quarta-feira, 20 de maio de 2009

[che - o argentino]

Che - O Argentino
Che - El Argentino, 2008
Steven Soderbergh


Em meio ao intenso fogo cruzado em torno da imagem de Ernesto "Che" Guevara, onde uns o defendem ferrenhamente, colocando-o como um herói, um mito, um exemplo a ser seguido, uma figura intocável, e outros (especialmente em tempos recentes, de ataque às esquerdas na América Latina) detratam sua figura, chamando-o de assassino, sanguinário, genocida, comparando-o até a Adolf Hitler (!), é muito bom assistir a essa empreitada de Steven Soderbergh.
Che é uma figura que gera emoções extremas nas pessoas, e seria muito fácil que o filme descambasse para um desses lados, ou mitificando-o, ou cuspindo em sua imagem, como fez o recente A Cidade Perdida, de Andy Garcia (um filme ruim, feito por um anti-castrista para outros anti-castristas que vivem em Miami se regozijarem). Mas Soderbergh surpreende com uma abordagem absolutamente sóbria da figura de Guevara, ainda que não deixe de, com seu filme, admirá-lo profundamente. Está lá o médico idealista, apaixonado pelos camponeses, movido por ideais de tal forma que o torna às vezes um político ruim; está lá o jovem (em 1959, Che tinha 30 anos de idade) asmático, mas corajoso; está lá o Comandante da Revolução Cubana. Soderbergh não foge de assuntos espinhosos, como a execução de desertores da guerrilha, no entanto, claramente, ele adota o ponto de vista de Guevara, justificando tais atos (o diretor parece compreender claramente que aquele era um movimento de guerrilha, onde mortes e assassinatos inevitavelmente acontecem, ao contrário de determinados grupos que buscam hoje desmoralizar Che e a Revolução Cubana). Essa opção de Soderbergh pelo ponto de vista de seu protagonista fica ainda mais clara naquelas que são as melhores cenas do filme, com o revolucionário já ministro, participando de uma conferência da ONU em Nova York. Ali se revela diante do espectador a força daquela figura e, principalmente, a força com que seus ideais o moviam. Nessas sequências, o diretor opta por uma acertada fotografia em preto e branco, granulada, que dá uma impressão de documentário da época. E que ajuda a ressaltar o mal-estar de Che naquele ambiente, seu deslocamento, mas, ainda assim, sua liderança política e capacidade de defender o que acredita, perante os inúmeros ataques de líderes de outros países e a curiosidade pitoresca da alta sociedade norte-americana (e são nestes momentos que fica mais visível a grandeza da interpretação de Benicio Del Toro, que vai além de sua semelhança física com o guerrilheiro, mergulhando no personagem e vivendo-o com intensidade, mas de forma contida, sem exagerar, o que torna seus olhares absurdamente expressivos, e ressalta sua humanidade - afastando-o, consequentemente, de uma imagem mítica de Che Guevara).
Na maior parte de Che - O Argentino, no entanto, o que se tem são imagens da guerrilha, em uma abordagem extremamente detalhada, que chega mesmo a cansar. Não há ênfase nas cenas de ação, por mais que elas existam, mas na força com que ele grupo relativamente pequeno de homens se agarraram a um ideal, e conseguiram tomar o poder em Cuba. Nesse sentido, em alguns momentos, o filme se torna contemplativo, e até um pouco arrastado (fico imaginando o que Terrence Malick, que durante muito tempo esteve cotado para comandar Che, faria com esse material). Mas, por mais que para aqueles que admiram Ernesto Guevara, seja pelo motivo que for, esse tom pouco exaltativo possa frustrar, numa análise mais calma se torna óbvio que essa abordagem sóbria, desprovida de paixões arrebatadoras, faz muito mais jus ao grande homem que foi Ernesto Guevara.

4 comentários:

Bruno disse...

É um filme que pretendo ver, mas estranhamente saiu bem rápido dos cinemas aqui em Salvador. Pelo menos ainda está passando no circuito alternativo daqui.

Gosto da figura do Ernesto "Che" Guevara, dos seus ideais, das suas realizações e do que ele representa em si. Todavia, também tenho algumas ressalvas contra ele, e em razão disso creio que essa visão mais sóbria do Soderbergh possa vir a me agradar bastante.

Em breve eu confiro e opino melhor sobre o filme. Abraço!

Anônimo disse...

Achei que o filme teria uma repercusão maior do que a que teve. Uma pena, pois aparenta mesmo ser bom. E Benicio é um puta de um ator.

Rafael Carvalho disse...

Ótima defesa do filme, Wallace.

Bem, para mim é um dos melhores filmes do ano. E essa abordagem sóbria do mito que é Che Guevara é um dos grandes acertos do longa, por mais que o filme esteja impregnado de veneração pelo personagem. Benicio Del Toro mostra que para ser um grande ator não é preciso esbravejar em rompantes dramáticos, porque ser contido e ao mesmo tempo manter a autoridade do Che é tarefa árdua. Grande filme.

Wallace Andrioli Guedes disse...

É exatamente isso, Rafael.