sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Avatar



Vou falar aqui de dois filmes, ambos vencedores do Oscar, antes de chegar propriamente ao evento cinematográfico do ano, AvatarHá 12 anos, James Cameron lançava seu último longa de ficção nos cinemas, Titanic. Chamar este de apenas mais um filme é complicado, pois o naufrágio do famoso navio e a história de amor entre os personagens de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet tornaram-se talvez a definição exata de fenômeno. Muitos ainda torcem o nariz, mas a verdade é que é difícil resistir a Titanic. Cameron demonstrou ali, ao deixar de lado sua seara tradicional - a ficção científica -, uma gigantesca capacidade em transformar uma história absurdamente batida, crivada de lugares-comuns, em algo emocionalmente envolvente.

7 anos antes disso, o então projeto de astro Kevin Costner pegou muita gente de surpresa ao estrear na direção de longa-metragens com um grandioso - e ao mesmo tempo intimista - épico que era uma verdadeira declaração de amor às culturas indígenas massacradas ao longo da história dos Estados Unidos. O belíssimo Dança com Lobos, apesar de também ter lá seus clichês, inovou por inverter a antiga lógica do western, que quase sempre teve nos índios seus vilões preferidos. O respeito e admiração por uma cultura diversa da sua e a indignação diante do massacre indiscriminado do povo nativo daquela terra transformaram Dança com Lobos em um filme fundamental na história recente do cinema norte-americano.

Pois bem, eis onde quero chegar: Avatar é, de certa forma, um encontro entre esses dois filmes. Não, não há nenhum naufrágio aqui, e nem Celine Dion cantando "My Heart Will Go On". Mas, ao finalmente voltar à direção de longas, Cameron consegue repetir, ainda que em proporções menores (Titanic continua insuperável), o principal mérito de seu filme anterior: transformar uma história previsível em experiência emocionante, única mesmo (e nem estou me referindo aqui aos inovadores efeitos especiais, que são mesmo impressionantes, mas à energia da narrativa). E a tal história batida, dessa vez, é muito semelhante à da obra de Costner. Assim como em Dança com Lobos, há em Avatar um soldado que parte, movido por sabe-se lá o quê, para um ambiente que lhe é estranho, habitado por seres inicialmente hostis. Nos dois casos, o soldado (o herói da Guerra Civil no filme de 1990, o marine aqui) é capturado por esses nativos, adapta-se à sua cultura, apaixona-se por uma deles, e acaba tornando-se definitivamente um membro daquele povo ao ter de enfrentar as forças de sua cultura originária (na verdade, o exército ao qual antigamente pertencia).

O que Cameron consegue mostrar, então, é que esse discurso de respeito pela alteridade ainda funciona, ainda mais em tempos de ocupação norte-americana em países do Oriente Médio - o que, aliado a uma radicalização do discurso ecológico promovida pelo diretor, torna o filme bastante identificável com algumas das angústias do tempo presente. Se a necessidade de "passar uma mensagem" deve ser levada em conta ao analisar-se uma obra fílmica, Avatar é completamente exitoso. Cinema, felizmente, é muito mais do que mensagem. E Avatar, felizmente também, como cinema, é plenamente bem-sucedido. Assim como há exatos 12 anos, James Cameron faz-nos esquecer que estamos diante de uma história tomada por clichês, onde realidade é apenas um detalhe menor, irrelevante, deixando-nos com uma vontade quase irresistível de, ao término do filme, irromper em aplausos. Goste-se ou não, parece que o "rei do mundo" está mesmo de volta.


Avatar 
Avatar, 2009
James Cameron

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

[curtinhas: filmes revistos]

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain, 2001
Jean-Pierre Jeunet


Essa é daquelas obras que ganham aura cult, mas da qual tinha uma lembrança ruim. Assisti O Fabuloso Destino de Amélie Poulain pela primeira vez no ápice de seu sucesso, e o filme simplesmente não havia me convencido. Esse segundo olhar fez bem ao trabalho mais famoso de Jean-Pierre Jeunet.
Continuo com dificuldades para enxergar a obra-prima que muitos veem, mas é, sem dúvidas, um filme com uma atmosfera mágica muito bem construída, com uma protagonista adorável e cativante (Audrey Tatou merece ter se transformado no ícone que se transformou com essa personagem) e com um visual arrebatador. Basta não exigir aqui mais do que o filme se propõe a ser (uma pequena, despretensiosa e doce fábula), basta assisti-lo desarmado, e Amélie (filme e personagem) torna-se praticamente irresistível. Finalmente me rendi.


A Queda - As Últimas Horas de Hitler
Der Untergang, 2004
Oliver Hirschbiegel


Esse aqui caiu um pouco nessa revisão. Quando assisti A Queda pela primeira vez, estava no início da graduação em História, e me lembro de ter ficado impressionado com o que Oliver Hirschbiegel fez, mas havia achado o filme um tanto cansativo, e as cenas que não tinham o Hitler de Bruno Ganz desnecessárias.

Hoje, entendo que o filme, ao contrário do que quis vender o péssimo subtítulo brasileiro, é sobre a derrubada de uma visão de mundo que se entranhou em uma sociedade, e que foi devastada, desde sua "cabeça" até o mais humilde alemão que acreditou e seguiu os ideais do III Reich. Nesse sentido, A Queda é mesmo admirável, mas seu formato me pareceu, agora, excessivamente tradicional, mesmo didático.

O que permanece intacto é o brilhantismo da interpretação de Bruno Ganz. Sua presença em cena é devastadora, seu Hitler humanizado é, por isso mesmo, ainda mais assustador e monstruoso. Provavelmente, qualquer outra interpretação do Führer pelo cinema, antes ou depois deste filme, soará como rasa, como mero estereótipo.



Apocalypse Now
Apocalypse Now, 1979
Francis Ford Coppola


Trata-se aqui de uma velha obsessão. Pelo fato de minha cinefilia ter se iniciado realmente por volta do início dos anos 2000, só havia tido a oportunidade de assistir a nova versão de Apocalypse Now, relançada por Francis Ford Coppola em 2001.

Finalmente assistido o filme como lançado em 1979, o veredicto: são duas experiências muito diferentes. No fim das contas, o Redux é melhor, é mais longo, mais detalhado, tem Marlon Brando por mais tempo em cena, e dá um tom de "jornada infernal que nunca termina" à trajetória de Willard e seus comandados. Mas o "original" é também impactante ao seu modo. A montagem aparentemente apressada, dá um ritmo acelerado ao filme, que faz com que suas 2h30 de duração passem voando, e acaba aumentando o caráter alucinógeno e alucinado de sua narrativa. Acelerada, esta parece ainda mais insuportável. Como disse o próprio Coppola, seu filme não é sobre o Vietnã, ele é o próprio Vietnã. De maneiras distintas, as duas versões de Apocalypse Now tornaram-se essa afirmativa assustadoramente verdadeira.

[é proibido fumar]

É Proibido Fumar

É Proibido Fumar, 2009
Anna Muylaert


Declarei há alguns dias no twitter minha frustração com os filmes brasileiros lançados esse ano, e, de uma forma geral, com o cinema brasileiro contemporâneo. À exceção de Se Nada Mais Der Certo, não foi lançado nada de realmente memorável, tendo a safra de 2009 sido composta de alguns bons filmes e algumas outras bombas.

É Proibido Fumar, segundo longa de Anna Muylaert, é mais um que se enquadra na categoria dos "bons filmes", mas que fica longe de conseguir dar um upgrade em nosso cinema atual. É uma obra simpática, que acaba encantando pela simplicidade, tanto de sua narrativa quanto de seus personagens. Ser simpático, entretanto, acaba se revelando um dos grandes problemas do filme: a história bobinha, com personagens agradáveis acaba flertando em certos momentos com as abomináveis comédias televisivas que têm invadido os cinemas recentemente, deixando É Proibido Fumar à beira do abismo.
É quando Muylaert muda o tom de sua narrativa, já próximo ao final, que seu filme cresce absurdamente. Crescem também os protagonistas, e mesmo o que parecia bobo e banal em suas caracterizações acaba ganhando força, no contraste com o novo momento da história. É nessa virada que Muylaert fortalece seu cinema, aproximando-o, guardadas as devidas proporções, com o de Pedro Almodóvar (aliás, há mesmo uma cena, em uma festa, que parece uma citação direta de Fale com Ela). Aqui, só não crescem seus dois principais intérpretes, Glória Pires e Paulo Miklos. Não crescem pois já eram grandes no resto do filme, dos momentos light aos mais pesados. Desde suas primeiras cenas, juntos e separados, Pires e Miklos estão inspiradíssimos.

sábado, 5 de dezembro de 2009

[abraços partidos]


Aproveitando o lançamento do novo filme de Almodóvar nos cinemas, reproduzo aqui o texto que escrevi na ocasião em que assisti-o, no Festival do Rio desse ano. Reprodução com algumas pequenas modificações, já que, de lá para cá, Abraços Partidos cresceu em minha memória.


Abraços Partidos
Los Abrazos Rotos, 2009
Pedro Almodóvar


Juro que esperava de Abraços Partidos o oposto do que ele realmente é. Havia imaginado um filme ultra-pretensioso, que investisse em um excesso de metalinguagem (por ter o próprio mundo do cinema como um de seus temas centrais), possuindo uma narrativa de difícil apreensão – o que, imaginei, talvez explicasse a recepção morna ao filme de Almodóvar. Pois o que vi foi justamente um trabalho extremamente simples, uma mistura de suspense ao estilo Brian De Palma (em alguns momentos é quase impossível não lembrar-se de Dublê de Corpo e Vestida para Matar) com algumas pitadas de comédia almodovariana, onde nada é difícil de se compreender, havendo até mesmo um excesso de clareza narrativa. E confesso que, nesse sentido, gostei do que vi. Abraços Partidos acabou sendo uma boa surpresa. Entretanto, o filme tem lá seus problemas, sendo a irregularidade o maior deles: se em seu início, com suas primeiras idas e vindas no tempo, tudo funciona maravilhosamente bem, lá pelo meio da história as coisas se perdem um pouco, e a resolução do triângulo amoroso apresentada por Almodóvar não deixa de ser um tanto decepcionante. Da mesma forma, tudo envolvendo o personagem Ray-X é tratado com pouco cuidado, e algumas revelações já próximas ao epílogo, feitas por Blanca Portillo, soam demasiadamente didáticas, forçadas, e mesmo melodramáticas (no caso da última delas, a seu filho). Apesar de ser um admirador do cinema de Almodóvar especialmente quando este assume um tom mais sério, a partir de Carne Trêmula (chegando a seu melhor trabalho em Fale com Ela), curiosamente, achei que nesse Abraços Partidos os grandes momentos ficam por conta do lado cômico do diretor – é o velho "jovem Almodóvar" dando sinais de vida, e lembrando-nos do quanto ele ainda sabe arrancar risos da platéia.

P.S.: É impressionante como, a cada dia que passa, Penélope Cruz não só evolui como atriz (especialmente quando atua em espanhol) como se torna mais e mais linda.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

[vencer]

Vencer

Vincere, 2009

Marco Bellocchio



Talvez os objetivos do veterano diretor Marco Bellocchio com Vencer possam ser resumidos em apenas uma cena de seu longa, ocorrida logo em seus primeiros momentos: Benito Mussolini e Ida Dalser transam; ela, enlouquecida por aquele homem enigmático, forte, decidido, se entrega completamente, declarando, apaixonadamente, que o ama; ele, penetra-a com força, impassível, enquanto olha triunfante para a frente – um olhar que demonstra invencibilidade, poder e, acima de tudo, monstruosidade. No fim das contas, para além da trágica história da mulher que amou loucamente Mussolini e foi depois abandonada por ele, Vencer é sobre essa Itália que também se entregou àquele homem, encantada com suas promessas e, acima de tudo, com seu poder de decisão e sua força de vontade, e que acabou violentada, traída, abandonada.

Disse talvez, lá no início, porque, por mais que essa interpretação me pareça acertada, é difícil não reconhecer que muito do êxito do filme está na figura de Ida Dalser, e na tragédia que foi sua vida – ou seja, na história daquela mulher, mais do que na História política de um país. E tanto Bellochio quanto Giovanna Mezzogiorno merecem ser exaltados aqui. O diretor, por construir uma narrativa poderosa, com um ritmo frenético que lembra em muito tragédias operísticas em sua primeira metade, e com um clima melancólico, carregado com belas imagens na segunda parte (a sequência do Natal, por exemplo, é de uma beleza gigantesca). A atriz, por conseguir transformar uma mulher que é, no fim das contas, uma fascista, alguém que compartilha quase que completamente dos ideais de Mussolini (que, aliás, é interpretado por um Filippo Timi que consegue superar a pouca semelhança física com o ditador, ao menos em um primeiro olhar, encarnando-o com uma intensidade impressionante, reproduzindo com perfeição seu jeito de se portar, seus olhares e pequenos gestos e fazendo com que, o que é o mais importante, compreendamos o fascínio exercido por aquele homem sobre os que o cercavam), em uma figura emocionante, com a qual é difícil não se identificar. Ao mesmo tempo mulher e alegoria de um país. Em ambos os casos, vítima do mesmo homem. Mais comovente, impossível.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

[alguns filmes - novembro]


O Vídeo de Benny
Benny's Video, 1992
Michael Haneke

O Sétimo Continente
Der Siebente Kontinent, 1989
Michael Haneke

Arraste-me para o Inferno
Drag me to Hell, 2009
Sam Raimi

Paixões que Alucinam
Shock Corridor, 1963
Samuel Fuller

Bang Bang
Bang Bang, 1971
Andrea Tonacci

2046 - Os Segredos do Amor
2046, 2004
Wong Kar-Wai

Labirinto de Paixões
Laberinto de Pasiones, 1982
Pedro Almodóvar

Como Era Gostoso o Meu Francês
Como Era Gostoso o Meu Francês, 1973
Nelson Pereira dos Santos

Santiago
Santiago, 2007
João Moreira Salles

Ondas do Destino
Breaking the Waves, 1996
Lars von Trier

Edifício Master
Edifício Master, 2002
Eduardo Coutinho

Garrincha, Alegria do Povo
Garrincha, Alegria do Povo, 1963
Joaquim Pedro de Andrade


Curtas:

Blá Blá Blá
Blá Blá Blá, 1968
Andrea Tonacci

Os Filmes que Não Fiz
Os Filmes que Não Fiz, 2008
Gilberto Scarpa

Maranhão 66
Maranhão 66, 1967
Glauber Rocha

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

[(500) dias com ela]

(500) Dias com Ela
(500) Days of Summer, 2009
Marc Webb


Cobrar originalidade de um gênero como comédia romântica pode ser um esforço em vão. E festejar a suposta originalidade e frescor de um de seus exemplares pode ser uma experiência enganosa. É o caso desse elogiado (500) Dias com Ela, que realmente tem algumas sacadas muito boas, faz algumas brincadeiras com a linguagem cinematográfica que geram bons momentos, mas que é, em geral, apenas mais do mesmo. Juro que fui assistir ao filme aberto à possibilidade de apreciá-lo. Na verdade, esperava gostar muito dele, especialmente por motivos pessoais. Aliás, qualquer um consegue se identificar com aqueles personagens, com o protagonista apaixonado (vivido pelo excelente Joseph Gordon-Levitt, de longe a melhor coisa do longa, e que realmente é a cara de Heath Ledger) que se perde diante de expectativas amorosas não correspondidas, que sofre com seus próprios devaneios em torno da correspondência ou não de seu amor. Quem nunca sofreu por esse maldito sentimento? No entanto, o grande problema do filme de Marc Webb é ficar, digamos, em cima do muro. Por um lado, ele tenta ser "esperto", realizar as tais brincadeiras que, em alguns casos, são realmente inteligentes (a sequência musical pós-primeira noite do casal é um achado, e a sequência da oposição "expectativa-realidade" fez-me pensar, por um breve momento, estar diante de uma verdadeira novidade), mas em outros, nem tanto (o trocadilho final, por exemplo, é constrangedor). Ao mesmo tempo, Webb não consegue romper com lugares-comuns das comédias românticas, e é aqui que seu filme afunda. Assim, tem-se os amigos abobalhados, as músicas simpáticas como trilha sonora e um final profundamente equivocado - ou Webb e seus roteiristas levavam o martírio do protagonista até o fim, ou apelavam para a óbvia reconciliação, mas jamais deveriam ter caminhado para o artificialismo daquela sequência final. Em seu epílogo, (500) Dias com Ela se perde definitivamente, e confirma, em sua ânsia de ser uma comédia romântica diferente, "original", o quanto é banal e igual a tantas outras.