segunda-feira, 21 de março de 2011



[cópia fiel]

Cópia Fiel
Copie Conforme, 2010
Abbas Kiarostami


O status de veracidade é algo muito valorizado pelo grande público quando vai ao cinema. Quem nunca se deparou com alguém dando maior valor a um filme por ser "baseado em fatos reais", ou, o que é mais forte ainda, por ser um documentário. Há mesmo quem acabe, inclusive, fazendo a diferenciação entre "filme" e "documentário", mesmo que sem refletir sobre o assunto, dotando o segundo de um grau maior de importância, por lidar com "imagens reais" e "pessoas reais". O cinema é feito de imagens em movimento, o que, por si só, já traz uma forte carga de realidade - mas um filme que se estrutura sobre o discurso do real acaba vendendo uma imagem de relevância que se torna quase incontornável e inquestionável.
Por isso, gosto bastante de obras que buscam borrar essa já tão tênue fronteira entre ficção e realidade. Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, é, nesse sentido, o melhor exemplo. Como classificar um filme como aquele? Uma história contada por quem a viveu é necessariamente mais "real" do que quando encenada por uma atriz? Até que ponto não vivemos, o tempo todo, encenando pequenas histórias? Bem, o filme de Coutinho é absolutamente fascinante, e uma experiência que deve ser vivida, principalmente por quem ainda teima em estabelecer hierarquias entre o que são, simplesmente, gêneros cinematográficos.
E tudo isso também vale para esse impressionante Cópia Fiel, do cineasta iraniano Abbas Kiarostami. A discussão é bem próxima à proposta por Coutinho: até que ponto uma história encenada é menos verdadeira que uma história real? Só que, como Kiarostami trabalha o tempo todo com um registro ficcional (ao contrário de Jogo de Cena, que era, a princípio, um documentário), a questão se torna ainda mais fascinante. A rigor, ali, só há encenação. E o que o diretor propõe é a passagem para a estrutura dramática de seu filme do debate intrínseco à narrativa, travado pela dupla de protagonistas, acerca da equidade entre o valor de uma obra de arte "original" e suas cópias. Assim, em determinado momento de Cópia Fiel, os personagens de Juliette Binoche e William Shimell, dois estranhos que acabaram de se conhecer, passam a agir como um casal que está junto há 15 anos e vivendo uma séria e dolorosa crise conjugal. São encarnações diferentes de personagens diversos que se sobrepõem. Ambas as "histórias" são ficcionais, são encenações de atores na frente de uma câmera. Entretanto, há por parte do espectador uma tendência a enxergar, seguindo a verossimilhança interna de uma narrativa fílmica, a primeira "versão" dos personagens como sendo original e a segunda como algum tipo de jogo estabelecido por eles. Mas por quê, se, novamente, o que temos diante dos olhos é, o tempo todo, um par de excepcionais atores interpretando personagens? E mais: se a segunda "versão" dos personagens é tão poderosa dramaticamente (muito mais que a "original"), por que deve ser considerada uma cópia, uma deformação que não se leva a sério, uma brincadeira? Afinal, sem essa força dramática, sem toda a dor passada por Binoche e Shimell em seus longos olhares silenciosos, Cópia Fiel provavelmente não seria o filme maravilhoso que é. Realidade e ficção, original e cópia, são, no fundo, todas partes de um mesmo e doloroso drama humano.

3 comentários:

Mayara Bastos disse...

Estou muito curiosa para assistir, ainda mais por ter Juliette Binoche, uma atriz simpática e muito versátil. Adoro ela! ;)

Anônimo disse...

Tô doida para conferir este filme, especialmente por causa da elogiada atuação da Juliette Binoche.

Rafael Carvalho disse...

Esse eu vou esperar estrear nos cinemas aqui de Salvador, por mais que a espera possa ser grande. Kiarostami e Binoche merecem.