quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Lá e de volta outra vez



Quanto valem dez anos? Uma vida de cinefilia construída - com muitas lacunas - a partir do encantamento diante de um simples filme se reencontra agora com o universo responsável por seu início, através das versões estendidas das três partes de O Senhor dos Anéis e do lançamento nos cinemas de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada.

O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, assistido no dia 1 de janeiro de 2002, redefiniu meus gostos para cinema: de espectador ocasional de blockbusters norte-americanos, passei a interessado no fazer cinematográfico, na história dessa arte e, claro, nos mais diversos tipos de filmes. E tudo por causa do maldito Peter Jackson e sua belíssima trilogia. Só consigo precisar o que tanto me encantara no trabalho de Jackson ao revê-lo mais uma vez: sua capacidade de conduzir com firmeza uma história tão longa, tão cheia de personagens e paisagens, quase um road movie mitológico; o irresistível senso de aventura que permeia a jornada de Frodo e Sam à Montanha da Perdição, sem jamais perder de vista os riscos que os personagens correm, a chance real de fracasso em sua missão (a morte de Boromir, um dos componentes da sociedade do anel, nesse primeiro filme, acentua a sensação de que nenhum daqueles sujeitos que aprendemos a amar está realmente seguro); mas, sobretudo, o cuidado no desenvolvimento dos personagens, a noção exata do equilíbrio entre a grandiosidade da trama e dos cenários e os dramas individuais de cada figura que surge na tela. Havia em A Sociedade do Anel uma estranha sensação de trabalho artesanal, mesmo com a presença massiva de efeitos especiais - sensação que, em boa medida, se estende aos dois filmes seguintes, As Duas Torres e O Retorno do Rei, ainda que diminuída pelo aumento considerável da escala de suas respectivas narrativas.

As versões estendidas acabam realçando, involuntariamente, outro mérito de Jackson: seu belo trabalho no corte de O Senhor dos Anéis, montando uma obra coesa como um todo e em cada uma de suas partes, sem sobras e sem deixar de fora algo que realmente faça falta. É claro que, para o aficcionado pelo universo de Tolkien, certas sequências são um prazer à parte: os presentes de Galadriel em A Sociedade do Anel, o flashback com Boromir e Faramir em As Duas Torres, o fim de Saruman e o confronto entre Gandalf e o Rei Bruxo de Angmar em O Retorno do Rei, por exemplo, são momentos que poderiam (e talvez até deveriam) entrar nas versões que foram para os cinemas no início da década passada. No entanto, parece inegável que, sem eles, os três filmes continuam a funcionar magnificamente, enquanto há muitas outras cenas e sequências presentes nas versões estendidas que mereceram ser deixadas de lado na sala de montagem (as tentativas de fazer graça com Gimli na passagem das Sendas dos Mortos em O Retorno do Rei, por exemplo, são de gosto um tanto duvidoso).


É curioso notar, por isso, que O Hobbit: Uma Jornada Inesperada falhe justamente em alguns dos pontos que tornaram O Senhor dos Anéis tão bom. Em primeiro lugar, há um problema que parece ter sido criado exclusivamente pela megalomania de Peter Jackson: a decisão de transformar o livro O Hobbit, de Tolkien, que não chega a ter 300 páginas, em três longos filmes. O material original traz uma história um tanto simples, com um clima bem mais leve que o de O Senhor dos Anéis, e que poderia ser contada, sem grandes problemas, num longa de três horas de duração. Mas como o Peter Jackson pós-O Retorno do Rei é um cineasta com imensa dificuldade de cortar gorduras de seus filmes (vide King Kong e Um Olhar do Paraíso) - e como os executivos da Warner, da New Line e da MGM devem estar alucinados com a possibilidade de faturar montanhas de dinheiro com uma nova trilogia passada na Terra-Média -, cá estamos diante do primeiro terço de "O Hobbit".

Outro pecado do filme está no desequilíbrio entre o tom excessivamente grandioso de sua narrativa e o pouco cuidado demonstrado com seus personagens. Jackson parece acreditar que basta trazer de volta figuras facilmente identificáveis pelo público para garantir o envolvimento emocional deste (afinal, como resistir ao Gandalf de Ian McKellen ou ao Gollum de Andy Serkis?), o que não é verdade. Como muitos já vêm apontando, os anões de O Hobbit são um problema por sua falta de personalidade própria (exceção feita ao magnético Thorin Escudo de Carvalho, interpretado por Richard Armitage), o que em nada lembra a competência com que o diretor marcou as características de cada membro da sociedade do anel em O Senhor dos Anéis. Assim, sobram no filme paisagens deslumbrantes e grandes sequências de ação, mas faltam personagens verdadeiramente memoráveis; a sensação de trabalho artesanal, tão forte na trilogia original, aparece pouco aqui.

Como fã do universo de Tolkien, e também pelo fato de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada ser, no fim das contas, um bom filme, tomo esse reencontro com Peter Jackson e a Terra-Média, pouco mais de dez anos depois de ter assistido ao primeiro O Senhor dos Anéis e de ter começado a enxergar o cinema de outra forma, como positivo. Mas não sem uma pontinha de decepção.



O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel - Versão Estendida 
The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring - Extended Version, 2001
Peter Jackson

O Senhor dos Anéis: As Duas Torres - Versão Estendida 
The Lord of the Rings: The Two Towers - Extended Version, 2002
Peter Jackson

O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei - Versão Estendida 
The Lord of the Rings: The Return of the King - Extended Version, 2003
Peter Jackson

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada 
The Hobbit: An Unexpected Journey, 2012
Peter Jackson

5 comentários:

Anônimo disse...

Jamais deveríamos colocar expectativa em torno de O HOBBIT. Devíamos aguardar por uma aventura genuína (que de fato é), mas esquecer da qualidade dramática e entrelinhas que permeavam a trilogia O SENHOR DOS ANÉIS. É difícil, mas o único jeito de absorver a qualidade deste novo Peter Jackson, disposto a entreter - e tão somente entreter.
Um abraço!

Wallace Andrioli Guedes disse...

Como o próprio Jackson se esforça o tempo todo para aproximar O Hobbit da trilogia O Senhor dos Anéis, acho a comparação válida. Mas reitero que gosto desse novo filme, concordo que seja uma aventura genuína - sensação que aumentou na revisão. Me incomodam apenas os excessos do diretor, sua dificuldade de cortar coisas que, apesar de bem feitas, não fariam falta ao filme, tornando-o mais enxuto.

Anônimo disse...

De fato essa falta de identificação com os anões são um problema, talvez o maior, juntamente com o desnecessário Radagast. Espero que eles sejam melhor desenvolvidos nos próximos...

De qq forma, gostei muito mais do que eu esperava que fosse gostar...

Thiago Stering disse...

Concordo com pouca identificação com os anões, mas entendo que, ao mesmo tempo, seria muito difícil desenvolver personalidade própria a cada um dos 13 anões. O filme seria absurdamente grande se Jackson marcasse as características de cada um como o fez em O Senhor dos Anéis.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Entendo sua colocação, Thiago, mas ainda assim acho que esse é um problema do filme. Por outro lado, não é algo que me incomode muito, gosto do resultado geral dessa adaptação do primeiro terço de "O Hobbit".
Abraço, meu amigo!