O primeiro dia da minha breve passagem pelo Festival do Rio 2013 foi marcado por um bom filme policial vindo de Hong Kong (Blind Detective, de Johnnie To) e por dois potenciais candidatos ao próximo Oscar que estão em polos dramatúrgicos opostos: o delicado Nebraska, de Alexander Payne, e o grandioso e choroso O Mordomo da Casa Branca, de Lee Daniels.
O novo longa de To, responsável pelas obras-primas Eleição e Eleição 2, é um tanto surpreendente pela aposta num tom exageradamente cômico. A cegueira do protagonista vivido por Andy Lau e sua relação atabalhoada com a personagem de Sammi Chang rendem cenas de inusitado humor físico, que nem sempre funciona. Mas o saldo final de Blind Detective é positivo. Como grande diretor que é, To cria alguns momentos memoráveis em seu filme (a sequência na casa do serial killer, as reconstituições dos crimes investigados, as conversas imaginárias com as vítimas) e faz a brilhante escolha de transportar para o centro da narrativa o lado comilão do personagem de Lau: mais que uma excentricidade sem importância, o amor que o sujeito nutre por comida é fundamental para o êxito de seu trabalho. Blind Detective pode não ser excepcional como outros longas do diretor, mas ninguém pode acusar To de não se arriscar.
Já Alexander Payne se arrisca muito pouco em Nebraska, filme que guarda semelhanças temáticas com outros trabalhos seus, como As Confissões de Schmidt e principalmente o recente Os Descendentes, também uma história de reencontro afetivo de uma família. Nada que impeça Payne de esbanjar sua delicadeza costumeira, arrancar risos francos (graças especialmente à ótima June Squibb) e presentear o público com uma belíssima interpretação de Bruce Dern. É difícil não se emocionar com o olhar perdido e andar arquejado do personagem de Dern, elementos que compõem uma figura decadente que, na verdade, nunca foi realmente grande. Payne dosa bem essa melancolia inerente à decadência com um certo otimismo no poder de reaproximação daqueles que se amam (mesmo sem saber de tal amor), o que rende a Nebraska, como rendia a Os Descendentes, um belo final.
Por fim, O Mordomo da Casa Branca é um lamentável olhar de Lee Daniels, supostamente um representante do novo cinema negro norte-americano, sobre a história recente de seu país. Ao narrar a vida de Cecil Gaines (Forest Whitaker), mordomo negro que trabalhou por 34 anos na sede do poder executivo dos Estados Unidos, Daniels aposta numa narrativa triunfalista, de exaltação do americano comum que via com olhos de desconfiança a rebeldia da juventude da década de 1960. Não deixa de ser estranho, por isso, que o diretor dedique seu filme àqueles que lutaram pelos direitos civis dos negros, após passar mais de duas horas creditando à Gaines, com sua postura conciliadora, o posto de verdadeiro revolucionário. Daniels não parece, no fim das contas, saber exatamente o que pretende com O Mordomo da Casa Branca. O resultado é um drama burocrático, episódico e cansativo, que, ao fazer elegias ao seu protagonista, esvazia politicamente uma narrativa que deveria ser, sobretudo, sobre a política.
Man Tam, 2013
Johnnie To
Nebraska, 2013
Alexander Payne
Lee Daniels' The Butler, 2013
Lee Daniels
Nenhum comentário:
Postar um comentário