terça-feira, 12 de outubro de 2010


[tropa de elite 2]

Tropa de Elite 2
Tropa de Elite 2, 2010
José Padilha


Como disse em meu recente texto sobre Wall Street 2, admiro quando um cineasta realiza uma continuação de algum trabalho anterior seu por motivos autorais, por acreditar ainda ter algo a dizer com aqueles personagens, e não por querer simplesmente garantir mais uma gorda bilheteria. Tropa de Elite 2 também se encaixa perfeitamente nesse comentário, com uma importante diferença em relação ao mais recente trabalho de Oliver Stone: ao retornar aos personagens do longa de 2007, José Padilha consegue não só superar o original, mas também entregar uma verdadeira obra-prima.
É mais que conhecida a polêmica gerada pelo primeiro Tropa de Elite, acusado por muitos de "fascista", de cultuar a violência e transformar um personagem iminentemente psicopata em herói. Nunca achei tais discussões irrelevantes, como muitos fizeram (inclusive o próprio Padilha, que vive tratando esses argumentos contrários ao seu filme com imensa ironia, como se fosse proibido tentar lançar um olhar sociológico sobre seu cinema, que é, paradoxalmente, profundamente sociológico), mas sempre olhei tal postura com certo receio. De fato, Tropa de Elite abria brechas para esse tipo de interpretação, especialmente por colocar seu protagonista como narrador da trama, numa composição que o transformava quase em um dono da verdade, um guia para o espectador através daquele mundo de corrupção e violência. No entanto, havia muito mais ali do que queriam os olhares mais apressados. Não dava para simplesmente rotular de "fascista" o trabalho de um cineasta que, alguns anos antes, havia feito Ônibus 174, filme que, seguindo a lógica dos rótulos, seria claramente "de esquerda". Não dava para rotular de "fascista" um filme que venceu o Festival de Berlim, num júri presidido por Costa-Gavras...
Tropa de Elite 2 é a resposta a todas as acusações que foram feitas contra Padilha e contra seu filme mais famoso e bem-sucedido, e também às interpretações conservadoras construídas a seu respeito, não só por parte do grande público como também por alguns órgãos de imprensa. E é uma resposta contundente, que vem através da construção de um complexo arco dramático para seu personagem mais icônico, o Capitão Nascimento de Wagner Moura. A inserção dessa figura na administração pública do Estado do Rio de Janeiro abre espaço para Padilha amadurecer consideravelmente seu olhar sobre a realidade brasileira. Sai de cena o debate, por vezes simplista, que culpabilizava primordialmente os usuários de drogas pelo tráfico, e entra um olhar cáustico para a corrupção política e policial no Rio (e no Brasil). O inimigo agora é outro, como diz o subtitulo desnecessário do filme, e agora parece ser o inimigo correto. Padilha atira para quase todos os lados, mas, felizmente, é certeiro em todas as suas críticas. Desmoraliza figuras como os apresentadores de programas policiais sensacionalistas através do divertido e repugnante personagem de André Mattos, escancara de vez a lógica perniciosa que move as relações entre Estado, polícia e organizações criminosas, trata com propriedade a temática das milícias (e aí consegue a proeza de fazer de um personagem mínimo do primeiro filme, interpretado por Sandro Rocha, um vilão assustador), e elege como alicerce moral um deputado estadual de esquerda e humanista (vivido pelo excelente Irandhir Santos) - que, seguindo o raciocínio daqueles que rotularam o cineasta de fascista, deveria ser o vilão de Tropa de Elite 2.
Mas o centro de tudo é mesmo Nascimento, e o processo de "conscientização" pelo qual passa. Não, ele não deixa de ser violento, brutal, de destilar comentários preconceituosos. Mas compreende, junto com Padilha (e, espero, com os espectadores), que toda a corrupção que toma conta da nossa política só é passível de ser enfrentada efetivamente por meio da própria política, algo que fica claro na excepcional sequência na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ecos de Sindicato de Ladrões?). Nascimento completa então seu ciclo de humanização. O homem que sofria de síndrome do pânico no primeiro filme, agora também chora. E se redime. Nesse caminho, Tropa de Elite 2 não poderia ser encerrado de outra forma: em contraponto à morte da cena final do original, a vida da cena final desta brilhante conitnuação.

3 comentários:

Rafael Carvalho disse...

Expectativas nas alturas para essa continuação que só devo ver no decorrer dessa semana. Mas pelo menos não parece haver uma necessidade vazia de uma continuação só porque o filme anterior fez sucesso. Se há mais o que dizer, então que venham mais ossos duros de roer.

Tiago Rattes de Andrade disse...

Um bom filme. Minha impressão é de que amadurece muito em relação ao primeiro. Ainda continua na minha opinião dependente do bom roteiro. Sobre ser fascista ou não, creio que não é o debate. Mas concordo com Bloch que não é um filme fechado e pode abrir tranquilamente brechas a interpretações das mais diversas. Se o filme avança em relação ao primeiro na consciência de que os problemas do tráfico não se estabelecem apenas pelo usuário, ainda fica um tanto quanto ambígua a noção tão alardeada de "sistema". Afinal, o que é o tal "sistema"? Apenas os vícios de uma máquina? Ou será que as virtudes não se encaixam no sistema?

Enfim, um bom filme. Na minha opinião existe uma condescendência positiva com o personagem Fraga, explicitando a simpatia do diretor. isso me deixa simpático ao filme. Apesar do personagem defensor dos direitos humanos ser menos atrativo ao público geral do filme que ainda vibra com as cenas de tortura.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Pois é, Tiago, eu também me incomodo bastante com esse discurso do "sistema", desde o primeiro filme. Mas acho que o amadurecimento do olhar do Padilha é mesmo claro, por mais que, em suas entrevistas, nem sempre ele demonstre isso.