domingo, 15 de agosto de 2010

[uma noite em 67]

Uma Noite em 67
Uma Noite em 67, 2010
Renato Terra & Ricardo Calil



Construiu-se no Brasil uma memória mitificada (e mitificadora) do cenário artístico-cultural (musical, cinematográfico, teatral) do país da década de 1960, especialmente em sua segunda metade, e os festivais de música popular brasileira (seja o da TV Record, seja o Festival Internacional da Canção, da Globo), fazem parte dessa memória heróica daqueles duros e ricos anos. No entanto, por mais que possamos criticar esse endeusamento de um determinado momento de nossa história artística, e também de algumas figuras específicas (Caetano Veloso, Gilberto Gil e, principalmente, Chico Buarque, se tornaram verdadeiros cânones da música brasileira), não há como não se render à força daquela época quando se assiste a um filme como Uma Noite em 67.
Caetano, Gil e Chico não se tornaram cânones à toa, e vê-los praticamente nascendo para o público (no caso dos dois primeiros) é emocionante. Ver músicas como "Alegria, alegria", "Domingo no Parque" e "Roda-Viva" ganhando vida, em interpretações icônicas, é inesquecível. E ver a quantidade de outros grandes nomes da música popular brasileira reunidos naquele festival de 1967 é inebriante: fica a vontade (frustrada) de tentar entender qual confluência de forças cósmicas tornou possível tanto talento surgindo ao mesmo tempo. O documentário de Renato Terra e Ricardo Calil se sustenta por todo o tempo sobre a força das imagens de arquivo que apresenta. Reside aqui seu grande mérito (pois são momentos marcantes, incontornáveis na recente história brasileira) e seu grande defeito. Por apostar excessivamente nessa força de suas imagens, Uma Noite em 67 se transforma praticamente em um relatório do que aconteceu naquele festival, sem grandes reflexões e/ou debates. Provavelmente esse papel seria exercido pelas entrevistas que completam a narrativa do filme, no entanto, estas são, em sua grande maioria, pouco inspiradas, repetitivas, previsíveis, e que somente reiteram o que estamos vendo na tela. Não há discussões mais aprofundadas sobre, por exemplo, o tropicalismo, que começava sua escalada na música popular brasileira extamente naquele festival; ou sobre o momento político vivido pelo Brasil; ou mesmo sobre qual era o papel que os festivais de música popular exerciam naqueles anos. Uma Noite em 67 é puramente a celebração de uma época, mas sem desejar ir muito a fundo nela. Como estamos falando aqui da canonizada (mas irresistível) década de 1960, seria de se esperar muito mais.

6 comentários:

Anônimo disse...

Segunda crítica que leio sobre este documentário e que me deixa bem interessada em conferí-lo. Espero que estreie aqui em breve!

Eduardo Chacon disse...

Concordo plenamente com sua crítica. A força do filme realmente reside no seu caráter documental e não no investigativo. O que há de mais interessante nas entrevistas são os momentos em que percebemos um certo desprezo dos criadores por suas criações. E nós, meros mortais nascidos depois da década de 1960, ficamos um pouco injuriados com tanta gente boa dizendo que não é tão boa assim... Mas uma pulga atrás da orelha permanece: será que o que nos parece tão mágico era mágico para quem estava lá? Ou era apenas mais uma noite, mais um festival, mais um evento... Será que nós teremos oportunidade de contar para nossos netos que participamos desse ou daquele evento - que eles acharão fantásticos - e diremos que foi apenas "legal"?!

Wallace Andrioli Guedes disse...

Duda, gostei muito do ponto que você levantou. Por isso, no início do texto, falei dessa mitificação da década de 1960: afinal, a maior parte das pessoas que viveram naquela época não a enxergavam como enxergamos hoje... é o nosso olhar teleológico que transformou, em parte, aquilo tudo em algo tão mítico.
Por outro lado, é inegável que nomes como Chico, Gil e Caetano são merecidamente icônicos, e sua genialidade não deve ser desmerecida. E o fato de pertencerem a uma mesma geração torna esta geração especial, não tem jeito.
Sobre os depoimentos, acho que, ao menos no caso desses 3, eles dizem mais ou menos o que se costuma esperar da personalidade de cada um deles. Sem surpresas.

Marcos disse...

Wallace,

Tudo bem? Notei que você já possui um link para o nosso site, o CinemaTotal.com.

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Marcos disse...

Wallace,

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Um abraço!

Rafael Carvalho disse...

Também acho que o grande valor do filme está no resgate de um acervo riquíssimo das imagens de arquivo, como se elas aumentassem o grau de endeusamento daquela época e, mais especificamente, daquele evento tão importante sócio-artisticamente. Mas concordo que o filme podia muito bem ser mais pretencioso e amplo.