[não me abandone jamais]
Never Let Me Go, 2010
Mark Romanek
"Vi coisas nas quais vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro no Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer." É com esse monólogo que o replicante interpretado por Rutger Hauer na obra-prima Blade Runner se despede da vida, diante de um atônito Harrison Ford, num dos momentos mais bonitos da história do cinema. Mas não seria estranho se essas palavras fossem ditas por algum personagem de Não Me Abandone Jamais. Inusitada mistura de drama de época e ficção-científica, o filme de Mark Romanek carrega nas tintas da melancolia para contar a história de um trio de jovens clones criados exclusivamente para doarem seus órgãos às pessoas "normais" - logo, seres dotados de uma vida limitada, com prazo determinado para terminar, assim como os personagens do clássico de Ridley Scott. É essa melancolia que embala toda a trajetória dos personagens de Não Me Abandone Jamais, figuras que em alguns momentos parecem ser tratadas com certa frieza por Romanek e pelo roteirista Alex Garland, ainda que defendidas com imenso talento por Carey Mulligan, Keira Knightley e Andrew Garfield (com imenso destaque para Mulligan e Garfield, duas das maiores revelações do cinema recente). Mas, se pensarmos bem, grande parte da força de Blade Runner estava justamente em seu clima também profundamente melancólico e na frieza de seus personagens, que atingia mesmo seu protagonista humano (será?). Nesse sentido, seguindo com a comparação entre os filmes, talvez a opção de Romanek pelo distanciamento em relação à história contada possa ser justificável. Ainda mais levando em conta o impacto causado exatamente pelo momento que destoa do resto da obra, em que ocorre uma dolorosa explosão de emoções de um determinado personagem. É quando qualquer resquício de frieza é eliminado, e temos certeza de que aqueles jovens, criações artificiais da ciência, não são em nada diferentes de qualquer ser humano, e que seus medos e angústias são, como bem define a narração em off que encerra Não Me Abandone Jamais, os mesmos que sentimos, todos. Somos também um pouco como Kathy, Tommy e Ruth; somos um pouco como Roy Batty: só desejamos um pouco mais de tempo, estejamos fadados a viver 4, 30 ou 90 anos.
4 comentários:
Bela análise do filme. Achei mto interessante como o filme utiliza o recurso do vento, sempre presente, como que significando como que as coisas se parecem passageiras, breves. Achei o "realismo fantástico" da obra fenomenal. Apesar da estranheza com relação à clonagem, é extremamente fácil de se identificar com os personagens. Parabéns pelo blog, Wallace!
Gosto muito dessa mistura inusitada de gêneros e especificidades narrativas, mas meu maior problema com o filme é que a todo momento ele apela para que sintamos peninha dos personagens, que ajudam fazendo cara de choro. Me surpreendi muito com a atuação do Garfield, mesmo que todos estejam muito bem em cena.
Olá, Gilliard. Interessante seu comentário, confesso que não me atentei para esse detalhe... obrigado pela visita!
Pois é, Rafael, o clima de excessiva tristeza também me incomodou num determinado momento, mas acho que a condição dos personagens, per se, já é muito trágica; logo, não há como não sofrermos por eles. E Garfield está espetacular mesmo, tão bom quanto em A REDE SOCIAL. Começo a acreditar que ele pode ser um bom Peter Parker...
Abraço!
Mais um belo texto, analítico e sensível sobre esse filme tão denso e tão triste que me deixou arrasado.
É dolorido, mas faz pensar sobre como a vida é efêmera, como tudo deve ser aproveitado intensamente. E o tempo corre e nem vemos: a vida se perde se não amarmos mais, se não aproveitarmos mesmo cada segundo dela.
O elenco é um máximo, e é triste observar a 'impotência' de seus personagens que nada fazem pra mudar a condição, diante da morte que virá...
E Garfiel é um bom ator! Aprecio muito ele!
Abraços!
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