Ainda na adolescência, estive entre aqueles que não seguraram as lágrimas ao assistir Cidade dos Anjos, com Nicolas Cage e Meg Ryan. Já minha primeira impressão de Asas do Desejo, premiado drama de Wim Wenders no qual o choroso filme de Brad Silberling se inspirou, não foi muito boa: achei-o arrastado, cansativo, aborrecido. Nada que o tempo não resolvesse. Revistos alguns bons anos depois, Cidade dos Anjos se revelou uma bobagem sem tamanho, que beira o constrangimento, enquanto Asas do Desejo se transformou num dos filmes de minha vida. Como explicar?
Na verdade, Asas do Desejo e Cidade dos Anjos têm pouco em comum – talvez apenas a premissa de
que existem anjos que andam sobre a Terra zelando por seres humanos
angustiados, já que mesmo a história de amor contada por Wenders segue caminhos
bem distintos dos daquela protagonizada por Cage e Ryan. O filme alemão é uma
coleção de passagens belíssimas (a primeira sequência na biblioteca; o anjo
Bruno Ganz conduzindo a morte de um homem; a última apresentação da trapezista
no circo; as duas visitas de Ganz a uma boate; e, é claro, todo o epílogo, com
a concretização de sua história de amor), embaladas por uma narrativa carregada
de poesia. Wenders coloca na tela uma Berlim decadente, melancólica, povoada
por personagens desiludidos e emocionalmente em frangalhos – mas são justamente
essas mazelas que fascinam os anjos Ganz e Otto Sander, por serem parte constituinte da
humanidade que tanto almejam.
Nesse misto
de ode e olhar triste para a condição humana, Wenders compõe um pujante painel
de emoções que exala vida, no contraste com a existência etérea de seus anjos.
No fim das contas, nós, humanos, dotados de dores e sofrimentos decorrentes em boa medida da
inescapável vontade de não morrer, compreendemos o desejo desesperado do
protagonista de Asas do Desejo por mortalidade. Talvez, mais do que simplesmente
existir, seja da vida carnal, com seus pequenos e efêmeros prazeres, que não
queiramos nos despedir.
3 comentários:
Ainda não consigo definir qual meu Wenders do coração, se esse ou Paris, Texas. Mas são belas palavras para um filme que emana humanidade de todos os cantos, através de um trabalho de ambientação incrível do cineasta que põe em paralelo esses dois mundos. Se tudo parece muito arrastado é mais por uma atmosfera de melancolia e tristeza, e também de estilo do próprio Wenders. Mas o que me chama atenção é que é dessa lentidão que emana a vontade latente desse anjo em se tornar humano, e poder viver com as sensações. De fato, é um filme que marca.
Também adoro PARIS, TEXAS, Rafael, apesar de tê-lo assistido há muito tempo. Mas guardo a lembrança de um filme belíssimo.
Roger Ebert colocou esse entre os cem melhores de todos os tempos, confesso que preciso rever, mas a lembrança que eu tenho é de um filme único e belissimo.
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