segunda-feira, 22 de março de 2010

[ilha do medo]

Ilha do Medo

Shutter Island, 2010
Martin Scorsese


Quando iniciei a leitura de Shutter Island, de Dennis Lehane, a expectativa era alta: afinal, tratava-se da obra na qual se basearia o próximo filme de Martin Scorsese. Quando a encerrei, tive a certeza de que este seria um trabalho menor do diretor, por mais que seu talento fosse capaz de transformar uma trama que tem um quê de banalidade em algo denso e interessante. Lehane já foi adaptado para o cinema em outras duas ocasiões, e o resultado foi o mesmo: tanto Sobre Meninos e Lobos quanto Medo da Verdade são histórias impactantes, que trafegam com desenvoltura entre o drama e o comentário social, com uma gama de personagens que são, acima de tudo, humanos - e, logo, complexos. Shutter Island, por mais que tenha figuras interessantes, especialmente seu protagonista, lembra em muitos momentos uma história detetivesca barata e, quando promove uma reviravolta em sua narrativa, do tipo "nada é o que parece ser", reforça ainda mais esse tom pouco sério.
O filme de Scorsese, Ilha do Medo, também padece de parte deste problema. O diretor não consegue fugir completamente da fraqueza do texto de Lehane, e acaba apelando, no final, para a típica e irritante sequência em que um personagem explica ao protagonista (e ao espectador) todos os segredos da trama, coloca todos os pingos nos is, didaticamente. No entanto, Scorsese, sabiamente, aproveita-se desse texto fraco para construir um filme que é basicamente um grande trabalho de direção. Se a história é datada e banal, por que não homenagear tantos filmes de horror que marcaram justamente por sua banalidade?
O diretor então apela para a construção de uma atmosfera de insanidade sufocante, e mergulha fundo na loucura dos personagens que habitam a narrativa de Ilha do Medo - especialmente de seu protagonista, vivido por um Leonardo DiCaprio, no mínimo, inspirado. Assim, o filme se torna um entretenimento de qualidade, envolvente e tenso, ao mesmo tempo que não deixa de ser mais um estudo sobre a loucura promovida por Scorsese.
Parece-me, neste sentido, que os diálogos estabelecidos pelo diretor não são tão fortes com O Iluminado, de Kubrick, como muitos vêm apontado, mas com outras duas matrizes. Em primeiro lugar, com o ótimo Paixões que Alucinam, de Samuel Fuller (a quem Scorsese admira profundamente), que conta a história de um jornalista que, para investigar um crime cometido em um manicômio, interna-se no local, passando-se por louco - o desenrolar dos fatos em Ilha do Medo tem tudo a ver com o que acontece no filme de Fuller. E, em segundo, com a própria filmografia de Scorsese, que está povoada de loucos, maníacos e descontrolados. Que o digam Johnny Boy, Travis Bickle, Jake La Motta, Tommy DeVito, Max Cady, Bill "The Butcher", Howard Hughes, Frank Costello...

5 comentários:

Diego Rodrigues disse...

Eu concordo contigo. Acho Ilha do Medo um grande filme, mas em maior ou menor grau, 4 estrelas são o suficiente. Sim, ele perde a força nos momentos mais didáticos, como a reviravolta. Não deixa de ser uma grande experiência, principalmente em termos de direção, como tu mencionou.

Mas a sua crítica que, pra mim, considero-a uma das melhores que já pude conferir sobre o filme, salientou algo que merece um destaque: o filme Paixões Que Alucinam, do Fuller. Também pensei no mesmo filme após assistir ao filme (tá também pensei em O Iluminado como todo mundo).

Parabéns, Wallace. Texto sempre ótimo, como sempre.

Ah sim, eu nunca me canso de falar... Martin Scorsese é o melhor diretor vivo na minha opinião. Ele é foda.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Obrigado pelas palavras elogiosas, Diego. Realmente, é meio que inevitável relacionar ILHA DO MEDO com o filme do Fuller. No entanto, na revista "Movie" deste mês, há uma reportagem extensa sobre o filme do Scorsese, apontando outros trabalhos como suas principais influências, filmes que eu, confesso, não conheço. Mas, para mim, a semelhança com PAIXÕES QUE ALUCINAM é grande demais para ser ignorada...

Rafael Carvalho disse...

Expectativas em alta para esse filme. Não quero nem pensar muito para não ficar encantado antes da hora.

Anônimo disse...

Scorsese não é um diretor de cinema, mas sim um professor. A cada filme que ele lança ele mostra a milhares de pessoas como é fazer um excelente filme.

http://cinemaemdvd.blogspot.com/

Rafael Carvalho disse...

Vi recentemente e apesar de saber que Scorsese já fez muita coisa muito melhor, acabei apreciando essa brincadeira psicológica proposta pelo mestre. O texto realmente é bem fraquinho, mas a direção do cara confere classe ao meterial. A duração podia ser mais enxuta, mas as constatações finais dos personagens fazem valer a pena todo o auto jogo de gato e rato. Di Caprio, mais uma vez nas mãos certas, mostra o grande ator que é.