segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

[curtinhas: no cinema]

O Mensageiro

The Messenger, 2009
Oren Moverman


O Mensageiro possui uma trama forte, dramaticamente impactante (trata da morte de milhares de soldados norte-americanos na guerra do Iraque e dos efeitos produzidos por estas baixas nas vidas de suas famílias e principalmente daqueles responsáveis por levar a elas a notícia de suas perdas). No entanto, este é basicamente um filme de elenco. Ou seja, é completamente ancorado na força de seus atores, especialmente seus três nomes principais: Ben Forster, melhor a cada dia, encarnando com a dureza necessária um personagem amargo e solitário; Samantha Morton, que consegue passar com grande delicadeza a imagem de "mulher comum maltratada pela vida" da figura que encarna; e Woody Harrelson, o verdadeiro dono do filme, comovente como o sujeito durão mas engraçado, e que esconde uma gigantesca tristeza. É esse trio que carrega a narrativa de O Mensageiro adiante, até porque o filme tem um fiapo de história: basicamente acompanhamos o dia-a-dia da dupla Forster / Harrelson notificando as famílias sobre a morte de algum parente no Iraque, até iniciar-se o envolvimento do primeiro com a personagem de Morton. Ainda assim, a história não sofre grandes mudanças, e logo voltamos à velha rotina. O que poderia ser um defeito acaba sendo, entretanto, o grande êxito do trabalho do diretor Oren Moverman. Ele consegue a proeza de tornar cada cena em que os dois militares visitam os parentes dos mortos mais dura e comovente que a anterior, o que reforça o aspecto emocionalmente exaustivo daquela tarefa. E aqui, novamente, há de se destacar os atores. Forster e Harrelson fazem o contraponto perfeito, com a frieza e seriedade exigida pelo momento, à dor e emoção dos familiares - e não deixa de ser maravilhoso ver o grande Steve Buscemi, ainda que num pequeno papel, emocionando em duas breves aparições. Um filme triste sobre pessoas tristes.

Julie & Julia
Julie & Julia, 2009
Nora Ephron


Julie & Julia é o típico "filme nada". É insosso, vazio, e sem razão para existir. Tem uma história boba que, sem grandes conflitos, acaba tendo de apelar para cenas clichê de crise nos relacionamentos das protagonistas - especialmente no caso da personagem de Amy Adams. As duas atrizes principais, aliás, deixam a desejar. Adams nos faz esquecer da jovem talentosa de filmes como Retratos de Família e Dúvida, entregando uma típica figura central de comédias românticas, dramaticamente rasa e enfadonha. Meryl Streep, por sua vez, compõe uma personagem com sua competência habitual. O problema é que não tem nada demais nessa composição. Sua Julia Child é exagerada, caricata e irritante. Falta humanidade e sinceridade ao trabalho de Streep - o que torna mais essa indicação ao Oscar de melhor atriz altamente questionável, e me faz pensar se indicá-la quase todos os anos ao prêmio máximo do cinema já não se tornou simplesmente um hábito. Curiosamente, o único que consegue se destacar no elenco é o tão pouco comentado Stanley Tucci. Sinceridade e humanidade sobram em seu trabalho, discreto, mas marcante. Ele consegue passar mais com um olhar do que Streep com seus gritos e outros exageros. Mesmo quando o roteiro insere artificialmente uma discussão sobre o macarthismo, numa clara tentativa de dar a Julie & Julia uma aura de "importância", Tucci se sai bem, e consegue transformar o constrangimento passado por seu personagem em algo real. Ou seja, o ator é mesmo exceção, num filme em que nada mais funciona. Cinema e culinária juntos? Ainda prefiro o excepcional Ratatouille.

Aconteceu em Woodstock
Taking Woodstock, 2009
Ang Lee


Não dá para entender o porquê de tantas reclamações e críticas a esse novo trabalho de Ang Lee. Quer dizer, até dá: se comparado com seus dois últimos filmes, os densos e complexos Brokeback Mountain e Desejo e Perigo, Aconteceu em Woodstock pode mesmo ser uma pequena decepção, com seu clima alegre, descontraído e colorido. Mas há de se buscar compreender a proposta do filme. Lee parece tentar incorporar o espírito do Festival de Woodstock. E, de certa forma, consegue. Entrega uma obra profundamente apaixonada por aquele universo, tão aberta a novidades e à alteridade quanto aqueles jovens eram. Um protagonista homossexual, um segurança travesti, hippies... não há espaço para nenhum tipo de preconceito em Aconteceu em Woodstock. Por isso, no fim das contas, o que realmente interessa a Ang Lee, mais do que Woodstock em si, são as pessoas. Os homens e mulheres, jovens e velhos, heterossexuais e homossexuais, que construíram e viveram aquele sonho. Nesse sentido, é importante que seu protagonista, vivido pelo ótimo Demetri Martin, não consiga assistir aos shows ocorridos em terras vizinhas às suas. O que importa não é mostrar Joan Baez ou Janis Joplin cantando, mas sim o efeito que a convivência com milhares de seres humanos tem sobre cada um dos presentes (indo aí do personagem de Martin a seus pais, passando pelo policial que lhe dá carona em sua moto) - e, no único momento em que conseguimos visualizar, a distância, o que está acontecendo no Festival, é através dos olhos alucinados do protagonista, sob o efeito de ácido, numa das mais belas cenas de Aconteceu em Woodstock. O filme se torna então uma espécie de libelo ao poder transformador do contato com o outro, com a diferença. Ou seja, não poderia haver retrato mais coerente daquele momento do que uma obra como essa. Simples e belo.

6 comentários:

Wally disse...

Concordo que "Julie e Julia" é clichezinho e cheio dos defeitos, mas é um filme extremamente agradável. A meu ver, graças à performance contagiante de Meryl Streep.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Não acho Julie & Julia agradável em nada, e Meryl Streep não está contagiante, e sim irritante!

Diego Rodrigues disse...

Gosto dos 3 filmes. Julie & Julia náo é que seja agradável, é razoável. Gosto muito de Meryl Streep, adorei ela no filme e tal, mas enfim não é uma excelência, bem razoável.

O Mensageiro é bomzinho.

Aconteceu em Woodstock é bom mesmo, é um filme que eu curti, é agradável. Imelda Staunton tá muito bem.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Adoro as atuações da Stauton e do Henry Goodman (o pai do protagonista) em Aconteceu em Woodstock...

Rafael Carvalho disse...

Não chego a odiar Julie e Julia, mas é bem enfadonho mesmo. É um filme mimado. E até que enfim alguém concorda que a Meryl Streep não esteja tão bem como querem. Todo mundo baba por essa atuação, mas acho bem over.

Aconeceu em Woodstock é ótimo, e também não entendo tanta reclamação em cima do filme. Pode não se equiparar a outros trabalhos do Lee, como você colocou, mas constrói belissamente a tomada de consciência do protagonista. Esse, para mim, é o verdadeiro propósito do filme. Os show de rock é só um pretexto.

O Mensageiro não vi ainda.

Só mais uma coisasinha: sério que você acha o Oscar o prêmio máximo do cinema?

Wallace Andrioli Guedes disse...

Haha, Rafael, não acho o Oscar o maior prêmio se formos olhar a qualidade dos filmes indicados... mas é, sem dúvidas, o mais noticiado, comentado e valorizado pela mídia. E eu acho que ele ainda tem seu charme...