Angels in America é uma das séries (no caso, mini-série) mais premiadas que a TV norte-americana já produziu. Assistindo-a, não é muito difícil perceber o porquê: elenco primoroso (Al Pacino, Meryl Streep, Emma Thompson, Patrick Wilson, Mary-Louise Parker, Jeffrey Wright) absolutamente inspirado, história emocionante, acerca de um tema polêmico e doloroso (o surgimento da AIDS nos EUA na década de 1980, e seu efeito especialmente sobre os homossexuais), e uma bem-vinda mistura entre realidade dramática e o fantástico. No entanto, há problemas nessa obra grandiosa de Mike Nichols.
Primeiramente, por mais que o elenco esteja, em geral, sublime, alguns atores são, de certa forma, sabotados por personagens fracos e/ou irritantes. Emma Thompson talvez seja o caso mais sintomático disso. Interpreta três personagens, no entanto, só um deles impressiona realmente: a mendiga. E é um papel pequeno. Sua enfermeira também não pode fazer muito em cena, também privada de tempo, enquanto o Anjo da América beira o ridículo, com seus exageros histriônicos. Mary-Louise Parker também dá vida a uma figura que, se por um lado é comovente, e de enorme importância para a trama, por outro se torna extremamente irritante em muitos momentos. Já Jeffrey Wright dá a sorte de compensar o bobo Mr. Lies com um estupendo desempenho como o enfermeiro homossexual Belize. Talvez Parker precisasse de mais uma personagem, como Wright, para demonstrar o quanto é boa atriz.
Em compensação, o trio Patrick Wilson, Ben Shenkman e Justin Kirk está excepcional, constituindo um triângulo amoroso tocante; eles são os verdadeiros protagonistas de Angels in America, e, como tais, não decepcionam em nada. Wilson talvez seja o principal destaque dos três, com sua insuportável e transbordante angústia, seu desejo de ser quem realmente é entrando em conflito com sua carapaça conservadora mórmon. Por fim, há Al Pacino e Meryl Streep. A atriz tem quatro papéis (sendo um, absurdamente inusitado, e outro, extremamente curto), mas impressiona realmente em dois: como a conservadora e austera mãe de Patrick Wilson, que aos poucos descobre a possibilidade de viver com o diferente a partir da experiência vivida com seu próprio filho, e o fantasma de Ethel Rosenberg. E é aqui que entra Pacino. Nas aparições de Ethel, a dinâmica entre esses dois monstros da interpretação é absolutamente perfeita, irretocável, gerando, por fim, uma maravilhosa cena tragicômica em um hospital. No entanto, mesmo quando Streep não está ao seu lado, Pacino justifica completamente a alcunha de monstro do cinema. Transforma um papel que, a princípio, parece reiterar tudo o que o ator vem fazendo nos últimos anos (o sujeito megalomaníaco, que grita e esbraveja a todo momento, e que está em busca de um "sucessor"), em um retrato decadente de uma faceta do conservadorismo da sociedade norte-americana, que comove profundamente. Al Pacino interpreta apenas um personagem. Mas engole todos os outros atores e atrizes que o cercam de uma forma assustadora.
Mas nem só de elenco vive Angels in America, e aí entram alguns outros problemas da mini-série. A inserção do elemento fantástico em sua narrativa, se funciona maravilhosamente no caso de Ethel Rosenberg, descamba para um lado que beira a comicidade quando envolve a figura angelical de Emma Thompson, o que, sem dúvidas, não era a intenção de Nichols. Vê-la mantendo relação sexual com Justin Kirk, flutuando, por exemplo, parece totalmente desnecessário, assim como ver Meryl Streep combatendo-a num quarto de hospital na parte final da história. Além disso, como já dito, outra figura fantástica, o Mr. Lies de Jeffrey Wright, também parece possuir uma existência despropositada, e o passeio final do personagem de Kirk pelo paraíso, debatendo com uma espécie de "conferência de anjos" também irrita.
E há ainda o final. Personagens falando diretamente com a câmera, dando uma lição de moral acerca de tudo o que foi mostrado anteriormente, definitivamente não combina com a jornada dramaticamente poderosa que é Angels in America. Mas, infelizmente, Nichols e o roteirista Tony Kushner fazem essa opção, e terminam esse grande trabalho da pior maneira possível.
quinta-feira, 23 de abril de 2009
[angels in america]
terça-feira, 21 de abril de 2009
[trailer: lula, o filho do brasil]
Sou grande admirador da figura de Luis Inácio Lula da Silva, e admiro também, ainda que em menor escala, seu desempenho à frente do governo do Brasil. No entanto, independentemente de posições e opiniões políticas, é inegável que a trajetória de Lula é verdadeiramente impressionante, e não transformá-la em filme seria um imenso desperdício.
Estou dizendo tudo isso porque acaba de ser divulgado o primeiro trailer de Lula, o Filho do Brasil, dirigido por Fábio Barreto. A verdade é que me irrita profundamente a opção por fazer uma biografia tradicional do personagem, começando com seu nascimento e infância, chegando até sua ascensão como líder sindical. A vida de Lula poderia gerar um grande filme (ou filmes) se recortada de forma mais cuidadosa: por que não filmar seu envolvimento com o movimento sindical nos anos 70, ainda sob a ditadura militar, ou algum momento tenso de seu governo (como a crise de 2005), entregando um thriller político de primeira? Mas não, o que se busca aqui é uma espécie de 2 Filhos de Francisco, obviamente, elevado a uma potência maior, já que estamos falando aqui do principal líder político do país. E é isso que o trailer mostra.
No entanto, devo confessar que me surpreendi positivamente com o que foi mostrado: por mais que vejamos uma opção pelo óbvio, parece haver um clima bastante sóbrio na narrativa, sem grandes rompantes de exagero dramático. E sem contar que Rui Ricardo Dias deixa a impressão de estar prestes a entregar uma atuação monstruosa, e inesquecível. É esperar para ver.
sábado, 11 de abril de 2009
[alguns filmes - março]
Na trilha de obras maravilhosas como Platoon e Nascido para Matar, Brian DePalma lançou sua visão acerca da guerra do Vietnã, em 1989, esse Pecados de Guerra. É um filme dono de uma premissa forte, contundente, talvez até mais do que as dos outros dois citados. E DePalma conduz essa trama muito bem, ancorado principalmente no talento já gigantesco de Sean Penn, hipnótico em cena. O problema está no apelo melodramático de alguns momentos (a cena final, por exemplo), no maniqueísmo de outros ("soldados maus" que tentam calar de qualquer forma o único ali com consciência e dignidade), e especialmente na caracterização do protagonista como um herói idealizado, incólume às brutalidades da guerra, vivido pelo fraco, dramaticamente falando, Michael J. Fox (sem dúvidas uma escolha equivocada, para um papel já cheio de problemas). O resultado é um filme que não consegue sair da sombra das duas grandes obras que o cinema norte-americano produziu na década de 1980 sobre o Vietnã (na verdade, me parece que quem projeta tal sombra é Platoon, com Nascido para Matar também sendo ofuscado em certo sentido pela obra-prima de Oliver Stone), mas que ainda assim possui momentos fortes e marcantes (as sequências de estupro, assim como a última cena da jovem cativa dos soldados são difíceis de tirar da memória), que trazem à tona lampejos de uma obra maiúscula que poderia ter sido criada.
Talvez Guy Ritchie seja uma grande farsa. Afinal de contas, sua carreira se limita a repetir uma mesma fórmula, de filmes com um formato cool, passados no submundo londrino e com pequenos criminosos tendo de pagar dívidas com grandes chefões da máfia, diálogos rápidos e espertos, e narrativa fragmentada. Na única vez que fugiu disso, o resultado foi o desastroso Destino Insólito (ao menos até Sherlock Holmes chegar aos cinemas). No entanto, se Ritchie é uma farsa, é uma farsa irresistível. Gosto bastante de seu cinema, e RocknRolla não tem grandes dificuldades em agradar a alguém que tenha gostado de Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch: é um filme de conteúdo banal, com uma série de personagens descolados desfilando pela tela, trapaceando uns aos outros. Ritchie, entretanto, cria uma trama envolvente e deliciosa, com rompantes de violência alternando-se com sequências cômicas brilhantes (a tentativa de roubar os capangas russos, por exemplo), ao mesmo tempo que tem em suas mãos um ótimo elenco (encabeçado pelo cada vez melhor Gerard Butler), onde alguns nomes específicos demonstram-se absurdamente inspirados, como Tom Wilkinson e Mark Strong. RocknRolla é, em suma, tudo o que se espera de um filme de Guy Ritchie. Goste-se ou não.
Querelle é uma experiência cinematográfica que merece ser vivenciada. Foi meu primeiro contato com o cinema de R. W. Fassbinder (curiosamente, comecei pelo último filme da carreira do cineasta), e é difícil terminar de assisti-lo intacto. Cenograficamente carregado, e dotado de um grande sentido poético, Querelle é subversivo em sua essência, expondo, para isso, uma visão controversa e complexa da homossexualidade. Esta liga-se, aqui, à criminalidade, à marginalização em relação à sociedade, e também a subversão dessa mesma ordem social. Praticar um ato homossexual significaria, aqui, romper com o status quo, questionar a ordem vigente. Seria o oposto, por exemplo, da busca por integração proposta por um filme como o recente Milk, de Gus Van Sant. É o tipo de contraponto interessante a se fazer, uma discussão frutífera a ser travada. De qualquer forma, Fassbinder faz um filme poderoso, ainda que difícil em muitos momentos, dada sua grande densidade. Boa parte desse poder recai sobre o excelente Brad Davis, que encarna, sem concessões, o protagonista, que dá nome ao longa. Suas cenas de sexo com outros homens são fortes, impactantes, e expressivas com relação às intenções do diretor; são o motor de Querelle. Um filme que deixa, acima de tudo, a certeza de que tanto Davis quanto Fassbinder fazem uma grande falta no cinema atual.
Uma Rua Chamada Pecado é o resultado daquilo que parece ser uma espécie de confluência cósmica, onde um sem número de talentos se reúnem, em torno de uma grande história, e geram um filme marcante. Elia Kazan, um mestre que foi em muito diminuído devido às suas escolhas políticas no período do macarthismo, está aqui no pleno domínio de sua arte (ainda que ache que sua obra máxima continue sendo Sindicato de Ladrões), construindo uma narrativa onde tudo, absolutamente tudo, está em seu devido lugar, todas as peças se encaixam perfeitamente. E há ainda, obviamente, o elenco. Se os coadjuvantes Karl Maden e Kim Hunter roubam a cena em muitos momentos, dando vida a figuras profundamente humanas e comoventes (especialmente o personagem de Maden), é inevitável que o centro das atenções não seja o embate entre Marlon Brando e Vivien Leigh. Não é simplesmente um embate de personagens e personalidades, onde o passado sufocado e recalcado da primeira colide brutalmente com a sede por honestidade e com violência do segundo (tudo permeado por uma insuspeita atração sexual); é também um embate de técnicas de atuação: se Leigh constrói Blanche DuBois com um certo exagero dramático, numa composição típica de grandes épicos hollywoodianos (e que cai como uma luva na personalidade da personagem), Brando encarna Stanley Kowalski com sua conhecida meticulosidade, assustando pela veracidade com que compõe seu personagem em seus mínimos gestos. É um duelo de gigantes, de duas diferentes gerações de atores de Hollywood, e de duas formas diferentes de se dar vida aos personagens. Duelo responsável, em muito, por transformar Uma Rua Chamada Pecado em um clássico absoluto do cinema.
Sob o risco de ser crucificado, devo confessar: me frustrei com O Anjo Exterminador. Gosto bastante do cinema de Buñuel, e esperava encontrar, nesse que é um de seus maiores clássicos, uma obra contundente, poderosa e inesquecível. Como boa parte de sua filmografia, é um trabalho provocativo, mordaz, um interessante experimento acerca da fragilidade das aparências que regem o mundo burguês. No entanto, se comparado com filmes como A Bela da Tarde e Esse Obscuro Objeto do Desejo, O Anjo Exterminador acaba parecendo uma obra menor do diretor, não tão bem acabada. Esperava encontrar uma obra-prima absoluta, mas o que se tem é uma pequena parábola de ataque á burguesia, não tão contundente quanto se esperava. No fim das contas, acho que é tudo uma questão de expectativa.
Chamado por alguns de "o Cidade de Deus italiano", Gomorra guarda, na verdade, pouquíssimas semelhanças com o filme de Fernando Meirelles. Sai de cena a montagem acelerada, a abordagem "moderna" e pop do mundo do crime, e entra um retrato denso, sóbrio, mesmo exaustivo, da máfia napolitana, a Camorra. Nesse sentido, o filme de Matteo Garrone peca em muitos momentos por sua narrativa confusa e até mesmo arrastada, que torna difícil a identificação com aquele sem número de personagens que desfilam pela tela. No entanto, aos poucos, as intenções do diretor vão ficando mais claras: nada de histórias que se cruzam, a partir de alguma reviravolta ou grande evento que una os personagens, nada de "grandes sacadas" narrativas. O que Garrone pretende é simplesmente traçar um duro e cru painel da Camorra, secamente violento, sem concessões estéticas (ainda que seja um filme dono de algumas belíssima imagens, plasticamente falando). Quando se compreende isso, Gomorra se revela como a grande obra cinematográfica que é.
Na trilha de obras maravilhosas como Platoon e Nascido para Matar, Brian DePalma lançou sua visão acerca da guerra do Vietnã, em 1989, esse Pecados de Guerra. É um filme dono de uma premissa forte, contundente, talvez até mais do que as dos outros dois citados. E DePalma conduz essa trama muito bem, ancorado principalmente no talento já gigantesco de Sean Penn, hipnótico em cena. O problema está no apelo melodramático de alguns momentos (a cena final, por exemplo), no maniqueísmo de outros ("soldados maus" que tentam calar de qualquer forma o único ali com consciência e dignidade), e especialmente na caracterização do protagonista como um herói idealizado, incólume às brutalidades da guerra, vivido pelo fraco, dramaticamente falando, Michael J. Fox (sem dúvidas uma escolha equivocada, para um papel já cheio de problemas). O resultado é um filme que não consegue sair da sombra das duas grandes obras que o cinema norte-americano produziu na década de 1980 sobre o Vietnã (na verdade, me parece que quem projeta tal sombra é Platoon, com Nascido para Matar também sendo ofuscado em certo sentido pela obra-prima de Oliver Stone), mas que ainda assim possui momentos fortes e marcantes (as sequências de estupro, assim como a última cena da jovem cativa dos soldados são difíceis de tirar da memória), que trazem à tona lampejos de uma obra maiúscula que poderia ter sido criada.
Talvez Guy Ritchie seja uma grande farsa. Afinal de contas, sua carreira se limita a repetir uma mesma fórmula, de filmes com um formato cool, passados no submundo londrino e com pequenos criminosos tendo de pagar dívidas com grandes chefões da máfia, diálogos rápidos e espertos, e narrativa fragmentada. Na única vez que fugiu disso, o resultado foi o desastroso Destino Insólito (ao menos até Sherlock Holmes chegar aos cinemas). No entanto, se Ritchie é uma farsa, é uma farsa irresistível. Gosto bastante de seu cinema, e RocknRolla não tem grandes dificuldades em agradar a alguém que tenha gostado de Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch: é um filme de conteúdo banal, com uma série de personagens descolados desfilando pela tela, trapaceando uns aos outros. Ritchie, entretanto, cria uma trama envolvente e deliciosa, com rompantes de violência alternando-se com sequências cômicas brilhantes (a tentativa de roubar os capangas russos, por exemplo), ao mesmo tempo que tem em suas mãos um ótimo elenco (encabeçado pelo cada vez melhor Gerard Butler), onde alguns nomes específicos demonstram-se absurdamente inspirados, como Tom Wilkinson e Mark Strong. RocknRolla é, em suma, tudo o que se espera de um filme de Guy Ritchie. Goste-se ou não.
Querelle é uma experiência cinematográfica que merece ser vivenciada. Foi meu primeiro contato com o cinema de R. W. Fassbinder (curiosamente, comecei pelo último filme da carreira do cineasta), e é difícil terminar de assisti-lo intacto. Cenograficamente carregado, e dotado de um grande sentido poético, Querelle é subversivo em sua essência, expondo, para isso, uma visão controversa e complexa da homossexualidade. Esta liga-se, aqui, à criminalidade, à marginalização em relação à sociedade, e também a subversão dessa mesma ordem social. Praticar um ato homossexual significaria, aqui, romper com o status quo, questionar a ordem vigente. Seria o oposto, por exemplo, da busca por integração proposta por um filme como o recente Milk, de Gus Van Sant. É o tipo de contraponto interessante a se fazer, uma discussão frutífera a ser travada. De qualquer forma, Fassbinder faz um filme poderoso, ainda que difícil em muitos momentos, dada sua grande densidade. Boa parte desse poder recai sobre o excelente Brad Davis, que encarna, sem concessões, o protagonista, que dá nome ao longa. Suas cenas de sexo com outros homens são fortes, impactantes, e expressivas com relação às intenções do diretor; são o motor de Querelle. Um filme que deixa, acima de tudo, a certeza de que tanto Davis quanto Fassbinder fazem uma grande falta no cinema atual.
Uma Rua Chamada Pecado é o resultado daquilo que parece ser uma espécie de confluência cósmica, onde um sem número de talentos se reúnem, em torno de uma grande história, e geram um filme marcante. Elia Kazan, um mestre que foi em muito diminuído devido às suas escolhas políticas no período do macarthismo, está aqui no pleno domínio de sua arte (ainda que ache que sua obra máxima continue sendo Sindicato de Ladrões), construindo uma narrativa onde tudo, absolutamente tudo, está em seu devido lugar, todas as peças se encaixam perfeitamente. E há ainda, obviamente, o elenco. Se os coadjuvantes Karl Maden e Kim Hunter roubam a cena em muitos momentos, dando vida a figuras profundamente humanas e comoventes (especialmente o personagem de Maden), é inevitável que o centro das atenções não seja o embate entre Marlon Brando e Vivien Leigh. Não é simplesmente um embate de personagens e personalidades, onde o passado sufocado e recalcado da primeira colide brutalmente com a sede por honestidade e com violência do segundo (tudo permeado por uma insuspeita atração sexual); é também um embate de técnicas de atuação: se Leigh constrói Blanche DuBois com um certo exagero dramático, numa composição típica de grandes épicos hollywoodianos (e que cai como uma luva na personalidade da personagem), Brando encarna Stanley Kowalski com sua conhecida meticulosidade, assustando pela veracidade com que compõe seu personagem em seus mínimos gestos. É um duelo de gigantes, de duas diferentes gerações de atores de Hollywood, e de duas formas diferentes de se dar vida aos personagens. Duelo responsável, em muito, por transformar Uma Rua Chamada Pecado em um clássico absoluto do cinema.
Sob o risco de ser crucificado, devo confessar: me frustrei com O Anjo Exterminador. Gosto bastante do cinema de Buñuel, e esperava encontrar, nesse que é um de seus maiores clássicos, uma obra contundente, poderosa e inesquecível. Como boa parte de sua filmografia, é um trabalho provocativo, mordaz, um interessante experimento acerca da fragilidade das aparências que regem o mundo burguês. No entanto, se comparado com filmes como A Bela da Tarde e Esse Obscuro Objeto do Desejo, O Anjo Exterminador acaba parecendo uma obra menor do diretor, não tão bem acabada. Esperava encontrar uma obra-prima absoluta, mas o que se tem é uma pequena parábola de ataque á burguesia, não tão contundente quanto se esperava. No fim das contas, acho que é tudo uma questão de expectativa.
Chamado por alguns de "o Cidade de Deus italiano", Gomorra guarda, na verdade, pouquíssimas semelhanças com o filme de Fernando Meirelles. Sai de cena a montagem acelerada, a abordagem "moderna" e pop do mundo do crime, e entra um retrato denso, sóbrio, mesmo exaustivo, da máfia napolitana, a Camorra. Nesse sentido, o filme de Matteo Garrone peca em muitos momentos por sua narrativa confusa e até mesmo arrastada, que torna difícil a identificação com aquele sem número de personagens que desfilam pela tela. No entanto, aos poucos, as intenções do diretor vão ficando mais claras: nada de histórias que se cruzam, a partir de alguma reviravolta ou grande evento que una os personagens, nada de "grandes sacadas" narrativas. O que Garrone pretende é simplesmente traçar um duro e cru painel da Camorra, secamente violento, sem concessões estéticas (ainda que seja um filme dono de algumas belíssima imagens, plasticamente falando). Quando se compreende isso, Gomorra se revela como a grande obra cinematográfica que é.
sábado, 4 de abril de 2009
[shutter island: livro, pôster e meme literário]
Bem, vou aproveitar esse post para "matar três coelhos com uma cajadada só". É que terminei há alguns dias de ler o livro Shutter Island, de Dennis Lehane (cujo título em português é Paciente 67), no qual se baseia o próximo filme de Martin Scorsese. Adaptações de Lehane para o cinema vem resultando em filmes extraordinários (Sobre Meninos e Lobos e Medo da Verdade), no entanto, confesso que me decepcionei um pouco com essa sua obra. Conta uma história interessante, envolvente, e com personagens ricos dramaticamente. No entanto, me parece que apela demais para clichês, tanto do gênero policial, quanto dos thrillers, e a reviravolta final da trama lembra bastante inúmeros suspenses já produzidos por Hollywood. Sendo assim, dei uma desanimada com a versão fílmica de tal livro. No entanto, me lembrei que será Martin Scorsese que a dirigirá. E me parece que os psicologismos de Lehane cairão como uma luva para o cinema de Scorsese, e o resultado pode (ou melhor, deve) ser um grande filme. Ainda mais com o elenco excepcional que o cineasta reuniu, com Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo interpretando personagens que, se explorados da maneira correta, podem gerar figuras fascinantes. Para completar minhas esperanças com relação a Shutter Island, o filme, foi divulgado seu primeiro, e brilhante, cartaz. As expectativas voltam a ser, enfim, gigantescas.
Por fim, aproveito para responder ao Meme literário, que me foi enviado pelo blogueiro Weiner, do blog A Grande Arte. Qual o livro escolhido? Shutter Island (ou Paciente 67). As regras do Meme são as seguintes:
1) Agarrar o livro mais próximo;
2) Abrir na página 161;
3) Procurar a quinta frase completa;
4) Colocar a frase no blog;
5) Repassar para cinco pessoas.
Tal é a frase: "Ela alisou a barra da bata sob as coxas e olhou para Teddy e Chuck com o ar esperançoso de uma criança".
Aproveito, então, para repassar o Meme aos seguintes amigos blogueiros:
Bruno (Cine no pretensions)
Gustavo (Fina Ironia)
Diego (Cinemania)
Paulo (Baú de Filmes)
Shaun Red (The Zombies who say Nit!)
quarta-feira, 1 de abril de 2009
[o casamento de rachel]
O Casamento de Rachel
Rachel Getting Married, 2008
Jonathan Demme
O Casamento de Rachel
Rachel Getting Married, 2008
Jonathan Demme
Acho Jonathan Demme um cineasta admirável (e pouco valorizado, ainda que seja um vencedor do Oscar, e responsável por um dos maiores clássicos do cinema contemporâneo), especialmente me sua capacidade em transitar entre gêneros sem o menor desconforto. Na verdade, mais do que capacidade, chamaria de inata inquietação que o diretor produz, que o faz ir de um thriller policial com cunho psicológico (O Silêncio dos Inocentes) para um drama de tribunal sobre o preconceito àqueles que contraíram o vírus da AIDS (Filadélfia), deste para um drama sobre negros nos EUA pós-abolição da escravidão (Bem-Amada) e deste para duas refilmagens de clássicos do cinema norte-americano (O Segredo de Charlie e Sob o Domínio do Mal). Sem contar as comédias amalucadas do início de sua carreira (sou fã de Totalmente Selvagem), e seus recentes documentários. E se alguém ainda duvida da versatilidade de Demme, basta assistir ao seu mais recente trabalho, O Casamento de Rachel.
É provável que, se não contasse com alguns rostos conhecidos, como Anne Hathaway e Debra Winger, algum espectador desprevenido acreditasse estar diante de um exemplar do movimento Dogma 95. Isso porque O Casamento de Rachel segue vários dos princípios pregados pelos cineastas nórdicos que criaram tal movimento, como a câmera na mão, sempre inquieta, a fotografia descuidada, as interpretações naturalistas do elenco, sempre parecendo improvisadas (e, por isso mesmo, "reais"), e a não-utilização de trilha sonora (todas as músicas escutadas no filme fazem parte da narrativa, são tocadas ou cantadas por seus personagens). Além disso, a trama de O Casamento de Rachel, e o desenrolar dos acontecimentos envolvendo seus personagens, lembrar um pouco o estupendo Festa de Família, de Thomas Virtenberg, mais famoso e premiado exemplar do Dogma 95. No entanto, o filme consegue funcionar absurdamente, independentemente dessas comparações, e assusta pela forma como Demme transita com naturalidade nessa diferente maneira de filmar.
Por mais que seja melhor cuidado esteticamente, e menos impactante, do que Festa de Família, O Casamento de Rachel consegue ser um filme angustiante, e dramaticamente poderoso. Para isso, depende imensamente de seu elenco, que não decepciona. De uma impressionante e surpreendente Anne Hathaway, a um maravilhoso Bill Irwin (que merecia ter sido lembrado nas premiações das quais o filme participou de alguma forma), passando por uma estonteante Rosemarie DeWitt (outra pouco valorizada nas últimas premiações cinematográficas) e uma Debra Winger, ainda bela, e contundente em cena, mesmo que com uma participação pequena, O Casamento de Rachel é um desfile e interpretações poderosas e exatas. Hathaway é o destaque absoluto, com o misto de sofrimento e necessidade de ser o centro das atenções de sua excelente personagem. Acho difícil que alguém imaginasse existir uma atriz desse calibre por trás da jovem protagonista de filmes da Disney, e de comédias legais, mas inofensivas, como O Diabo Veste Prada (e mesmo sua participação na obra-prima Brokeback Mountain, apagada, não dava pistas desse talento gigantesco). No entanto, Irwin também rouba a cena em algumas de suas participações, compondo uma figura comovente, em sua obrigação de ser o mediador das brigas de suas filhas, sendo obrigado a sufocar todos os traumas provenientes de uma família tão complicada.
Mas o que mais chama a atenção em O Casamento de Rachel é mesmo Jonathan Demme. É brilhante a forma como ele se apropria de uma linguagem cinematográfica nova em sua carreira, para alcançar seus propósitos, e para transformar aquele fim de semana na vida daquele grupo de personagens em uma experiência angustiante, que parece, em alguns momentos, interminável, sendo a festa do casamento o caso mais sintomático disso, com aquela quantidade de celebrações, dos mais diversos tipos, exaurido profundamente o espectador (e que me lembrou, de alguma forma, o epílogo do filme Exílios, de Tony Gatlif, com sua celebração extática impressionante). E é impactante como o diretor faz de um final supostamente up, já que passando-se em um momento de alegria, um retrato amargo e triste do quanto aquelas pessoas ainda guardam mágoas umas das outras. Trabalho de mestre.
É provável que, se não contasse com alguns rostos conhecidos, como Anne Hathaway e Debra Winger, algum espectador desprevenido acreditasse estar diante de um exemplar do movimento Dogma 95. Isso porque O Casamento de Rachel segue vários dos princípios pregados pelos cineastas nórdicos que criaram tal movimento, como a câmera na mão, sempre inquieta, a fotografia descuidada, as interpretações naturalistas do elenco, sempre parecendo improvisadas (e, por isso mesmo, "reais"), e a não-utilização de trilha sonora (todas as músicas escutadas no filme fazem parte da narrativa, são tocadas ou cantadas por seus personagens). Além disso, a trama de O Casamento de Rachel, e o desenrolar dos acontecimentos envolvendo seus personagens, lembrar um pouco o estupendo Festa de Família, de Thomas Virtenberg, mais famoso e premiado exemplar do Dogma 95. No entanto, o filme consegue funcionar absurdamente, independentemente dessas comparações, e assusta pela forma como Demme transita com naturalidade nessa diferente maneira de filmar.
Por mais que seja melhor cuidado esteticamente, e menos impactante, do que Festa de Família, O Casamento de Rachel consegue ser um filme angustiante, e dramaticamente poderoso. Para isso, depende imensamente de seu elenco, que não decepciona. De uma impressionante e surpreendente Anne Hathaway, a um maravilhoso Bill Irwin (que merecia ter sido lembrado nas premiações das quais o filme participou de alguma forma), passando por uma estonteante Rosemarie DeWitt (outra pouco valorizada nas últimas premiações cinematográficas) e uma Debra Winger, ainda bela, e contundente em cena, mesmo que com uma participação pequena, O Casamento de Rachel é um desfile e interpretações poderosas e exatas. Hathaway é o destaque absoluto, com o misto de sofrimento e necessidade de ser o centro das atenções de sua excelente personagem. Acho difícil que alguém imaginasse existir uma atriz desse calibre por trás da jovem protagonista de filmes da Disney, e de comédias legais, mas inofensivas, como O Diabo Veste Prada (e mesmo sua participação na obra-prima Brokeback Mountain, apagada, não dava pistas desse talento gigantesco). No entanto, Irwin também rouba a cena em algumas de suas participações, compondo uma figura comovente, em sua obrigação de ser o mediador das brigas de suas filhas, sendo obrigado a sufocar todos os traumas provenientes de uma família tão complicada.
Mas o que mais chama a atenção em O Casamento de Rachel é mesmo Jonathan Demme. É brilhante a forma como ele se apropria de uma linguagem cinematográfica nova em sua carreira, para alcançar seus propósitos, e para transformar aquele fim de semana na vida daquele grupo de personagens em uma experiência angustiante, que parece, em alguns momentos, interminável, sendo a festa do casamento o caso mais sintomático disso, com aquela quantidade de celebrações, dos mais diversos tipos, exaurido profundamente o espectador (e que me lembrou, de alguma forma, o epílogo do filme Exílios, de Tony Gatlif, com sua celebração extática impressionante). E é impactante como o diretor faz de um final supostamente up, já que passando-se em um momento de alegria, um retrato amargo e triste do quanto aquelas pessoas ainda guardam mágoas umas das outras. Trabalho de mestre.
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