quinta-feira, 10 de junho de 2010

[o segredo dos seus olhos]

O Segredo dos Seus Olhos
El Secreto de Sus Ojos, 2009
Juan José Campanella



É dos pequenos dramas humanos, das mais simples e singelas histórias, que se faz o cinema do argentino Juan José Campanella (seus dois mais famosos filmes, O Filho da Noiva e Clube da Lua, são os melhores exemplos disso). Por isso, não deixa de haver, num momento inicial, um pequeno susto diante de suas opções em O Segredo dos Seus Olhos: uma trama policial, um filme de época carregado de suspense, e com pelo menos uma cena absolutamente grandiosa (a maravilhosa e inacreditável sequência do estádio de futebol, onde o diretor desafia a lógica num plano-sequência que já intriga simplesmente por existir), que, ao que parece, não teria nenhuma relação próxima com o restante de sua filmografia (a não ser, talvez, pela presença sempre encantandora de Ricardo Darín).

Mas é preciso ir além dessas primeiras aparências: O Segredo dos Seus Olhos é um filme de Juan José Campanella do início ao fim, em todos os seus méritos e deméritos. É um filme sobre seus personagens. Sobre seres humanos. Que, assim como seus outros trabalhos, flerta constantemente com o melodrama, mas consegue sempre soar verdadeiro, escapar com dignidade das armadilhas da obviedade e emocionar sem ser choroso (numa reflexão gratuita e sem nenhum embasamento aparente, acho que o cinema de Campanella se aproxima um pouco do que vem fazendo Clint Eastwood, em obras que se utilizam de uma quantidade grande de clichês para criar histórias altamente verossímeis e poderosas dramaticamente). O Segredo dos Seus Olhos é um filme sobre memória, sobre algumas lembranças que simplesmente nos recusamos a abandonar e - por que não? - sobre a obsessão gerada por essas memórias. O que o torna um belo trabalho sobre os efeitos que tal comportamento obsessivo pode gerar no ser humano, colocando-o numa bela sessão casada com filmes como Zodíaco, de David Fincher, e Memórias de um Assassino, de Bong Joon-Ho. Entretanto, assim como nessas duas obras-primas do cinema contemporâneo, o maior mérito de Campanella aqui está em conseguir explorar não apenas a complexidade dramática de seus personagens, mas também a própria trama investigativa de seu filme, que se revela de fundamental importância para que compreendamos as motivações dos homens e mulheres que desfilam na tela. Uma trama que é coroada com um final absurdamente impactante e complexo, que nos envia para fora do cinema atordoados, chocados com a dificuldade em julgar moralmente o que acabamos de presenciar - algo que muitos, em seu raciocínio simplista, certamente tentarão fazer. Não há com o que se preocupar: Campanella continua humano, demasiado humano.



P.S.:
O Segredo dos Seus Olhos é, sem dúvidas, um trabalho digno e merecedor do Oscar de melhor filme estrangeiro que recebeu. O problema é que, na mesma categoria, estava indicada a obra-prima de Michael Haneke A Fita Branca. E, na comparação, o filme de Campanella inevitavelmente sai perdendo. Nesse caso, só a indicação já teria sido um prêmio - a vitória foi um pouco demais.

2 comentários:

Rafael Carvalho disse...

Nossa, que notona! Também concordo que o cinema do Campanella seja feito de pequenas histórias que ganham sua importância, mas acho que nesse filme ele se prende demais a um esquema narrativo sem muita inventividade. A trama romântica nunca me parece bem resolvida (tem até uns clichês do gênero), e o caso policial perde sua força da metade em diante. Em comparação com os excelentes trabalhos anteriores, em especial com O Filho da Noiva, essa nova produção está bem abaixo do que o Campanella é capaz de produzir. Pena que foi justamente ele o ganhador do Oscar, e não o maravilhoso A Fita Branca.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Pois é, Rafael, como eu disse no final do texto, também acho que A FITA BRANCA merecia mais o Oscar, era, ao lado de BASTARDOS INGLÓRIOS, o melhor filme de toda a cerimônia.
No entanto, acho O SEGREDO DOS SEUS OLHOS tão bom quanto os outros trabalhos do Campanella que vi. Acho a trama redondinha, a história de amor tem clichês sim, mas a sensibilidade do diretor passa por cima deles, e a trama policial, que poderia ser uma mera distração, revela sua imensa força na "revelação final", que aumenta consideravelmente o grau de complexidade do filme. Pode ser que, com o passar do tempo (e da empolgação) e com uma revisão, ele perca uma estrelinha. Mas, por enquanto, são 5 mesmo.