domingo, 31 de maio de 2015

Clint 85.



Poucos discordariam que Clint Eastwood é um dos grandes diretores americanos dos últimos 50 anos. Vencedor de 4 Oscar, selecionado algumas vezes para Cannes (onde é reconhecido como um importante autor), profissional respeitado que já comandou um punhado de grandes atores, como Sean Penn, Morgan Freeman, Meryl Streep, William Holden, Gene Hackman, Leonardo DiCaprio, Tommy Lee Jones, Ed Harris, Kevin Bacon, Tim Robbins, Hilary Swank, Kevin Spacey, Matt Damon, Richard Harris, Forest Whitaker... No entanto, olhando sua carreira retrospectivamente, não deixa de ser surpreendente que ele tenha chegado nesse ponto.

O sucesso de Eastwood começou na TV, com o popular seriado Rawhide (1959-1965); depois vieram os westerns spaghetti, produções baratas de um diretor italiano então desconhecido (um tal Sergio Leone) que, extremamente bem-sucedidas financeiramente, não foram imediatamente abraçadas pela crítica; em seguida, o cinema de ação, do qual virou astro sobretudo com a franquia Dirty Harry (1971-1988). Talvez não fosse de se imaginar que daí nasceria um auteur. Mas ao decidir fundar sua própria companhia ainda no final da década de 1960 (a Malpaso) e começar a dirigir filmes em 1971, com o ótimo Perversa Paixão, Eastwood deixou claro que não estava acomodado na posição de astro que conquistara. Ele queria fazer o seu cinema. Cinema que, construído ao longo dos últimos 40 anos, ainda que inevitavelmente tenha trafegado pelos gêneros nos quais Clint, o ator, se consagrara (há em sua filmografia como diretor quatro westerns e um bom número de filmes de ação), jamais ficou parado num mesmo lugar.

Nesse sentido, seu maior feito como diretor foi a desconstrução do próprio mito, naqueles que provavelmente são os alicerces inabaláveis de sua filmografia: Os Imperdoáveis, ocaso sombrio do western, e Gran Torino, suspiro derradeiro do herói de ação individualista, machão e xenófobo, símbolo de uma Velha América que não mais se sustenta de pé (e tão bem sintetizada no Harry Calahan que Clint viveu em 5 filmes). Mas também houve surpresa com a delicadeza de As Pontes de Madison e Menina de Ouro, bem como com a opção de um velho diretor republicano por contar a história da tomada de Iwo Jima na Segunda Guerra também pelo ponto de vista japonês, no belo Cartas de Iwo Jima. Esses são filmes que, ao lado de Sobre Meninos e Lobos, formam uma espécie de cânone do cinema de Eastwood, marcos de uma fase, iniciada na década de 1990, de reconhecimento de sua obra. Filmes que permitem que Eastwood seja visto hoje como mais do que um velho astro do western e da ação, mesmo que essa imagem estereotipada perdure de alguma maneira no senso comum, como ficou claro nos debates travados recentemente sobre Sniper Americano.    

Todas as tolices ditas sobre o último filme do diretor, aliás, talvez apontem para o quanto seu cinema ainda precisa ser realmente descoberto. Quantos dos que se surpreenderam, por exemplo, com a delicadeza demonstrada por Eastwood em As Pontes de Madison já haviam assistido ao igualmente delicado Interlúdio de Amor (1973), apenas sua terceira experiência na direção de longas? Quantos conhecem as obras-primas esquecidas Coração de Caçador e Honkytonk Man, os subestimados Um Mundo Perfeito e Jersey Boys, ou as tantas preciosidades do western (O Estranho sem Nome, Josey Wales, O Cavaleiro Solitário) e do cinema de ação e/ou policial (Escalado para Morrer, Rota Suicida, Impacto Fulminante) que ele realizou? É preciso ir além do cânone, portanto, ainda que se trate de um baita cânone!

Realizar esse movimento de descoberta é tomar contato com um cinema rico, cheio de nuances, e, novamente, com um potencial aparentemente inesgotável para surpreender pela novidade. Basta lembrar que, no último ano, Eastwood, aos 84, lançou um musical (seu primeiro) cheio de energia e um drama de guerra que, além de mobilizar e polarizar a opinião pública, alcançou resultados de bilheteria dignos de um blockbuster. O diretor não estava brincando ao soltar um “I’m just a kid!” no Oscar 2005, que consagrou seu Menina de Ouro. No dia em que esse eterno jovem completa oito décadas e meia de vida, fica a quase certeza (quem dera pudéssemos ter alguma certeza absoluta nesse sentido) de que ele ainda estará conosco por um bom tempo. Sempre inquieto, nunca acomodado, realizando filmes que provavelmente tornarão ainda mais hercúleo o esforço daqueles que, como eu, tentam escolher os melhores de uma brilhante carreira.


10- As Pontes de Madison (1995)/ Josey Wales – O Fora da Lei (1976)



9- Um Mundo Perfeito (1993)



8- Honkytonk Man - A Última Canção (1982)



7- Cartas de Iwo Jima (2006)



6- Coração de Caçador (1990)


5- Menina de Ouro (2004)



4- Sniper Americano (2014)


3- Sobre Meninos e Lobos (2003)


2- Gran Torino (2008)


1- Os Imperdoáveis (1992)



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