sábado, 13 de fevereiro de 2010

[guerra ao terror]

Guerra ao Terror
The Hurt Locker, 2009
Kathryn Bigelow


Desde o início da chamada "guerra contra o terror", o cinema, especialmente o norte-americano, se apropriou sem pudores desse polêmico conflito como temática. E, em praticamente 100% dos casos, adotou-se em tais filmes uma estética realista, uma violência crua e uma linguagem próxima à documental (e os exemplos nesse sentido são abundantes, desde os recentes O Reino, de Peter Berg, e Rede de Mentiras, de Ridley Scott, até os filmes de Michael Winterbottom, que chegam a quase se assumir enquanto documentários - caso de O Preço da Coragem e Caminho para Guantánamo). Curiosamente, no entanto, essa linguagem, que parece claramente a mais apropriada para tratar de um tema como esse, não conseguiu até agora gerar uma grande obra cinematográfica sequer.
Nesse sentido, esse The Hurt Locker (que recebe no Brasil o preguiçoso título de Guerra ao Terror) é um marco. Não que a estética suja-realista-documental seja abandonada; pelo contrário, ela até é radicalizada na narrativa do longa de Kathryn Bigelow: a diretora acompanha a rotina de uma equipe anti-bombas do exército norte-americano no Iraque, deixando de lado qualquer pretensão de possuir uma trama linearmente construída, se focando exclusivamente na dinâmica entre o trio de protagonistas (vividos por Anthony Mackie, excepcional, Brian Geraghty e pelo estupendo Jeremy Renner), permitindo que seus dramas, personalidades contrastantes e, principalmente, a insuportável tensão que permeia seu trabalho, sejam a força motriz do filme. Não há uma história propriamente dita em Guerra ao Terror, apenas aqueles três sujeitos sobrevivendo dia após dia (e Bigelow filma cada uma das missões do trio com uma intensidade impressionante, fazendo com que cada sequência dessas supere a anterior em tensão).
O que torna o filme inovador, e, consequentemente, absurdamente poderoso, é a forma como a diretora utiliza-se dessa linguagem já batida (e também de sua experiência em filmes de ação) para fazer poesia. É isso mesmo. Bigelow parte de imagens extremamente brutais, construídas a partir de uma estética também brutal, dura, seca, para criar momentos de profunda beleza e melancolia, que sintetizam, como nenhum filme havia conseguido até agora, o turbilhão de emoções, dramas e pavores pelo qual passam os soldados que lutam na tal "guerra contra o terror" - em ambientes onde qualquer um pode ser um inimigo em potencial. Os exemplos são muitos, como a impressionante sequência no deserto, onde Ralph Fiennes faz sua breve aparição (aliás, não deixa de ser interessante como Bigelow não tem o menor pudor de livrar-se rapidamente dos nomes mais famosos de seu elenco, deixando que as verdadeiras estrelas deste, o trio Renner/Mackie/Geraghty, brilhem), mas talvez a cena mais admirável e impactante de Guerra ao Terror seja um pequeno momento envolvendo o personagem de Renner, um uniforme militar e um chuveiro. Só assistindo para compreender a força dessa (e das inúmeras outras) imagem criada por Bigelow para essa inesperada obra-prima, que talvez se coloque para a Guerra do Iraque como Platoon ou Apocalypse Now se colocaram para a Guerra do Vietnã.*


* Texto originalmente publicado em 5 de Maio de 2009.

3 comentários:

Diego Rodrigues disse...

Olha, tu publicou o texto originalmente no dia do meu aniversário. Tá, falando agora do texto: muito bom mesmo o filme, é uma espécie de Platoon da guerra do Iraque, querendo ou não, nenhum outro vai chegar aos pés da complexidade com que Bigelow dirigiu o Guerra ao Terror. Muito difícil. Se levar o Oscar de direção, merecidamente.

Rafael Carvalho disse...

Também vi o filme no ano passado, mas na época não cheguei a escrever nada sobre. Agora, preciso revê-lo e reavalia-lo. Gostei muitíssimo quando vi, toda a construção da tensão em torna da rotina daqueles soldados é tecida da forma mais minimalista possível. Só não acho a atuação do Renner tão excepcional assim. Talvez numa revisão, mude meu conceito.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Rafael, acho o Renner excepcional por conseguir construir um personagem verossímil mesmo correndo o risco de cair no estereótipo do militar "cowboy" destemido... e também gosto muito da atuação do Anthony Mackie, que só fui valorizar realmente quando revi o filme.