domingo, 2 de maio de 2010

[utopia e barbárie]

Utopia e Barbárie
Utopia e Barbárie, 2010
Silvio Tendler


Utopia e Barbárie é um filme com uma posição política muito bem definida. É, consequentemente, parcial, e mesmo tendencioso. Mas talvez resida justamente aí sua grande qualidade. Silvio Tendler sempre buscou um cinema de esquerda, engajado politicamente - basta olharmos para sua filmografia, composta por documentários como Os Anos JK, Jango, Glauber o filme, Labirinto do Brasil e Encontro com Milton Santos. De Kubitschek a Glauber Rocha, de João Goulart a Milton Santos, o cineasta sempre buscou visões de mundo, ou, ao menos, visões de Brasil. Isso leva a outra característica do cinema de Tendler: um olhar holístico sobre a realidade. Se sempre buscou apresentar as visões de mundo de seu biografados, fez de seus filmes também fragmentos da sua própria interpretação do mundo, e, nesse sentido, seu olhar é quase sempre para o todo, para as grandes explicações históricas. É um olhar macro. Isso gera alguns problemas - em Jango, por exemplo, Tendler deixava de em certo momento narrar a trajetória do ex-presidente para fazer um panorama histórico de todo o período militar, algo que soava um tanto "fora do lugar", na narrativa melancólica de seu mais famoso documentário; em Utopia e Barbárie, isso também chega a ocorrer, com a discussão sobre as utopias sendo esquecida em certo momento para o cineasta, por exemplo, discutir, durante um bom tempo, a tortura no regime militar. É um cinema quase hipertextual. As cenas em Israel, por mais que justificáveis na discussão sobre "utopias", parecem também deslocadas - é o tipo do assunto que merece um filme todo seu, e não um olhar apressado como esse.
No entanto, a força do debate apresentado por Tendler é imensa, e seu filme supera todos esses problemas. Ouvir aqueles depoimentos (aliás, que bela seleção de depoimentos!), ver (e rever) algumas imagens e permanecer impassível é simplesmente impossível. Utopia e Barbárie é, para qualquer pessoa que já tenha sentido indignação (ou uma pontinha de revolta, que seja) com as injustiças do mundo em que vivemos, um filme simplesmente empolgante. Dá até vontade de cantar a "Internacional Comunista" (aliás, a cena do sepultamento do poeta Pablo Neruda é de cortar o coração). É um olhar apaixonado (e apaixonante) sobre uma geração e seus sonhos. Por mais que ajude, não é necessário ser de esquerda para apreciar este filme. Basta ser humano.

P.S.: as inserções de cenas de outros filmes na narrativa de Utopia e Barbárie funcionam, todas, muito bem. Mas a de As Invasões Bárbaras é a melhor delas, Sintetiza com exatidão, em poucos minutos, toda a sensação de desamparo daquela geração com o dito fim das utopias.

3 comentários:

Anônimo disse...

É um filme que me interessa, apesar de não ser necessariamente de esquerda.

Acho mais interessante quando um diretor assume uma posição e faz de tudo para defende-la com bons argumentos.

Pelo jeito é isso que esse filme oferece.

Abs!

Wally disse...

O título já me atraiu. E seu texto é bem interessante. Vou procurar o filme.

Ailton Monteiro disse...

A cena do sepultamento de Pablo Neruda é um negócio tão forte que vai ficar na minha memória como um dos grandes momentos do cinema em 2010.