Sabe aquele filme "quadrado", totalmente tradicional, sem um pingo de ousadia, baseado em uma história real ou em alguma grande obra literária e que costuma ser taxado de "filme de Oscar"? Já vimos muitos nesse estilo nos últimos anos, certo? Especialmente provenientes da Inglaterra: Retorno a Howard's End, Vestígios do Dia, Razão e Sensibilidade, O Paciente Inglês, A Rainha, O Leitor... mesmo alguns exemplares um pouco mais corajosos, na temática ou na construção narrativa, poderiam ser citados aqui, como As Horas e Desejo e Reparação. Todos eles carregam uma certa aura de "filme nobre". Pois então, O Discurso do Rei, subitamente alçado ao posto de favorito a vencer os principais prêmios do Oscar 2011, é mais um exemplar perfeito disto.
O filme de Tom Hooper é tão milimetricamente calculado para funcionar como um relógio, para emocionar sem soar melodramático, que chega a irritar. Mas acaba realmente funcionando. É bonito, tem um elenco inspirado (comandado por um Colin Firth estupendo, no melhor desempenho de sua carreira), passa uma mensagem positiva que não soa forçada e não incomoda e consegue trafegar pelo universo da nobreza - potencialmente grandioso - sem apelar para um tom épico, permanecendo no pequeno, no olhar intimista sobre seus personagens. Porque, no fim das contas, são eles que realmente interessam para Hooper. É graças ao cuidado com que esses personagens são construídos e ao carinho com que são retratados - e, claro, ao desempenho dos atores que os interpretam - que O Discurso do Rei funciona tão bem. O filme se fortalece sempre que mantém o foco na relação entre suas duas figuras principais (Firth e Geoffrey Rush), na construção de uma amizade que, ainda que carregada de clichês, é inevitavelmente emocionante. Por outro lado, quando Hooper parte para retratar os meandros da política da época, O Discurso do Rei perde força - e são justamente nesses momentos da narrativa que se encontram personagens que não têm muito a contribuir para o filme, que soam ou como caricaturas (o Winston Churchill de Timothy Spall, por exemplo), ou como necessidades bobas de um roteiro excessivamente tradicional (o arcebispo vivido por Derek Jacobi, que parece uma tentativa do roteiro de criar algo próximo de um vilão).
No entanto, para o bem do filme, o momento em que esses seus dois pólos se encontram, quando ocorre o discurso anunciado no título, é muito bom. Toda a longa sequência da transmissão das palavras do rei George VI via rádio é uma bela demonstração da capacidade de Hooper de gerar tensão por algo mínimo, pois, por mais que o discurso seja sobre um assunto extremamente sério, nossa preocupação ali é simplesmente com a gagueira do protagonista - ele poderia estar falando sobre qualquer coisa, que ainda assim o espectador torceria por ele. O que reforça, novamente o quanto O Discurso do Rei se erige sobre seus personagens e só funciona realmente graças a eles. Um filme "nobre", "de Oscar", do qual é difícil não gostar. Mas que, como na maioria dos casos citados no início desse texto (exceção feita, talvez, a Desejo e Reparação) é impossível chamar de obra-prima.
O Discurso do Rei
The King's Speech, 2010
Tom Hooper
6 comentários:
Bom, eu costumo gostar muito de longas ingleses. Então, devo gostar muito de "O Discurso do Rei". O que eu preciso mesmo saber, ao assistí-lo, é se realmente justifica tanto buzz em torno da obra...
Então, Kamila, eu geralmente gosto também. São todos bons filmes (quer dizer, não sou muito fã de O LEITOR...), alguns muito bons (O PACIENTE INGLÊS, AS HORAS e DESEJO E REPARAÇÃO, por exemplo). Só não costumo concordar com a premiação de alguns deles como "melhor filme do ano" (algo que, ao que parece, ocorrerá com O DISCURSO DO REI), ou com sua transformação em supostas obras-primas por algumas pessoas, caso dos dois filmes do Stephen Daldry que citei no texto (O LEITOR e AS HORAS). Como disse, acho que o único exemplar dessa lista que acho que pode merecer tal título é mesmo o DESEJO E REPARAÇÃO. E talvez O PACIENTE INGLÊS chegue perto...
esse filme é foda
http://filme-do-dia.blogspot.com/
Nem é tudo isso, Kahlil... bom filme, mas que está longe de merecer ganhar o Oscar de melhor filme. Muito longe.
O problema desse filme é que ele nunca se arrisca, tudo tá lá no seu lugar, certinho, bonitinho, pomposo. Assim, o drama do personagem não soa forte ou contundente ou interessante. Se não fossem alguns momentos cômicos (quase todos através do personagem de Geoffrey Rush), o filme seria morto. Quadrado demais. E, embora as atuações sejam boas, nenhuma é maravilhosa, vá lá!!
Acho importante referir ao tema da amizade como desarticulador das hierarquias, mesmo que ao fim e ao cabo, as hierarquias permaneçam.
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