quarta-feira, 3 de junho de 2009

[simonal - ninguém sabe o duro que dei]

Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei
Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei, 2009
Cláudio Manoel & Micael Langer & Calvito Leal


Para falar desse comentado documentário sobre Wilson Simonal, vou contar como cheguei até ele, já que, a princípio, não seria um filme que correria para assistir como acabei fazendo. Pois bem, tudo começou em uma aula do mestrado, onde o professor comentou sobre essa recuperação da figura de Simonal nesse momento, criticando-a com veemência, e contando a famosa história na qual o cantor mandou sequestrar e torturar seu contador de então, por entender que este o roubava, o que acabou por ligar Simonal ao tenebroso DOPS (o ocorrido foi em 1971), destruindo por completo sua carreira. Confesso que nunca tinha ouvido falar de tal história. Simplesmente sabia que existira um cantor brasileiro chamado Wilson Simonal, que era pai dos atualmente também músicos Simoninha e Max de Castro, e nada mais - sequer sabia que muitas músicas famosas do período haviam sido gravadas por ele (como a deliciosa "Nem vem que não tem", tocada recentemente em Cidade de Deus).
A fala do professor, no entanto, coincidiu com o momento em que lia, para minha pesquisa no mestrado, o livro "Verdade Tropical", escrito por Caetano Veloso e que ao falar sobre a experiência tropicalista, toca, inevitavelmente, em nomes e histórias do período. Wilson Simonal aparece algumas vezes na fala de Caetano, mas muito rapidamente, e sua história não é sequer citada. "Por que será?", pensei. Daí para uma sessão de Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei foi um pulo.
A polêmica em torno do filme se retém justamente na discussão sobre o "julgamento" e condenação de Simonal como artista pelos seus colegas de classe, em sua maioria figuras de esquerda: acusado de dedo-duro, de entregar outros artistas para a ditadura, o cantor foi execrado, sofreu boicotes, e nunca mais conseguiu ser o que era (como mostra o filme, em finais dos anos 60 ele chegava a disputar com Roberto Carlos o posto de maior astro da música brasileira). A verdade é que, como cinema, Simonal não é lá grande coisa. É um documentário bastante convencional, linear e factual, pouquíssimo criativo. Faz uso de umas estilizações visuais que não cabem (e que deveriam ter se restringido aos créditos iniciais) e conta com depoimentos repetitivos, que chegam a cansar, e alguns extremamente pretensiosos, como é o caso do de Chico Anysio. Até certo ponto, parece simplesmente um especial feito para a TV - ainda que, ressalte-se, haja no filme um impressionante uso de imagens de arquivo, muito bem cuidadas, que servem para tornar palpável a popularidade do cantor, da qual os entrevistados tanto falam. Aliás, em um momento aparece um recorte de jornal perguntando: "A Simonal, quem resiste?". Assistindo a essas imagens, fica mesmo difícil de resistir àquela figura.
Quando entra na discussão sobre o ocorrido com Simonal, suas possíveis ligações com o DOPS e sua execração pública por seus companheiros artistas, o filme parece tomar uma posição clara de ser a favor do cantor, criticando seus críticos, absolvendo-o de qualquer culpa, a não ser da culpa de ser ignorante quanto a situação política do país naquele momento. Nesse sentido, fala-se muito nas tais "patrulhas ideológicas" da esquerda, que de fato existem, e podem ser extremamente perversas, no entanto, me pergunto até que ponto não haveriam, hoje em dia, tais patrulhas também do outro do lado, do lado acusador, das direitas. Vemos alguns meios de comunicação aproveitarem-se de um filme como Simonal para destilarem, de forma raivosa, novamente seus rancores e ódios mortais com relação a qualquer postura de esquerda no país, e ninguém critica isso. Além do mais, chama-se a esquerda de intolerante (o que de fato é, em muitos momentos), mas há também uma imensa intolerância por parte desses críticos: falta um pouco de compreensão histórica sobre o período, sobre o porquê das polarizações tão explícitas que ocorriam (algo que o cartunista Jaguar diz, de certa forma, no filme). Extendo essa minha crítica especialmente ao depoimento do já citado Chico Anysio, que, apesar de encerrar com uma bela fala o filme, na maior parte do tempo se comporta como o senhor da verdade, julgando a tudo e a todos.
No entanto, Ninguém Sabe o Duro que Dei ganha em complexidade em sua parte final, pois os diretores optam por entrevistar o tal contador, dar a ele a oportunidade de contar sua versão dos fatos. E aí a crueldade do ato de Simonal fica patente, e o documentário se coloca em uma bem-vinda posição de abertura aos diferentes lados da questão. O que faz com que, no fim das contas, recupere-se a grandeza do cantor Wilson Simonal - dono de uma voz marcante e de canções inesquecíveis, um artista que não deve ser condenado a um limbo eterno, pois sua obra e seu talento são importantes demais para isso - mas ao mesmo tempo condene-se seu ato, não diminuindo sua gravidade. Ou seja, o que faz com que o filme supere suas limitações artísticas e se torne uma obra de qualidade razoável é simplesmente seu conteúdo, a riqueza trágica da história que conta. Nas mãos certas, daria um belo longa de ficção.

3 comentários:

Diego Rodrigues disse...

É bom mesmo?
Vou dar uma conferida quando tiver tempo, então!

Anônimo disse...

Tenho ouvido falar bem dele. Vou à procura.

Ciao!

Rafael Carvalho disse...

É, esse tipo de filme não vai chegar nunca aqui no cinema de minha cidade. Só esperando mesmo pelo DVD. E tem muita gente falando bem dele, por isso meu interesse porque em primeiro momento nem tava a fim.