[de volta ao cálice]
Durante minha pesquisa de mestrado, sobre o filme Macunaíma, me deparei com algumas histórias curiosas da censura cinematográfica no Brasil. Uma delas, em especial, chamou minha atenção, não só por envolver diretamente meu objeto, mas também por seu conteúdo um tanto inusitado: Joaquim Pedro de Andrade, diretor de Macunaíma, relatando para o crítico e cineasta Alex Viany sobre como driblou os censores para lançar nos cinemas seu filme mais célebre. Nesse relato, Joaquim Pedro destaca que todos os comentários políticos (alegóricos) contidos em seu filme passaram despercebidos pela Censura, mas o mesmo não ocorreu com as cenas de nudez e sexo. O diretor negociou pessoalmente com um militar de alta patente, conhecido de sua família, e conseguiu a liberação mediante alguns cortes - justamente destas cenas. A história da censura cinematográfica em nosso país está cheia dessas quase anedotas, que explicitam o moralismo tacanho no qual estamos mergulhados.
Macunaíma é de 1969. Lá se vão mais de 40 anos, e, hoje, não existe mais censura à produção cultural no Brasil - o que existe é a classificação etária indicativa. Ou seja, não se proíbe mais a exibição de filmes no país, ou se exige que se façam cortes; o que cabe à justiça brasileira hoje é simplesmente determinar para qual faixa etária um determinado filme pode ser exibido. Bem, então o que explica o caso de A Serbian Film, o já famoso thriller sérvio que teve sua exibição proibida recentemente no Rio de Janeiro? Ah, essa é fácil: é o bom e velho moralismo de volta, meus queridos! Num país em que um juiz evangélico decide, a bel prazer, contrariar uma decisão da instância máxima do Poder Judiciário simplesmente porque acha que o homossexualismo é errado, é claro que uma outra juíza pode dar a si própria o papel de censora e amparar um pedido de proibição de exibição de um filme - pedido, aliás, feito pelo glorioso partido Democratas (DEM), aquele mesmo, que tem entre seus membros ilustres alguns velhos partícipes da Ditadura Civil-Militar. Sim, são eles, prontos para encampar uma nova "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" para defender a família brasileira (que porra é essa?!) e os bons costumes. É lógico que a estratégia de tentar censurar A Serbian Film será um tiro n'água: a curiosidade em torno do filme só aumenta, e o número de pessoas que o assistirão será inevitavelmente maior do que seria caso nada disso tivesse acontecido, mas eu até entendo o DEM. Talvez faça parte de uma certa demarcação de território do partido, cada vez mais enfraquecido, uma tentativa de se aproximar de vez dos setores ultra-conservadores de nossa sociedade.
Não sei se A Serbian Film é um bom filme. Já li elogios rasgados, mas há também quem não veja nele nada demais. Talvez seja simplesmente um filme apelativo (assim como O Albergue e Jogos Mortais o são), talvez seja uma obra cinematográfica magnífica. Mas isso, agora, não importa realmente. O que importa mesmo são os caminhos perigosos pelos quais estamos trilhando. Além do mais, se nem o povo do DEM, nem seus advogados e nem a juíza que acatou a ação assistiram ao filme, eu também tenho o direito de vir aqui dar minha opinião. Foi-se o tempo em que os censores ao menos conheciam diretamente o que deveriam proibir...
2 comentários:
E depois desse barulho todo, hoje saiu a classificação do filme para 18 anos, mas ainda proibido no Rio de Janeiro. Ou seja, alguém achou melhor rever suas decisões.
Não vi o filme, mas digo uma coisa: não importa se o filme é bom ou ruim, acho totalmente ridícula essa questão da censura. Parece a volta da ditadura militar. E tem tanta coisa importante para esses deputados se preocuparem, né? Francamente...
Beijos! ;)
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