É também de momentos de mágica que é feito o cinema de Woody Allen. Verdade que há muito mais que isso em seus filmes, mas em boa parte deles o elemento sobrenatural aparece de alguma forma - e o que mais encanta é a maneira como Allen trabalha esse elemento, sem grandes estranhamentos, sem a necessidade de explicá-lo racionalmente, apenas inserindo-o na narrativa para justificar a história que quer contar (Não gostou? Vá procurar outro filme). Nesse quesito, Meia-Noite em Paris é um dos trabalhos mais inspirados do diretor.
Dessa vez Allen escala Owen Wilson para incorporar sua persona (que grande desempenho desse ator apenas mediano!), lançando-o (logo, lançando-se), inexplicavelmente, do século XXI à Paris dos anos 20, em meio a figuras como Ernest Hemingway, Pablo Picasso, Luis Buñuel, F. Scott Fitzgerald, Cole Porter, T.S. Eliot e Salvador Dali (este último, interpretado por Adrien Brody, em uma rápida mas impagável participação). Ao mesmo tempo que o diretor declara seu amor e admiração por todos esses grandes nomes das artes e também pela Cidade Luz, reflete sobre a necessidade humana de idealizar o passado, concebendo o presente sobre um olhar decadentista.
É norma que qualquer um que nutra alguma paixão por algum movimento artístico ou por algum período histórico alimente o desejo de realizar uma viagem como a do personagem de Wilson, para viver em meio àqueles que admira. Particularmente, vivo o paradoxo de sonhar com o convívio com personagens do passado - talvez a geração da Semana de Arte Moderna de 1922, talvez o grupo do Cinema Novo, na década de 1960, talvez os cineastas norte-americanos da Nova Hollywood, nos anos 70 - e ter a consciência, enquanto historiador, do quanto anacrônico é esse olhar que lançamos, hoje, sobre essas figuras. Allen (com quem, aliás, também adoraria conviver, ao menos na visão idealizada e romântica que tenho do diretor) demonstra ter plena consciência disso, apesar de não buscar em nenhum momento dessacralizar seus ídolos, que surgem como divertidas caricaturas de si mesmos, ou o período em que viveram. A Paris de 1920 continua mágica para o diretor - mas ela pertence àqueles que nela realmente habitaram.
Doce, contagiante e carregado de leveza, mas sem abrir mão de comentários políticos e existenciais caros a Allen, Meia-Noite em Paris é um dos melhores trabalhos do diretor nos últimos anos, que faria uma bela dobradinha com A Rosa Púrpura do Cairo (1985) - que toca em temas semelhantes sob uma chave bem parecida.
Doce, contagiante e carregado de leveza, mas sem abrir mão de comentários políticos e existenciais caros a Allen, Meia-Noite em Paris é um dos melhores trabalhos do diretor nos últimos anos, que faria uma bela dobradinha com A Rosa Púrpura do Cairo (1985) - que toca em temas semelhantes sob uma chave bem parecida.
4 comentários:
O que mais me chama atenção no filme é que, por mais que haja uma visão nostálgica e valorosa de um passado áureo, me parece que existe uma bela defesa do tempo presente ali. Gil vai perceber lá no final do filme que o tempo a que ele pertence é o presente, onde ele nasceu, se criou, se formou enquanto pessoa, formou sua consciência e teve suas experiências. Não dá para fugir disso, negar o passado, mas mesmo assim é possível encontrar inspiração nele para continuar criando no presente. O filme é gracioso do início ao fim.
Assino embaixo, Rafael.
O filme faz dobradinha com o "Todos dizem eu te amo" também, no qual o diretor permanece fazendo referências às suas predileções na arte (e Paris está incluída nisto). Penso, ainda, que o T. S. Eliot não é só um personagem desse filme, mas também um pensamento moderno que é recuperado, já que o crítico e poeta insistiu em afirmar que o passado está no presente, como também o fez Woody Allen na cena final.
Pois é, moça, "Meia-Noite em Paris" retoma a mágica e romantismo de alguns filmes do Allen, e "Todos Dizem Eu te Amo" está entre eles (até por também ter Paris como um de seus cenários).
Quanto às referências, elas ficam e indo e vindo em sua filmografia mesmo: num certo sentido, os filmes de Allen são todos bem parecidos, seu amor pela arte, pelo cinema de Bergman, por Dostoievski, pelos irmãos Marx, seu posicionamento político de esquerda, seu ceticismo, neuroses e medo da morte estão sempre lá, em maior ou menor medidas. São características que definem o que é um filme de Woody Allen, que construíram o universo desse autor que, particularmente, considero brilhante (como você bem sabe).
Por fim, a reflexão feita pelo diretor sobre o papel do passado no presente é bem madura, ainda que construída com enorme leveza. É um dos grandes achados de "Meia-Noite em Paris"...
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