sábado, 6 de outubro de 2012


[festival do rio - parte 3]

Nós e Eu  
The We and the I, 2012
Michel Gondry


Michel Gondry é mais conhecido por seus filmes esquisitinhos, especialmente quando em parceria com Charlie Kaufman (A Natureza Quase Humana e o belíssimo Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças). E, como o diretor faz muito bem esse tipo de cinema, não deixa de ser estranho vê-lo brincando de Spike Lee nesse Nós e Eu. Um filme que acompanha a viagem para casa de um grupo de estudantes negros de Nova York, após o último dia de aula do ano letivo, tem muito pouco a ver com o que Gondry está acostumado a fazer. Isso não necessariamente seria um problema (ver um artista ousando sair de sua zona de conforto é sempre bom), mas o cineasta parece um iniciante ainda aprendendo a manusear sua câmera e a construir uma narrativa, tateando por um universo que, pelo jeito, desconhece totalmente.  


Hotel Mekong 
Mekong Hotel, 2012
Apichatpong Weerasethakul


Apichatpong Weerasethakul consagrou-se definitivamente ao vencer o Festival de Cannes em 2010, com Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, um filme de difícil apreensão, carregado de simbolismos pouco usuais para nós, ocidentais, mas com uma narrativa instigante e envolvente, ainda que em ritmo lento. Seu novo trabalho, Hotel Mekong, parece ser o cineasta tailandês levando sua estética ao limite: assim como em Tio Boonmee, tem-se uma narrativa silenciosa, contemplativa e plena de símbolos mas, infelizmente, sai de cena a capacidade de envolvimento demonstrada no longa de 2010. O que resta é um tom monocórdico, com os personagens falando sempre muito baixo enquanto ouvimos o músico Chai Bathana dedilhar algumas melodias em um violão durante sessenta minutos - que, na verdade, parecem durar muito mais. Resta, enfim, o tédio, que meu cansaço após um longo dia só fez aumentar. 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012


[festival do rio 2012 - parte 2]


Moonrise Kingdom  
Moonrise Kingdom, 2012
Wes Anderson


Personagens melancólicos e monossilábicos enquadrados de maneira centralizada pela câmera já são uma dica de que se está diante de um filme de Wes Anderson. O diretor, quem vem da experiência de filmar uma história mais voltada para o público infantil (O Fantástico Sr. Raposo), permanece nesse universo em Moonrise Kingdom, ao trazer a história de um casal de crianças vivendo um inocente e doce, mas intenso, amor. O maior mérito de Anderson e de seu co-roteirista Roman Coppola é levar esses personagens mirins muito a sério: a história é contada sob a ótica deles, mas nunca de uma maneira infantilizada por conta da baixa idade dos protagonistas. E o fato de ter dois atores magistrais interpretando os pequenos Sam e Suzy (Jared Gilman e Kara Hayward que, de tão bons, conseguem eclipsar a presença de nomes como Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Harvey Keitel, Tilda Swinton e Frances McDormand) torna tudo ainda mais marcante. A paixão com que seus respectivos personagens se dedicam um ao outro é algo comovente, elemento disparador de uma viagem sentimental às primeiras descobertas do amor, àquele primeiro momento em que nos sentimos abalados por simplesmente estar perto de alguém. Viagem muitíssimo bem conduzida por um inspirado, ainda que talvez repetitivo, Wes Anderson. 


As Sessões 
The Sessions, 2012
Ben Lewin


Num momento em que o superestimado Intocáveis arrebata as bilheterias brasileiras e consolida sua condição de favorito ao próximo Oscar de filme estrangeiro, não deixa de ser um alívio assistir a um filme delicado como esse As Sessões. Não que o trabalho de Ben Lewin seja radicalmente diferente do sucesso francês mas, só por não enveredar pelos caminhos da história edificante sobre uma amizade que supera todas as diferenças, já é digno de aplausos. O diretor equilibra bem o drama do protagonista com seu incorrigível bom humor, nunca descambando para a comédia explícita como faz Intocáveis, e ainda acerta em cheio na construção da relação entre o personagem de John Hawkes e a terapeura sexual interpretada por Helen Hunt. Os dois atores estão assombrosos em cena e o respeito e carinho com que se tratam ao longo da narrativa são de uma beleza gigantesca. 
Longe de ser uma obra-prima e se enquadrando, no fim das contas, à perfeição no cinema independente norte-americano "sério", As Sessões, ainda assim, conquista pela simplicidade de sua história e pela força de seu casal de protagonistas.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012


[festival do rio 2012 - parte 1]



Holy Motors 
Holy Motors, 2012
Leos Carax


Ao apresentar Holy Motors na sessão de gala do Festival do Rio, o cineasta Leos Carax classificou seu filme como muito simples, compreensível nem que seja após um breve período de digestão. Mesmo diante da bizarrice reinante na narrativa, que parece ter assustado muitos dos presentes no cinema, acredito que Carax tem certa razão: talvez seja possível "entender" Holy Motors.  
Esse é um filme, a meu ver, sobre a mentira - não necessariamente num sentido negativo - como base da representação cinematográfica. Afinal, o protagonista Oscar (que nome mais apropriado!) não passa de um ator que vive diferentes realidades ao longo do dia. Essencialmente um mentiroso, portanto, já que nenhum daqueles homens mostrados na tela é realmente ele, nenhuma daquelas historietas é de fato a história de sua vida. É da noção de farsa, de falsa realidade, que vive o cinema. É ela que permite aos filmes trabalhar com elementos fantásticos (mostrar carros falando, por exemplo) mas também produzir no espectador a ilusão de se estar vivendo o que é contado. 
Indo um pouco além, a mentira também embasa a vida fora das telas, as muitas máscaras que usamos no cotidiano (postura que se literaliza em Holy Motors, tanto na constante mutação sofrida por Oscar quanto na ação final da personagem da motorista). Para Carax, viver e narrar (fazer cinema) são faces da mesma moeda, do mesmo olhar mentiroso/representacional para o mundo. 
É preciso reconhecer que talvez eu esteja apenas arranhando a superfície de Holy Motors com essa minha tentativa de compreender o que assisti. Mas, ainda assim, mesmo que meu olhar seja pouco aprofundado ou equivocado, permanece a experiência de um filme instigante, que provoca estranheza no espectador sem lançá-lo para fora da narrativa - na realidade, o movimento é inverso, quanto mais bizarros são os acontecimentos vistos na tela, mais presa àquele mundo fica a atenção do público, num resultado muito próximo ao alcançado por algumas obras de David Lynch, por exemplo. Um filme muito bem conduzido por seu diretor/roteirista e que traz no desempenho do protagonista Denis Lavant um dos mais impressionantes trabalhos de atuação dos últimos tempos. Certas coisas bastam para produzir amor por alguns filmes, tornando descartável a costumeira necessidade de compreender plenamente as histórias narradas por eles. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012


[360]

360 
360, 2011
Fernando Meirelles


Me agrada muito o caminho tomado pelo cinema de Fernando Meirelles. Ao invés de investir numa carreira hollywoodiana, após o imenso sucesso internacional de Cidade de Deus e dos muitos elogios e indicações a prêmios de O Jardineiro Fiel, ou de seguir no Brasil fazendo filmes para o grande público, o cineasta optou por comandar produções médias, financiadas por investidores europeus e protagonizadas por elencos multinacionais, tendo sempre em foco uma bem-vinda autonomia artística. Feito dentro dessa lógica, 360, novo filme de Meirelles, é uma agradável surpresa.
Longe da ambição temática de um Ensaio sobre a Cegueira, por exemplo, o diretor filma com elegância e delicadeza o roteiro de Peter Morgan que, confesso, me encantou. Apesar de ser mais um filme com várias histórias que se cruzam, 360 é, se observamos bem, quase um anti-Babel (ou anti-Crash). Não há em sua narrativa a necessidade de encadear atos que se determinam, muitas vezes de maneira um tanto forçada, de acordo com aquela irritante e batida noção de que estamos todos conectados. Na verdade, Morgan aposta numa estrutura de hiperlinks, com uma história que se abre para outra que, por sua vez, se abre para outra, e assim por diante. Meirelles, por sua vez, demonstra sua sensibilidade habitual para lidar com dramas humanos, dando um tratamento carinhoso a cada um de seus personagens - me comoveu particularmente a figura do motorista/guarda-costas russo (interpretado por Vladimir Vdovichenkov) que, em poucos instantes, passa de marido insensível ao sofrimento da esposa a homem cheio de frustrações pelos caminhos escolhidos, mas ainda capaz de sonhar com uma vida diferente. Talvez 360 seja mesmo, como muitos vêm apontando, um trabalho menor de Fernando Meirelles. Mas que grande cineasta é esse brasileiro, que pode ter como parte menor e desimportante de sua filmografia uma obra tão bem dirigida e tão agradável de se assistir.

terça-feira, 21 de agosto de 2012



[festival varilux de cinema francês 2012 - parte 2]

 My Way - O Mito Além da Música 
CloClo / My Way, 2012
Florent-Emilio Siri


Até o momento em que seu protagonista, Claude François, obtém êxito em sua busca pelo sucesso, My Way parece ser um filme fadado ao fracasso. Ritmo acelerado e cenas dispensáveis da infância e juventude do personagem dão o tom nessa primeira parte da narrativa. Mas basta François chegar ao estrelato para o filme de Florent-Emilio Siri se fortalecer absurdamente. O diretor mergulha com intensidade no universo colorido do personagem, na sua vida frenética de shows, gravação de videoclipes, festas e mulheres, muitas mulheres, construindo uma espécie de soft Boogie Nights, com direito a alguns belos planos-sequências. Siri consegue imprimir a My Way a estética brega de seu protagonista, afastando-se do excesso de sobriedade que costuma marcar cinebiografias como essa. E a cereja no bolo dessa agradável surpresa é Jeremie Renier, numa interpretação apaixonada e apaixonante, diretamente responsável por alguns dos melhores momentos do filme (especialmente aqueles que envolvem Frank Sinatra).


O Monge 
Le Moine, 2011
Dominik Moll



O maior mérito de O Monge é abraçar, sem restrições, as crenças do mundo que retrata. O diretor Dominik Moll não tenta, em nenhum momento, racionalizar os eventos que compõem sua história, criando um doloroso conto cristão sobre tentação, pecado e culpa. Com uma atmosfera de terror psicológico que carrega de tensão a narrativa e aprofunda a sensação de ausência do sagrado justamente onde ele deveria estar mais presente, remetendo diretamente a alguns trabalhos de Ingmar Bergman (Luz de Inverno, por exemplo), O Monge é um filme tenso, envolvente e instigante, perpassado por um estranhamento que encontra eco até mesmo na presença inusitada de um contido (e estupendo) Vincent Cassel no papel principal.

domingo, 19 de agosto de 2012


[festival varilux de cinema francês 2012 - parte 1]

Intocáveis 
Intouchables, 2011
Eric Toledano & Olivier Nakache


O maior sucesso de bilheteria da França no ano passado (mais de 20 milhões de espectadores) é um filme simpático, comovente em alguns momentos e engraçado em muitos outros. Aborda o cotidiano de um personagem tetraplégico sem a sensibilidade de obras como Mar Adentro ou O Escafandro e a Borboleta mas, por outro lado, tem o enorme mérito de não descambar para o sentimentalismo barato, apesar de vez ou outra passar perto disso. Talvez a aposta no humor tenha sido um dos grandes acertos dos diretores Eric Toledano e Olivier Nakache, permitindo um certo distanciamento da densidade dramática geralmente exigida de uma história como essa. Intocáveis é, em suma, um filme simples, discreto, agradável e que se beneficia demais de seus atores, especialmente de Omar Sy, um verdadeiro vulcão de carisma.


Polissia 
Polisse, 2011
Maïwenn


Esse aqui é uma porrada. A diretora Maïwenn ficcionaliza (baseando-se em pesquisa de campo) o dia-a-dia de uma divisão da polícia de Paris responsável por crimes contra menores de idade e acaba criando alguns momentos de imensa força dramática. Cada novo caso de pedofilia ou violência contra crianças que surge na tela é como um soco no estômago do espectador, pela visceralidade que Maïwenn, com sua estética seca, consegue imprimir aos seus personagens. Só é uma pena que a diretora insista em também ser atriz do filme, inserindo na trama uma personagem boba, insossa e que, ao estabelecer uma relação amorosa com o personagem do excepcional Joey Starr, acaba por criar o único laço de inverossimilhança numa narrativa carregada de veracidade.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge



Os êxitos consecutivos (tanto nas bilheterias quanto entre a crítica especializada) de Batman - O Cavaleiro das Trevas e A Origem consolidaram Christopher Nolan como um dos cineastas mais influentes da atualidade. A seriedade e o realismo que imprimiu ao universo de um super-herói como o Batman, por exemplo, acabou por tornar-se uma espécie de padrão de qualidade a ser seguido, inclusive credenciando Nolan ao posto de "padrinho" de outros filmes baseados em personagens dos quadrinhos, caso do Superman que Zack Snyder lançará em 2013.

Mas nem tudo são flores e há um preço a se pagar por ser, hoje, Christopher Nolan. Cada novo filme seu é recebido sob um clima de ame-o ou deixe-o; há quem considere o cineasta um novo Stanley Kubrick, há quem o veja como um picareta com pouco, ou nenhum, talento. A acolhida a Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge não fugiu muito a essa regra: enquanto muitos amaram, considerando o filme o encerramento perfeito para a saga do herói nas telas, outros tantos detestaram, resgatando do limbo até mesmo o infame Batman & Robin, de Joel Schumacher, para criticarem o olhar de Nolan para o personagem. A meu ver, um pouco mais de parcimônia não faria mal a ninguém.

De fato, Christopher Nolan não é nenhum gênio, nenhum sucessor de Kubrick. Seus filmes têm problemas crônicos, principalmente no que diz respeito a um excesso de didatismo que pauta suas narrativas - algo que incomoda bastante tanto em A Origem como nesse novo Batman. Trata-se de uma necessidade de explicar tudo o que está acontecendo na tela, seja através de flashbacks ou de discursos artificiais dos personagens, o que não deixa de ser uma forma de subestimar a inteligência do espectador. Em O Cavaleiro das Trevas Ressurge há alguns exemplos nesse sentido: o personagem que revela, oralmente sua verdadeira natureza e todos os passos de seu plano; a câmera que mostra coisas que poderiam ser simplesmente sugeridas; o flashback que explica o que já entendemos.

Mas, aparadas essas arestas, sobra um filme de qualidades inegáveis, quase tão impecável quanto O Cavaleiro das Trevas. O diretor, ao lado de seu irmão e parceiro habitual Jonathan Nolan, consegue, mais uma vez, construir uma narrativa que impressiona pela grandiosidade, mas que jamais deixa de se preocupar com o desenvolvimento de seus personagens. Tomemos como exemplo os antagonistas Batman/Bruce Wayne e Bane: o primeiro continua sendo uma figura complexa, quase esquizofrênica, um homem amargurado e, ao que parece, viciado no vigilantismo que pratica; já o segundo é, no fim das contas, o líder de uma espécie de revolução que põe fim aos privilégios das elites de Gotham e muda substancialmente a configuração social da cidade, o que o torna, por si só, um sujeito admirável (ao mesmo tempo que levanta questões sobre os significados políticos de um personagem como Batman, mantenedor supremo do status quo, bilionário que lida com seus demônios garantindo a permanência do poder do Estado e de seu braço armado, a polícia).

Ou seja, por mais que, enquanto espectadores, não hesitemos em torcer por aquele que nos é apresentado como herói, os irmãos Nolan conseguem fugir de dicotomias excessivas simplórias, imprimindo bem-vindos tons de cinza na composição de seus personagens. Isso é algo que Joel Schumacher, com sua Gotham City carnavalesca, passou longe de fazer; esse é um mérito que ninguém tira de Christopher Nolan.


Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge 
The Dark Knight Rises, 2012
Christopher Nolan