terça-feira, 17 de março de 2015

Gran Torino

  

O personagem que Clint Eastwood interpreta em Gran Torino não é muito diferente das figuras às quais o velho ator/diretor deu vida ao longo de sua carreira. Rabugento, amargurado e conservador, Walt Kowalski se parece tanto com o Frankie Dunn de Menina de Ouro quanto com o xerife Red Garnett de Um Mundo Perfeito ou com o militar Highway de O Destemido Senhor da Guerra, por exemplo. Mas é sobretudo a Harry Calahan, policial que Eastwood imortalizou numa franquia de cinco filmes (Perseguidor Implacável, Magnum 44, Sem Medo da Morte, Impacto Fulminante e Dirty Harry na Lista Negra), que o velho Kowalski parece remeter, com sua postura de valentão e um aparentemente incorrigível racismo.

E é justamente na lembrança de Dirty Harry que reside a maior força de Gran Torino. Isso porque o filme funciona basicamente como a desconstrução de uma visão de mundo cuja melhor encarnação é exatamente o personagem durão e preconceituoso que Eastwood se acostumou a interpretar. Desconstrução que começa nos primeiros contatos com a família de imigrantes do povo hmung, agora parte da vizinhança, e que se completa no maravilhoso epílogo. Se no olhar potente para os efeitos da violência sobre o homem Gran Torino não destoa do melhor cinema de Eastwood-diretor, na solução encontrada para lidar com essa violência sim: enquanto no final da obra-prima Os Imperdoáveis, por exemplo, William Munny recorria mais uma vez às armas resolver seus problemas, como uma maldição da qual não conseguia escapar, aqui Kowalski/Dirty Harry se desarma (literalmente) para derrotar seus inimigos. Gran Torino é assim um passo ainda mais além na já corajosa releitura do mito do herói americano feita em Os Imperdoáveis.  

Mas o que há de mais bonito nesse processo de desconstrução do mito é o respeito com que Eastwood e o roteirista Nick Schenk tratam seus personagens. Gran Torino é, acima de tudo, um filme sobre a descoberta da alteridade, mas que evita submeter seus complexos personagens a transformações radicais. Ao final, Walt Kowalski continua sendo um velho conservador e racista, e é justamente por reconhecer isso que ele sai de cena, como representante da Velha América que é, para abrir espaço para a Nova América, encarnada no jovem hmung Thao. Nova América na qual Kowalski aprendeu a acreditar, mas da qual sabe não fazer parte. 

Gran Torino 
Gran Torino, 2008
Clint Eastwood

Nenhum comentário: