce pelo protagonista, mas o filme acaba e fica tudo por isso mesmo. A não ser os gritos de LATIIIIIIKAAAAAAA que ficam na kbça ;-)
Anderson
www.rosebudeotreno.com
Bom, eu adorei o filme e acho que Simon Beaufoy foi muito feliz na construção de todo o enredo. É uma história maniqueísta e um pouco convencional, sim, mas o Oscar está precisando premiar mais filmes assim - e deixar os gêneros intelectualóides de lado.
Acho que Danny Boyle fez uma direção estupenda, ousada e cheia de virtudes. Talvez tenha me irritado um pouco o final extremamente previsível - mas se não tivesse terminado daquela maneira, o título do filme não teria sentido algum.
Nota: 9,0
Abraço!
Bem, achava mesmo que o Patel nunca tinha trabalhado como ator (acho que li em algum lugar). Mas parece que me equivoquei, então. O que não muda minha opinião sobre o má desempenho do ator.
Essa coisa do Boyle fazer uma versão light da história é justo o que não me agrada nem um pouco no filme. E se você acha inverossímel como as peguntas se relacionem à vida de Jamal, isso me parece uma comprovação de um roteiro que manipula a história, desenha tudo como sendo trágico, mas bonitinho para muita gente não perceber o disparate da situação. Não me convece mesmo, velho! Abraço!
Então, Rafael, acho que concordamos totalmente nessa questão do lado light da história. Acho que se o filme tivesse a violência de um Cidade de Deus, por exemplo, acharia uma obra-prima.
Quanto ao Patel, gosto muito da sua atuação ... e sobre a inverossimilhança, como disse anteriormente, acho-a totalmente coerente com a proposta do filme. Nesse caso, acho a manipulação do Boyle positiva ...
Eu gostei muito do filme. Pelo menos mostra um pouco a Índia real...(que não é a Índia da Globo, na novela das 9)...enfim...sobre a pergunta final, não concordo com as opiniões...a última pergunta mostra que coisas tão bobas na vida, são realmente as mais marcantes. Quem não lembra aqui no Brasil,por exemplo, um cara perdeu um milhão de reais...pois errar a última pergunta que era, quantas letras tem a frase estampada na bandeira nacional.....mas a discussão mesmo não é essa.....é dizer que o filme é muit bom sim...e faz a gente pensar na vida..na simplicidade das coisas...tá certo que "Cidade de Deus" é bem melhor, mas tá valendo o Oscar....merecido!!
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