[vênus negra]
Vénus Noire, 2010
Abdellatif Kechiche
Vênus Negra não é um filme fácil de ser esquecido. Durante as quase 3 horas de duração de seu novo longa, Abdellatif Kechiche abusa de um naturalismo extremamente incômodo para retratar todo o sofrimento imposto à sua protagonista, Saartjie Baartman (interpretada pela magnífica Yahima Torres). E não há como sair incólume diante do que é mostrado.
Estamos no início do século XIX, e o olhar lançado pelos europeus aos aficanos é de plena discriminação. Saartjie é exibida em um circo como um animal por seu patrão (vivido pelo também excelente Andre Jacobs), reforçando no público londrino e parisiense a imagem estereotipada de exotismo e selvageria que se possuía da África. Mas ele não é o único a tratá-la como um ser inferior: quando um grupo de homens busca denunciá-lo, levando-o a julgamento, há por trás desta atitude todo um olhar paternalista, de proteção a uma mulher que aqueles julgam ser ignorante e indefesa; assim como quando Saartjie se transforma em objeto da Ciência, o que há ali é claramente uma postura carregada de racismo, típica do conhecimento pretensamente científico do período. É lógico, no entanto, que é quando a personagem se torna atração em festas da alta sociedade francesa, sob o comando do assustador personagem de Olivier Gourmet, que todo o horror daquela situação vem definitivamente à tona. A trajetória de Saartjie é toda terrível, mas são esses momentos que ocupam a última parte do filme de Kechiche os maiores responsáveis pelo clima de velório que permanece após seu fim. Talvez porque o diretor tunisiano consiga - ao mesmo tempo que coloca na tela de forma palpável uma visão de mundo de um determinado período histórico - nos fazer sentir um pouco culpados por tudo aquilo (até mesmo por conta do papel que assumimos, de co-espectadores dos "espetáculos" de Saartjie). Para além do filme histórico, Vênus Negra é um apavorante retrato da sordidez humana.
3 comentários:
Ual, sabia que tinha gostado do filme, mas não imaginava que tanto assim. Você gosta mais do que eu então, acho essa duração longa demais, embora ainda dá pra perceber que o cineasta quer intensificar aquela atmosfera de opressão até o limite.
Sobre as cenas do julgamento, tem algo que me chama muito a atenção. Ao tentar "provar" que ela não estava sendo forçada e maltratada pelo seu "dono", a reação das pessoas é em não acreditar nisso, mas não porque sentem pena dela, mas mais porque não querem se comparar a ela. É difícil para eles compreenderem que estão no mesmo nível de humanidade. Filme potente demais.
Pois é, Rafael, também me senti incomodado com a longa duração, mas acho mesmo que ela é componente fundamental na construção da atmosfera do filme. É quase como um pesadelo interminável.
Não conhecia este filme, parece de tirar o fôlego e de refletir. Vou procurar. rsrs. ;)
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