domingo, 17 de julho de 2011


[a última estação]

A Última Estação
The Last Station, 2009
Michael Hoffman


O que falta a A Última Estação é, provavelmente, a delicadeza de um José e Pilar. Assim como no belíssimo documentário do português Miguel Gonçalves Mendes, tem-se aqui uma narrativa que acompanha os momentos finais de um grande escritor da humanidade, com particular destaque para sua relação com sua esposa. No entanto, o diretor Michael Hoffman opta por construir um drama histórico extremamente tradicional, que busca a emoção fácil se mantendo sempre sob um certo verniz de nobreza - afinal, trata-se de um filme sobre Leon Tolstoi, protagonizado por atores respeitados. Tudo é bonitinho demais, redondinho demais, óbvio demais. Christopher Plummer e Helen Mirren estão ótimos (mereceram suas indicações ao Oscar), dando dignidade a seus personagens e força dramática à relação entre eles, mas a trama tem fragilidades que impedem que A Última Estação se torne um grande filme - o relacionamento dos desinteressantes personagens de James McAvoy e Kerry Condon empalidece diante da grandeza da história de amor e conflitos de Tolstoi e sua esposa, e a necessidade que o roteiro do próprio diretor tem de dar certo tom vilanesco para algumas figuras incomoda um pouco, por mais que, no caso do Chertkov de Paul Giamatti, a dubiedade de suas intenções permaneça por toda a narrativa. E a mão pesada e excessivamente acadêmica de Hoffman na direção também não ajuda. Sua vontade de fazer um filme "importante", um drama nobre e afeito às premiações acaba tornando tudo demasiadamente forçado, claramente calculado. É bom, é bonito, às vezes é até emocionante. Mas Tolstoi merecia algo muito melhor. Algo que, para começar, fosse falado em russo.

segunda-feira, 11 de julho de 2011


[rio]

Rio
Rio, 2011
Carlos Saldanha


Não é novidade alguma dizer que o Rio de Janeiro mostrado na animação Rio é carregado de estereótipos. Por mais que o diretor Carlos Saldanha seja brasileiro (e mais, carioca), seu olhar sobre sua cidade natal é tipicamente "de fora": o Rio de Saldanha é o Rio dos turistas, feito de samba, alegria e belezas naturais, é uma cidade exótica, onde todas as pessoas dançam e cantam o tempo inteiro - em perfeito contraste com a gélida e sóbria Minnessota da personagem Linda (dublada por Leslie Mann). Mas a grande questão é: a existência desse olhar é realmente um problema? Desconfio que, no caso de Rio, a resposta seja negativa. Cobrar realismo de um filme como esse me parece uma enorme insensatez. Seria o mesmo que cobrar fidelidade histórica de um A Era do Gelo, por exemplo. E é diferente do que ocorre com um filme como Orfeu Negro (1959), de Marcel Camus, onde o Rio de Janeiro no período do Carnaval era mostrado de forma bem semelhante ao que vemos em Rio, mas sob um verniz de seriedade, em uma obra, por sinal, premiadíssima (Palma de Ouro em Cannes e Oscar de filme estrangeiro). Além do mais, é inegável que a cidade que Saldanha filma é carregada de romantismo e idealização. Seu Rio de Janeiro é extremamente positivo, ainda que, como todos sabemos, irreal.
Na verdade, os problemas de Rio são outros. São problemas que, aliás, atingiram também outros filmes da Blue Sky, particularmente os da série A Era do Gelo. Me refiro aqui à trama bobinha, carregada de clichês, e aos personagens mal desenvolvidos. Por mais que o diretor consiga até certo ponto disfarçar essas falhas através do visual deslumbrante de seu filme, fica difícil não comparar seu trabalho com outras animações recentes, especialmente com os tão (justamente) elogiados longas da Pixar. E daí, diante da consistência das tramas de filmes como Wall-E, Up! e Toy Story 3 (só para ficar nos exemplos mais próximos) e da complexidade de seus personagens, não há magia da "Cidade Maravilhosa" que resista.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Meia-Noite em Paris



É também de momentos de mágica que é feito o cinema de Woody Allen. Verdade que há muito mais que isso em seus filmes, mas em boa parte deles o elemento sobrenatural aparece de alguma forma - e o que mais encanta é a maneira como Allen trabalha esse elemento, sem grandes estranhamentos, sem a necessidade de explicá-lo racionalmente, apenas inserindo-o na narrativa para justificar a história que quer contar (Não gostou? Vá procurar outro filme). Nesse quesito, Meia-Noite em Paris é um dos trabalhos mais inspirados do diretor.

Dessa vez Allen escala Owen Wilson para incorporar sua persona (que grande desempenho desse ator apenas mediano!), lançando-o (logo, lançando-se), inexplicavelmente, do século XXI à Paris dos anos 20, em meio a figuras como Ernest Hemingway, Pablo Picasso, Luis Buñuel, F. Scott Fitzgerald, Cole Porter, T.S. Eliot e Salvador Dali (este último, interpretado por Adrien Brody, em uma rápida mas impagável participação). Ao mesmo tempo que o diretor declara seu amor e admiração por todos esses grandes nomes das artes e também pela Cidade Luz, reflete sobre a necessidade humana de idealizar o passado, concebendo o presente sobre um olhar decadentista.

É norma que qualquer um que nutra alguma paixão por algum movimento artístico ou por algum período histórico alimente o desejo de realizar uma viagem como a do personagem de Wilson, para viver em meio àqueles que admira. Particularmente, vivo o paradoxo de sonhar com o convívio com personagens do passado - talvez a geração da Semana de Arte Moderna de 1922, talvez o grupo do Cinema Novo, na década de 1960, talvez os cineastas norte-americanos da Nova Hollywood, nos anos 70 - e ter a consciência, enquanto historiador, do quanto anacrônico é esse olhar que lançamos, hoje, sobre essas figuras. Allen (com quem, aliás, também adoraria conviver, ao menos na visão idealizada e romântica que tenho do diretor) demonstra ter plena consciência disso, apesar de não buscar em nenhum momento dessacralizar seus ídolos, que surgem como divertidas caricaturas de si mesmos, ou o período em que viveram. A Paris de 1920 continua mágica para o diretor - mas ela pertence àqueles que nela realmente habitaram.

Doce, contagiante e carregado de leveza, mas sem abrir mão de comentários políticos e existenciais caros a Allen, Meia-Noite em Paris é um dos melhores trabalhos do diretor nos últimos anos, que faria uma bela dobradinha com A Rosa Púrpura do Cairo (1985) - que toca em temas semelhantes sob uma chave bem parecida. 


Meia-Noite em Paris 
Midnight in Paris, 2011
Woody Allen

quinta-feira, 23 de junho de 2011


[vênus negra]

Vênus Negra
Vénus Noire, 2010
Abdellatif Kechiche


Vênus Negra não é um filme fácil de ser esquecido. Durante as quase 3 horas de duração de seu novo longa, Abdellatif Kechiche abusa de um naturalismo extremamente incômodo para retratar todo o sofrimento imposto à sua protagonista, Saartjie Baartman (interpretada pela magnífica Yahima Torres). E não há como sair incólume diante do que é mostrado.
Estamos no início do século XIX, e o olhar lançado pelos europeus aos aficanos é de plena discriminação. Saartjie é exibida em um circo como um animal por seu patrão (vivido pelo também excelente Andre Jacobs), reforçando no público londrino e parisiense a imagem estereotipada de exotismo e selvageria que se possuía da África. Mas ele não é o único a tratá-la como um ser inferior: quando um grupo de homens busca denunciá-lo, levando-o a julgamento, há por trás desta atitude todo um olhar paternalista, de proteção a uma mulher que aqueles julgam ser ignorante e indefesa; assim como quando Saartjie se transforma em objeto da Ciência, o que há ali é claramente uma postura carregada de racismo, típica do conhecimento pretensamente científico do período. É lógico, no entanto, que é quando a personagem se torna atração em festas da alta sociedade francesa, sob o comando do assustador personagem de Olivier Gourmet, que todo o horror daquela situação vem definitivamente à tona. A trajetória de Saartjie é toda terrível, mas são esses momentos que ocupam a última parte do filme de Kechiche os maiores responsáveis pelo clima de velório que permanece após seu fim. Talvez porque o diretor tunisiano consiga - ao mesmo tempo que coloca na tela de forma palpável uma visão de mundo de um determinado período histórico - nos fazer sentir um pouco culpados por tudo aquilo (até mesmo por conta do papel que assumimos, de co-espectadores dos "espetáculos" de Saartjie). Para além do filme histórico, Vênus Negra é um apavorante retrato da sordidez humana.

sábado, 11 de junho de 2011

X-Men: Primeira Classe



Quando assisti X-Men: O Confronto Final, em 2006, tive a sensação de ver diante de mim a morte de uma franquia que tinha sido, até então, brilhante. Não que o longa de Brett Ratner fosse ruim - não era, há inclusive alguns grandes acertos nele -, mas na comparação com a complexidade do universo apresentado por Bryan Singer no ótimo X-Men - O Filme e na obra-prima X-Men 2, O Confronto Final parecia apenas um encerramento confuso e apressado para a saga dos mutantes no cinema. Bem, depois veio a bomba X-Men Origens: Wolverine, e a certeza de que a fonte secara era inevitável. E eis que vem de Matthew Vaughn, o sujeito que iria primeiramente dirigir X-Men: O Confronto Final, essa agradabilíssima surpresa chamada X-Men: Primeira Classe.

O grande mérito de Vaughn está justamente em não cair nos erros cometidos nos dois últimos filmes da série. Em primeiro lugar, traz de volta para o centro da narrativa o debate sobre preconceito e auto-aceitação, apresentando-o novamente com a seriedade vista nos filmes de Singer. Nesse sentido, o fato de X-Men: Primeira Classe ser um longa de ação se torna um mero detalhe - o que realmente importa nele são as reflexões propostas por seu diretor e roteiristas, algo que nunca esteve perto de acontecer no acéfalo Wolverine, por exemplo. Além disso, e o que talvez seja ainda mais importante (já que o debate sobre preconceito estivera presente em O Confronto Final, e mesmo assim o filme era uma bagunça), Vaughn demonstra um enorme cuidado no tratamento dado a seus personagens. Não há pressa em apresentá-los e desenvolvê-los, o que torna o drama de cada um deles - dos protagonistas Charles Xavier e Erik Lensheer a coadjuvantes como Mística e Fera - palpável, verossímil. E esse cuidado abre espaço para que alguns dos atores entreguem desempenhos excepcionais. Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult e Kevin Bacon estão ótimos, mas são mesmo James McAvoy e Michael Fassbender que dão um show à parte - especialmente o segundo, que compõe um personagem cheio de nuances, um homem dotado de grande nobreza, mas ao mesmo tempo movido por seu desejo de vingança (sentimento que, aliás, gera algumas das melhores sequências do filme, como a que se passa na Argentina e o confronto final de Erik com seu antagonista). O mérito de McAvoy e Fassbender aqui é duplo: conseguem nos fazer crer que os personagens aos quais dão vida são aqueles que, no futuro, se tornarão os vividos por Patrick Stewart e Ian McKellen nos primeiros filmes da franquia; e conseguem, por outro lado, dar vida própria, independente, aos seus Charles Xavier e Erik Lensheer.

Vida própria, aliás, é um bom termo para definir Primeira Classe, e encaixá-lo na saga dos X-Men no cinema. É um filme que retoma a qualidade perdida dos dois primeiros longas, que bebe do universo criado por Bryan Singer, mas que, no fim das contas, só funciona tão bem por ser capaz também de criar um universo que é seu, de construir personagens e situações que são fortes naquela narrativa, independentemente de qualquer outro filme. Primeira conclusão disso tudo: Matthew Vaughn deveria ter dirigido X-Men: O Confronto Final. Segunda conclusão disso tudo: nunca é tarde para acertar.


X-Men: Primeira Classe 
X-Men: First Class, 2011
Matthew Vaughn

terça-feira, 31 de maio de 2011

Asas do Desejo



Ainda na adolescência, estive entre aqueles que não seguraram as lágrimas ao assistir Cidade dos Anjos, com Nicolas Cage e Meg Ryan. Já minha primeira impressão de Asas do Desejo, premiado drama de Wim Wenders no qual o choroso filme de Brad Silberling se inspirou, não foi muito boa: achei-o arrastado, cansativo, aborrecido. Nada que o tempo não resolvesse. Revistos alguns bons anos depois, Cidade dos Anjos se revelou uma bobagem sem tamanho, que beira o constrangimento, enquanto Asas do Desejo se transformou num dos filmes de minha vida. Como explicar?

Na verdade, Asas do Desejo e Cidade dos Anjos têm pouco em comum – talvez apenas a premissa de que existem anjos que andam sobre a Terra zelando por seres humanos angustiados, já que mesmo a história de amor contada por Wenders segue caminhos bem distintos dos daquela protagonizada por Cage e Ryan. O filme alemão é uma coleção de passagens belíssimas (a primeira sequência na biblioteca; o anjo Bruno Ganz conduzindo a morte de um homem; a última apresentação da trapezista no circo; as duas visitas de Ganz a uma boate; e, é claro, todo o epílogo, com a concretização de sua história de amor), embaladas por uma narrativa carregada de poesia. Wenders coloca na tela uma Berlim decadente, melancólica, povoada por personagens desiludidos e emocionalmente em frangalhos – mas são justamente essas mazelas que fascinam os anjos Ganz e Otto Sander, por serem parte constituinte da humanidade que tanto almejam.

Nesse misto de ode e olhar triste para a condição humana, Wenders compõe um pujante painel de emoções que exala vida, no contraste com a existência etérea de seus anjos. No fim das contas, nós, humanos, dotados de dores e sofrimentos decorrentes em boa medida da inescapável vontade de não morrer, compreendemos o desejo desesperado do protagonista de Asas do Desejo por mortalidade. Talvez, mais do que simplesmente existir, seja da vida carnal, com seus pequenos e efêmeros prazeres, que não queiramos nos despedir. 


Asas do Desejo 
Wings of Desire / Der Himmel über Berlin, 1987
Wim Wenders

terça-feira, 24 de maio de 2011


[o vencedor]

O Vencedor
The Fighter, 2010
David O. Russell


Passei grande parte da primeira metade de O Vencedor com um nó na garganta. Ver o personagem miserável de Mark Wahlberg sofrer nas mãos de sua família, composta por figuras tão ou mais miseráveis que ele, é uma tarefa árdua. E mais doloroso ainda é acompanhar o relacionamento destrutivo entre Wahlberg e seu irmão interpretado por um assombroso Christian Bale. Há tanto amor entre os dois, tanto carinho, e mesmo assim o resultado desses encontros não passa de uma sucessão de desastres, que servem para afundá-los ainda mais em sua miséria sem fim. Ecos de Touro Indomável? Elogio maior não poderia ser feito ao filme de David O. Russell, que é, de fato, uma gratíssima surpresa. Para além de todos os clichês de um aparente legítimo representante do gênero "história de superação", O Vencedor é um filme sobre pessoas que se amam desesperadamente, mas que não são capazes de transformar esse amor em algo construtivo. O Dick Eklund de Bale é o exemplo máximo disso: ex-grande promessa do boxe, ex-"orgulho de Lowell", o personagem é dono de um carisma absurdo e de uma intensidade contagiante; mas deixar-se seduzir por ele significa ir com ele para o buraco. Eklund não passa, no momento em que o encontramos no filme, de um viciado em crack que destrói tudo e todos a seu redor, simplesmente porque é alguém adorável demais para ser odiado ou abandonado. É claro que para nós, espectadores, que não conhecemos o verdadeiro Dick Eklund, resta a caracterização de Christian Bale. E como o ator entrega aqui aquele que é, de longe, o melhor desempenho de sua carreira (e, voltando a lembrar de Touro Indomável, um desempenho talvez comparável ao de De Niro na obra-prima de Scorsese), entendemos direitinho o porquê do amor incondicional que todas aquelas figuras grotescas (e verdadeiras, por conseguinte), nutrem pelo não menos grotesco Eklund.
Quando O. Russell mira sua câmera para o turbilhão de emoções que envolve seus personagens, para as dolorosas discussões familiares e as tentativas de manutenção do controle pela matriarca Melissa Leo (outra atuação fabulosa), para o amor redentor entre os personagens de Wahlberg e Amy Adams, para os rostos marcados pelo sofrimento da popualção de Lowell, o diretor fica bem próximo de realizar uma obra-prima. O problema é que há o boxe na história. E a abordagem para a trajetória esportiva de Micky War segue a cartilha do "drama esportivo com mensagem edificante". Sai de cena Touro Indomável, e entra Rocky. E daí O Vencedor cai bastante em qualidade. Ou seja, o que temos aqui é um filme de boxe mediano, e um poderoso drama familiar.