Há no Brasil um certo hábito de torcer pelos filmes nacionais no Oscar quase como numa Copa do Mundo. Não sei de onde veio este hábito, e acho que ele tem aspectos bons e ruins. Se, por um lado, valorizamos demais uma premiação essencialmente comercial, que nem semre premia filmes realmente bons, por outro, ao menos essa torcida gera um certo interesse pelo cinema brasileiro, e, por que não, pelos indicados em geral de cada ano.
O que me interessa aqui, no entanto, é outra discussão. Até meados da década de 1990, somente um filme totalmente brasileiro havia sido indicado a melhor filme estrangeiro, o maravilhoso O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, em 1963 - vale lembrar que, em 1960, Orfeu Negro, filmado no Brasil, com elenco brasileiro e falado em português, e baseado em uma história de Vinícius de Moraes, levou a estatueta nessa categoria, mas o filme concorria pela França, por ser uma produção daquele país, dirigida pelo francês Marcel Camus.
A partir da chamada Retomada, no entanto, isso mudou. Três filmes brasileiros foram indicados como melhor estrangeiro na década de 1990 (O Quatrilho, O Que É Isso, Companheiro? e Central do Brasil). E ficamos mal-acostumados. No entanto, os anos 2000 chegaram e terminaram, e nenhum dos nossos filmes foi lembrado na categoria nesta década que termina - até o fenômeno Cidade de Deus, indicado a melhor diretor, roteiro adaptado, fotografia e montagem em 2004, foi esnobado entre os estrangeiros, em 2003. O que aconteceu?
A meu ver, o grande problema é que se criou um suposto conhecimento do funcionamento secreto do Oscar, do tipo de filme que os membros da Academia querem ver e premiar. E, a partir dessa premissa, se escolhe o representante do país em cada ano. No entanto, essa estratégia se revelou um tiro n'água. Deixou-se de lado obras extremamente criativas, dramaticamente poderosas, para indicar filmes "quadrados", que geralmente tratam de assuntos "importantes", mas de forma pouco originais. Como explicar, por exemplo, a escolha por um filme medíocre como Última Parada 174? Ou pela bomba Olga? Ou, finalmente, por Salve Geral, nosso último indicado?
A verdade é que, justiça seja feita, o trabalho mais recente de Sergio Rezende é uma agradável surpresa. O diretor consegue trafegar bem entre o olhar particularizado sobre o drama da personagem de Andréa Beltrão (ótima em cena) e o amplo painel sobre o poder do PCC nas prisões paulistas. Rezende imprime um bom ritmo ao filme, conduz a tensão da narrativa com competência inimaginável para um diretor geralmente muito ruim, e acaba criando um misto de thriller criminal e drama familiar que empolga e comove na medida certa. Tem clichês? Tem overacting? Não haveria como não ter, vindo desse diretor, mas numa quantidade bem menor do que se poderia imaginar. Outro acerto de Salve Geral está na opção feita por Rezende de montar seu elenco a partir de nomes desconhecidos do grande público, atores e atrizes de teatro experientes, mas pouco vistos no cinema e na TV. Nesse sentido, há pelo menos dois desempenhos de grande qualidade: a vilanesca Denise Weinberg e o assustador Eucir de Souza.
Porém, Salve Geral definitivamente não é o melhor filme brasileiro de 2009. E me parece que sua escolha deveu-se, novamente, a essa tentativa de agradar a Academia, de nomear uma obra que, supostamente, atendesse ao gosto dos votantes do Oscar. E acabou se revelando, mais uma vez, uma escolha estúpida. Me pergunto se não valeria a pena ter arriscado um pouco, indicando um filme ousado como Se Nada Mais Der Certo. Ou, em 2008, já que o maravilhoso (e virtualmente indicado) Linha de Passe estava fora da disputa, por que não apostar no elogiado e premiado internacionalmente Estômago, ao invés do fraquíssimo filme de Bruno Barreto? E que tal o crime de esquecer da obra-prima Lavoura Arcaica em 2001? Infelizmente, ousadia e coragem são adjetivos que não parecem combinar com a comissão responsável pela nomeação do representante brasileiro no Oscar. Perspectivas para o futuro? Num ano de cinebiografias como Lula, o Filho do Brasil e Chico Xavier - O Filme, elas são as mais tenebrosas possíveis.
Indicados do Brasil ao Oscar na década 2000:
2007: O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias
2006: Cinema, Aspirinas e Urubus
2 comentários:
'Cidade de Deus' merecia ter ganho o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2003, uma pena nem sequer ter sido indicado! As escolhas do Brasil são sempre discutíveis...
http://cinemaemdvd.blogspot.com/
Pois então Wallace, essa coisa de querer selecionar um filme "premiável" é mesmo um grave problema. E o mais interessante é que isso parece um estranho consenso porque a comisão de seleção muda todo ano. Também acredito que a gente devia arriscar mais e valorizar obras potentes.
Quem imaginaria, por exemplo, que um filme seco e duro como A Fita Branca seria indicado e, mais ainda, com grandes chances de levar o Oscar de filme estrangeiro? O filme tem mais de ousadia e valor cinematográfico do que de comercial e está lá sendo valorizado pela Academia.
Ao mesmo tempo, acho que existe também uma reclamação infundada sobre o fato de não termos sido indicados nos últimos anos porque, afinal de contas, são mais de 80 países (eu acho) que concorrem a 5 vagas somente. E por mais que o Brasil tenha uma produção rica e crescente, vários outros países também estão na mesma situação, e outros bem melhores.
Mas enfim, não custa nada torcer para que um dos nossos seja agraciado no Oscar algum dia, e tomara Deus que não seja por Lula, O Filho do Brasil.
Minhas avaliações para os filmes já selecionados:
Salve Geral ***1/2
Última Parada 174 *1/2
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias ****
Cinema, Aspirinas e Urubus ****
2 Filhos de Francisco ***
Olga 1/2
Carandiru **
Cidade de Deus *****
Abril Despedaçado *****
Eu, Tu, Eles ****1/2
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