



6- Desejo e Reparação






Hotel Atlântico, 2009
Suzana Amaral
Esse Hotel Atlântico é um bom road movie. A cineasta bissexta Suzana Amaral aposta na velha e batida fórmula do gênero, mas aqui com um protagonista partindo do nada para lugar nenhum, em busca de sabe-se lá o quê. Nesse sentido, o tom enigmático que Amaral dá a seu filme acaba sendo um ponto a favor deste, mesmo que não se possa dizer que suas escolhas são efetivamente originais - e se existem mesmo ecos de David Lynch, como muitos vêm dizendo, em Hotel Atlântico, talvez eles estejam na estranheza dos personagens que cruzam o caminho do protagonista e dos acontecimentos vividos por este, assim como na vagueza da narrativa, onde muito pouco é explicado.
O maior acerto do filme está, entretanto, no seu ator principal: Júlio Andrade está excelente, apresentando um sujeito ao mesmo tempo ameaçador, em sua aura misteriosa e imprevisível, e frágil, vítima de uma série de pequenos desastres que vão, pouco a pouco, deixando marcas no seu corpo - a partir de um certo momento, marcas literais. É graças a sua presença magnética que um personagem que poderia facilmente soar como frio, distante, gerando indiferença por parte do espectador, acaba produzindo justamente o efeito contrário: é difícil não se preocupar com o destino daquele ator ao assistir-se a Hotel Atlântico. Andrade conta ainda com a ajuda de um elenco de coadjuvantes de alta qualidade, que vai de João Miguel (o melhor deles, em uma participação pequena mas comovente) à saudosa Helena Ignez, e que reforçam o estranhamento causado pelo filme, adotando posturas de imprevisibilidade que parecem poder levar a narrativa para qualquer lado. E esse me parece ser um outro ponto positivo desse trabalho menor de Amaral, mas que tem lá seu valor em tempos de criatividade tão escassa no nosso cinema.
É bem verdade que, ao apostar em uma subtrama envolvendo um dos filhos do personagem de Evets, deixando de lado por um bom tempo as questões pessoais do protagonista e seus encontros com Cantona, Loach acaba comprometendo a força de seu filme. No entanto, é justamente essa subtrama que gera um dos momentos mais inspirados, ingênuos e empolgantes de À Procura de Eric, com um "exército" de Cantonas - ao mesmo tempo que provoca impacto, bem ao estilo do cinema de Loach, quando aborda a violência policial contra aquela família de trabalhadores. Assim, mesmo o que tinha tudo para dar errado, acaba gerando resultados positivos. À Procura de Eric acaba se revelando como uma experiência absolutamente adorável, envolvente e positiva (no sentido mais óbvio do termo, é um filme up mesmo). Tanto para cinéfilos como para fãs de futebol. Como me enquadro nos dois casos, adorei.
Lat den Rätte Komma In, 2008
Tomas Alfredson
Num momento em que toda uma geração parece estar sendo formada tendo como referência de história de vampiro a saga Crepúsculo (livros e filmes), é muito bom ver algo como esse Deixa Ela Entrar (queria poder dizer o mesmo para o sul-coreano Sede de Sangue, mas, infelizmente, a obra de Chan-Wook Park foi uma grande decepção). É impressionante como, ao tratar do envolvimento de uma vampira de 12 anos com um garoto da mesma idade (vividos por dois grandes jovens atores), o diretor Tomas Alfredson consegue fazer um filme mais adulto, mais violento, e mais sexualizado (algo essencial quando se tem esses seres em cena) do que a série de Stephenie Meyer. Alfredson impõe à Deixa Ela Entrar um clima pesado, melancólico, opressivo - bem sueco, na verdade - que delineia um tom trágico bastante propício a histórias de amor envolvendo um vampiro e um ser humano (Drácula, especialmente em sua maravilhosa versão para o cinema de Francis Ford Coppola, está aí para não me deixar mentir). E é isso que o filme é: uma belíssima e delicada história de amor. Não o amor emo de Crepúsculo, com adolescentes com hormônios em ebulição - mas estranhamente abstêmios - se envolvendo com vampiros góticos gente-boa que jogam baseball e não mordem ninguém. Mas sim um amor triste, dolorido, feito de silêncios e incompreensões, mas também de um enorme senso de dedicação mútua - algo que fica claro no epílogo de Deixa Ela Entrar. É um filme sobre a descoberta do amor, sobre a descoberta de como ele pode vir dos lugares mais inusitados, manifestando-se das formas mais inesperadas. E sobre como, a partir de um certo momento, essas diferenças passam a não ter a menor importância diante da força daquele sentimento, e a cumplicidade passa a reinar absoluta.
Intervenção Divina
Yadom Ilaheyya, 2002
Elia Suleiman
Mr. Vingança
Boksuneun Naui Geot / Sympathy for Mr. Vengeance, 2002
Chan-Wook Park
O Pântano
La Ciénaga, 2000
Lucrecia Martel
O Desafio
O Desafio, 1965
Paulo Cézar Saraceni
O Grupo Baader Meinhof
Der Baader Meinhof Komplex, 2008
Uli Edel
Memórias de um Assassino
Salinui Chueok / Memories of Murder, 2003
Bong Joon-Ho
Medos Privados em Lugares Públicos
Coeurs, 2006
Alain Resnais
Curtas:
La Jetée
La Jetée, 1962
Chris Marker
Carta a Freddy Buache
Lettre a Freddy Buache, 1982
Jean-Luc Godard
Cindy, the Doll is Mine
Cindy, the Doll is Mine, 2005
Bertrand Bonello
Elephant
Elephant, 1989
Alan Clarke
Noite e Neblina
Nuit et Bouillard, 1955
Alain Resnais
Besouro é um filme ruim. E, ao contrário do que muita gente poderia pensar, não é por causa de suas cenas de luta à lá Zhang Yimou - na verdade, estas, filmadas com competência por João Daniel Tikhomiroff, funcionam muito bem, e se revelam como a melhor coisa da obra. A questão é: até que ponto é válido para o cinema brasileiro dedicar-se a trabalhos destinados a publicos específicos, e mais, a públicos que professam determinadas crenças religiosas? Extendo aqui, então, o mesmo questionamento que deve ser feito sobre a validade de filmes como os do Padre Marcelo Rossi, ou o recente "cinema espírita" (preparem-se, vem aí o filme de Daniel Filho sobre Chico Xavier...), para a valorização do candomblé feita por Besouro. A priori, sou contrário a esse tipo de filme, mas parece-me inegável que, no caso da referida religião afro-brasileira, as coisas talvez possam mudar um pouco de figura: afinal, não deixa de ser prazeroso ver uma crença vítima de tantos preconceitos em toda a nossa história, e ainda hoje tão marginalizada (conta-se nos dedos as referências positivas feitas ao candomblé - e outras religiões afins - nos meios de comunicação brasileiros), ganhar espaço nas salas de cinema. Nesse sentido, essa uma transgressão levada à cabo por Besouro e que mereceria, à primeira vista, aplausos.
No entanto, e chego aqui ao segundo questionamento que me aflige, por que não ir além com esse comportamento transgressor? Por que contar uma história notadamente marginal, num formato absurdamente tradicional, optando por uma série de lugares-comuns (herói orgulhoso que aprenderá a controlar sua força para finalmente cumprir seu destino... heróico; mestre ancião cheio de sabedoria que insiste em aparecer, quase como um Obi-Wan Kenobi do recôncavo baiano, para esse herói; vilões caricatos, malvados até o último fio de cabelo; amigo enciumado que trai o herói; e por aí vai...) que irritam profundamente? Assim, um tema transgressor é sufocado por um formato extremamente tradicional, e acaba por se tornar, ele também, tradicional.