quinta-feira, 21 de abril de 2011



[pânico 4]

Pânico 4
Scream 4, 2011
Wes Craven


Levei uma boa quantidade de sustos com os filmes da série Pânico na minha adolescência, e personagens como Sidney Prescott, Gale Weathers e Dewey se tornaram parte de uma memória cinematográfica afetiva dessa fase da minha vida. Não é fácil, portanto, tentar avaliar Pânico 4 com distanciamento, deixando de lado toda a carga de nostalgia que esse novo filme carrega - ainda mais se levarmos em conta o retorno não só de todo o elenco de sobreviventes dos longas anteriores, mas também do diretor Wes Craven e do roteirista Kevin Williamson. Mas, por outro lado, não há nostalgia e carinho que sobrevivam à mediocridade e, apesar de tender para uma avaliação positiva de Pânico 4, também não teria problemas em criticá-lo, caso enxergasse nele um filme ruim. E, se agora rasgo elogios ao novo longa de Craven, isso se dá por um misto de memória carinhosa e qualidade cinematográfica.
É lógico que não há como esperar de Pânico uma obra-prima. Trata-se de um típico caso de guilty pleasure, aqueles filmes de gosto duvidoso que são, todavia, deliciosos de se assistir, e que muitas vezes até demonstramos certo constrangimento em elogiar. Sempre foi assim, desde o primeiro longa, de 1996. A série criada por Craven tem seu charme justamente em reproduzir de forma irônica incontáveis clichês dos filmes de serial killer, e, por mais que Pânico 4 se alicerce sobre o slogan "nova década, novas regras" e aponte suas armas para os rumos tomados pelo cinema de horror nos últimos anos (especialmente para a explosão do torture porn), sua força está em seguir com êxito o velho esquema dos filmes anteriores: muitos sustos, violência brutal (me impressionou bastante a cena da morte do personagem de Anthony Anderson), piadas auto-referentes, Sidney acompanhando aterrorizada a morte daqueles que a cercam, Gale investigando os assassinatos por conta própria, Dewey sempre alguns passos atrás da verdade, e, claro, um epílogo carregado de didatismo onde todos se revelam. E é impressionante que todos esses clichês, nas mãos de Craven e Williamson, continuem rendendo filmes divertidos, empolgantes e carregados de tensão. Pois Pânico 4 é isso: assim como seus 3 predecessores, um filme simplesmente irresistível. E que, de quebra, ainda traz a melhor revelação de identidade do(s) assassino(s) desde que Billy Loomis (Skeet Ulrich) e Stu Macher (Matthew Lillard) assumiram seus crimes diante de Sidney, há 15 anos. O que não é pouco.

domingo, 17 de abril de 2011


[vips]

VIPs
VIPs, 2011
Toniko Melo


Apesar das óbvias aproximações com o ótimo Prenda-me Se For Capaz, de Steven Spielberg, VIPs faria uma coerente sessão dupla com outro filme brasileiro bastante semelhante em suas escolhas dramáticas e estéticas: Meu Nome Não é Johnny. Assim como o sucesso com Selton Mello, o filme de Toniko Melo traz como protagonista um jovem que, meio na inocência, meio na malandragem, entra em um mundo de crimes que o leva a uma rápida ascensão social, até que, uma hora, a casa finalmente cai. João Guilherme Estrella e Marcelo do Nascimento são personagens carismáticos, cheios de lábia, e que conquistam não só aqueles que o cercam mas também nós, que acompanhamos suas trajetórias. E se em Meu Nome Não é Johnny Selton Mello surgia cantando "Outra Vez", de Roberto Carlos, em VIPs Wagner Moura também solta a voz em "Será", do Legião Urbana, um dos melhores momentos do filme. A grande diferença entre as obras está nos epílogos: enquanto Mauro Lima apostava em mostrar todo o processo de reabilitação de seu protagonista, deixando um certo tom de "lição de moral" no ar (mas que, dentro da narrativa de Meu Nome Não é Johnny, até funcionava bem), Melo abre mão de apresentar Marcelo do Nascimento como um sujeito novamente integrado à sociedade, seja através de alguma cena dramatizada ou mesmo através dos tão comuns letreiros explicativos, em prol de uma cena final carregada de ironia que, confesso, me agradou bastante.
O grande problema de VIPs está no tratamento que dá a seu protagonista. A atuação de Wagner Moura é extremamente competente, como se poderia esperar desse ator cada vez mais camaleônico, mas o roteiro exagera ao apresentar seu personagem como um esquizofrênico à lá Uma Mente Brilhante, e ainda ao tentar transformar essa informação em uma espécie de reviravolta na trama. Acaba soando forçado, ainda que, volto a dizer, Moura esteja ótimo, mesmo nessas cenas.
VIPs é, no fim das contas, mais um exemplar de um tipo de filme bastante comum no cinema brasileiro contemporâneo: cinebiografias (de personagens célebres ou não) com qualidade e elenco global, tecnicamente impecável, mas com roteiro praticamente nulo em criatividade e ousadia. E aí nem só Meu Nome Não é Johnny serve como parâmetro para comparação, mas também Cazuza - O Tempo Não Pára e o recente Bruna Surfistinha, por exemplo. São todos bons filmes, mas que não passam disso. Talvez, se VIPs realmente fosse mais parecido com Prenda-me Se For Capaz, seria um grande filme. Mas Toniko Melo tem muito mais em comum com Mauro Lima e Marcus Baldini do que com Steven Spielberg.

terça-feira, 12 de abril de 2011


[3x liz taylor]

A morte do ícone Elizabeth Taylor, no último dia 23 de março, fez com que eu atentasse para o parco conhecimento que possuo acerca de sua filmografia. Aproveitei o ensejo para, então, tomar contato com 3 obras importantes protagonizadas pela atriz, 3 clássicos do cinema norte-americano que, de qualquer forma, me envergonhava de ainda não ter assistido. Ainda que a vergonha de continuar sem assistir Assim Caminha a Humanidade seja ainda maior...


O Pecado de Todos Nós
Reflections in a Golden Eye, 1967
John Huston


Apesar de Marlon Brando e Elizabeth Taylor ótimos em cena, o filme de John Huston peca pelo ritmo excessivamente arrastado, que o torna bastante cansativo. Há momentos bem fortes em O Pecado de Todos Nós, é verdade, como a surra que o personagem de Brando leva em uma festa e a cena final, mas a sensação é de um filme com uma grande história conduzido com uma mão pesada demais por seu diretor, que parece não saber como transformar em um turbilhão de emoções a relação entre personagens tão instigantes e reprimidos. Uma pena. Destaque ainda para a belíssima fotografia em sépia, que torna concreto (quase palpável) o simbolismo do título original (Reflections in a Golden Eye).


Um Lugar ao Sol
A Place in the Sun, 1951
George Stevens


Melodrama com fortes tons de tragédia, que remete diretamente a Crime e Castigo e ao filme Aurora, de F.W. Murnau, Um Lugar ao Sol impressiona por ter envelhecido muito pouco (ou por não ter envelhecido nada, desconfio). O maior destaque é Montgomery Clift, um ator excepcional (algo que já tinha percebido em A Um Passo da Eternidade) que conduz um personagem difícil, complexo, sem jamais deixar de causar identificação no espectador - não por simpatia, mas por compreensão de seus dilemas. É um trabalho magnífico. Já Elizabeth Taylor, estonteante de tão linda, funciona perfeitamente como o elemento de desestabilização do personagem de Clift - para entendermons o que ele passa, basta olharmos para ela. E há ainda uma comovente Shelley Winters. Grande filme.


Gata em Teto de Zinco Quente
Cat on a Hot Tin Roof, 1958
Richard Brooks


Gata em Teto de Zinco Quente me impressionou bastante. Compartilha com Uma Rua Chamada Pecado - outra célebre adaptação de Tennessee Williams para o cinema - os diálogos fortes e personagens viscerais que tornaram tão impactante o filme de Elia Kazan. E aqui, como lá, há um imenso acerto na escolha do elenco, que explode na tela em sensualidade e sentimentos reprimidos. É um tortuoso desfile de personagens complexos, egoístas, machucados pela vida. Comovente. Paul Newman e Elizabeth Taylor estão assombrosos, transbordando uma tensão sexual comparável a existente entre os personagens de Marlon Brando e Vivien Leigh no clássico de Kazan - e o casal tem a companhia do excepcional Burl Ives, elemento catalisador das emoções, traumas e dores que acompanhamos. A visceralidade dos desempenhos do elenco de Gata em Teto de Zinco Quente permite que o filme transcenda o tom excessivamente teatral que possui, para, sem nenhuma cerimônia, entrar pela porta da frente no hall das grandes realizações cinematográficas de todos os tempos. Obra-prima.

sábado, 9 de abril de 2011


[sidney lumet, 1924-2011]

Não costumo abrir espaço aqui no blog para homenagens aos mortos do cinema, por simplesmente preferir dar maior destaque aos meus textos analíticos sobre filmes. Mas há casos que precisam ser comentados, e Sidney Lumet é um deles. Um dos maiores e menos reconhecidos cineastas de todos os tempos, Lumet nos deixou uma vastíssima filmografia, e pelo menos 6 obras-primas. Nesse dia triste para o cinema, deixo aqui algumas imagens delas.



quinta-feira, 31 de março de 2011

Senna



Do fim de semana da Fórmula 1 em que Ayrton Senna morreu, guardava em minha memória duas imagens específicas, para além das já esperadas cenas do acidente com o piloto brasileiro: o carro de Rubens Barrichelo literalmente voando contra um muro no treino daquela sexta-feira e uma foto de jornal do acidente fatal com o piloto austríaco Roland Ratzenberger no sábado. Tinha apenas 7 anos de idade então e confesso que duvidava da veracidade dessas imagens, filmes velhos e esquecidos - mas sempre lembrados - que fazem parte de minhas lembranças daquele fim de semana macabro.

Nesse sentido, assistir ao documentário Senna trouxe para mim uma inesperada dose de catarse. Sim, Barrichelo realmente sofrera o acidente impressionante do qual me lembrava e a morte de Ratzenberger foi tão impactante quanto guardava em minha memória, mesmo que o filme não traga a foto da qual jamais esqueci (com o piloto, já sem capacete e todo ensaguentado, sendo atendido pelos paramédicos). Talvez a grande força de Senna esteja justamente em reproduzir para quem não viveu aqueles anos (ou viveu-os em tenra idade, como eu) não só o impacto da morte de seu personagem-título, mas principalmente o fascínio gerado pelo talento daquele sujeito, um tricampeão da Fórmula 1 capaz de momentos de pura genialidade na pista, que fizeram com que fosse considerado por muitos o maior piloto de todos os tempos (mesmo tendo conquistado menos títulos que, por exemplo, seu grande rival Alain Prost e o recordista absoluto Michael Schumacher). Estruturado sobre as disputas entre Senna e Prost (um grande acerto, diga-se de passagem), o filme de Asif Kapadia leva o espectador a torcer e se indignar com os meandros do esporte, mesmo se tratando de corridas célebres, das quais todos sabem o resultado. Sem parar nunca a ação para inserir imagens dos depoimentos colhidos na atualidade (estes surgem apenas em off), Kapadia constrói uma narrativa tensa e intensa, que consegue dimensionar perfeitamente a importância de Ayrton Senna, transformando-o num herói imperfeito que encontrou em Prost uma espécie de inimigo à altura (e apesar do piloto francês não ser demonizado pelo documentário, Kapadia claramente opta pelo lado do brasileiro).

Quando a trágica temporada de 1994 surge na tela - e, mais especificamente, o Grande Prêmio de San Marino daquele ano -, já estamos envolvidos demais para escapar da emoção causada pelas últimas imagens de Senna. Não é nem preciso ser brasileiro ou fã de Fórmula 1 para sentir o nó na garganta e as lágrimas escorrerem diante da morte do personagem-título. Basta admirar e saber reconhecer o bom cinema.


Atualização: no último domingo, dia 03/04, o cineasta Asif Kapadia fez a gentileza de divulgar meu texto sobre seu filme em sua página no Twitter. Fiquei verdadeiramente lisonjeado.


Senna 
Senna, 2010
Asif Kapadia

segunda-feira, 28 de março de 2011


[bravura indômita]

Bravura Indômita
True Grit, 2010
Ethan Coen & Joel Coen


Sejamos honestos: o Bravura Indômita original, que deu a John Wayne o Oscar de melhor ator em 1970, é um western bem meia-boca. Tem um clima de aventura despretensiosa, com personagens que, apesar de bem defendidos por seus intérpretes, não passam de estereótipos. Por isso, a nova versão da história conduzida pelos irmãos Coen é muito bem-vinda. Há remakes que são totalmente justificáveis, e esse é um deles - ainda que a dupla de cineastas não considerem seu filme como tal, mas simplesmente como uma nova adaptação do livro de Charles Portis. E o que os Coen conseguem realizar com esse material é qualquer coisa de impressionante.
Apesar de seguir quase de maneira exata a trama do longa de Henry Hathaway (somente o final é realmente diferente), o novo Bravura Indômita é, em sua essência, um filme completamente diverso. Dotado de uma melancolia que parece impregnar cada plano, o western dos Coen é uma obra que se erige sobre a relação entre sua dupla de protagonistas: o adorável beberrão de Jeff Bridges (muito melhor no papel que Wayne, diga-se de passagem) e a contagiante Mattie Ross da genial Hailee Steinfeld. Ainda que sempre se deliciando com os estereótipos que representam, Bridges e Steinfeld (e também Matt Damon) conseguem ir além destes, e construir personagens densos e comoventes. É difícil não se encantar com o trôpego relacionamento entre eles, identificação que é fundamental para o êxito da mais bela sequência do filme, uma longa, insana e dolorosa cavalgada/caminhada. Emocionante.
Há quem argumente que Bravura Indômita tem pouco do cinema dos irmãos Coen. Discordo. Estão lá a violência repentina que resulta em imagens impactantes e o humor negro incorrigível da dupla, ainda que em doses menores. Goste-se ou não, Bravura Indômita é um filme de Ethan e Joel Coen do primeiro ao último segundo. Que bom.

segunda-feira, 21 de março de 2011



[cópia fiel]

Cópia Fiel
Copie Conforme, 2010
Abbas Kiarostami


O status de veracidade é algo muito valorizado pelo grande público quando vai ao cinema. Quem nunca se deparou com alguém dando maior valor a um filme por ser "baseado em fatos reais", ou, o que é mais forte ainda, por ser um documentário. Há mesmo quem acabe, inclusive, fazendo a diferenciação entre "filme" e "documentário", mesmo que sem refletir sobre o assunto, dotando o segundo de um grau maior de importância, por lidar com "imagens reais" e "pessoas reais". O cinema é feito de imagens em movimento, o que, por si só, já traz uma forte carga de realidade - mas um filme que se estrutura sobre o discurso do real acaba vendendo uma imagem de relevância que se torna quase incontornável e inquestionável.
Por isso, gosto bastante de obras que buscam borrar essa já tão tênue fronteira entre ficção e realidade. Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, é, nesse sentido, o melhor exemplo. Como classificar um filme como aquele? Uma história contada por quem a viveu é necessariamente mais "real" do que quando encenada por uma atriz? Até que ponto não vivemos, o tempo todo, encenando pequenas histórias? Bem, o filme de Coutinho é absolutamente fascinante, e uma experiência que deve ser vivida, principalmente por quem ainda teima em estabelecer hierarquias entre o que são, simplesmente, gêneros cinematográficos.
E tudo isso também vale para esse impressionante Cópia Fiel, do cineasta iraniano Abbas Kiarostami. A discussão é bem próxima à proposta por Coutinho: até que ponto uma história encenada é menos verdadeira que uma história real? Só que, como Kiarostami trabalha o tempo todo com um registro ficcional (ao contrário de Jogo de Cena, que era, a princípio, um documentário), a questão se torna ainda mais fascinante. A rigor, ali, só há encenação. E o que o diretor propõe é a passagem para a estrutura dramática de seu filme do debate intrínseco à narrativa, travado pela dupla de protagonistas, acerca da equidade entre o valor de uma obra de arte "original" e suas cópias. Assim, em determinado momento de Cópia Fiel, os personagens de Juliette Binoche e William Shimell, dois estranhos que acabaram de se conhecer, passam a agir como um casal que está junto há 15 anos e vivendo uma séria e dolorosa crise conjugal. São encarnações diferentes de personagens diversos que se sobrepõem. Ambas as "histórias" são ficcionais, são encenações de atores na frente de uma câmera. Entretanto, há por parte do espectador uma tendência a enxergar, seguindo a verossimilhança interna de uma narrativa fílmica, a primeira "versão" dos personagens como sendo original e a segunda como algum tipo de jogo estabelecido por eles. Mas por quê, se, novamente, o que temos diante dos olhos é, o tempo todo, um par de excepcionais atores interpretando personagens? E mais: se a segunda "versão" dos personagens é tão poderosa dramaticamente (muito mais que a "original"), por que deve ser considerada uma cópia, uma deformação que não se leva a sério, uma brincadeira? Afinal, sem essa força dramática, sem toda a dor passada por Binoche e Shimell em seus longos olhares silenciosos, Cópia Fiel provavelmente não seria o filme maravilhoso que é. Realidade e ficção, original e cópia, são, no fundo, todas partes de um mesmo e doloroso drama humano.