Há Tanto Tempo que Te Amo

Il y a Longtemps que Je T'Aime, 2008
Phillipe Claudel

Devastador talvez seja um bom termo para definir esse drama de Phillipe Claudel. Há Tanto Tempo que Te Amo é um verdadeiro turbilhão de emoções que poderia, facilmente, descambar para um melodrama choroso, mas que acaba sendo justamente o oposto: sóbrio, sereno e profundamente verdadeiro ao tratar de temas como culpa, remorso, solidão, e, acima de tudo, amor - de tia para sobrinha, de irmã para irmã e principalmente de mãe para filho.
Claudel tem em suas mãos um trunfo chamado Kristin Scott-Thomas, provavelmente no melhor desempenho de sua carreira (o que não é pouco), surpreendendo ao atuar em francês, entregando uma personagem que é a complexidade em estado bruto: autora de um ato terrível, julgada e condenada, em busca de um recomeço (ainda que forçado), uma figura solitária, triste, melancólica, e ainda assim dotada de um amor imenso por todos aqueles que a cercam, mesmo que um amor reprimido. Dentre as tantas injustiças do último Oscar, o esquecimento de Scott-Thomas como melhor atriz é dos mais graves. Claudel utiliza-se desse seu grande trunfo sem nenhuma vergonha, dando a Scott-Thomas a oportunidade de tomar conta do filme completamente. Mas, ainda assim, abre espaço para o arrebatador e comovente desempenho de Elsa Zylberstein, perfeita como a jovem e insegura irmã da protagonista. As duas, juntas, como duas irmãs inseparáveis, conduzem a narrativa de Há Tanto Tempo que Te Amo com brilhantismo, até sua inesperada revelação final.
Esta que é, ao mesmo tempo, o único porém do filme e também a constatação final de sua grandeza. É um porém pois parece, ao menos num primeiro olhar, uma tentativa de absolver a personagem de Scott-Thomas de seu grande pecado, o que me parece, àquela altura, desnecessário, e mesmo simplificador da complexidade da personagem. No entanto, tal revelação dá também um novo significado ao já citado amor que move aquela figura, o que não diminui, pelo contrário, aumenta o fascínio que esta gera no espectador. E a forma como Claudel encerra seu filme, com aquele "estou aqui", talvez seja uma forma sintética e madura de nos dizer o verdadeiro significado das coisas para aquela mulher, e também sugerir o que começará a partir dali para ela. E é aí que Há Tanto Tempo que Te Amo confirma o quanto devastador, e bonito, é.
À Deriva
À Deriva, 2009
Heitor Dhalia

Belo e delicado olhar sobre as descobertas da adolescência é esse À Deriva. E é também mais um admirável trabalho do eclético Heitor Dhalia. É um filme extremamente simples, com uma proposta bem clara e direta, mas que chega até ela por um caminho bastante acertado: trata-se de um relacionamento em frangalhos, chegando ao seu final, mas não se julga nenhum dos lados, foge-se de soluções e justificativas fáceis, tratando-se os personagens de Vincent Cassel (excelente, e saindo-se muito bem com o português) e Deborah Bloch (que cresce bastante durante a narrativa) com enorme honestidade e carinho - e mesmo a busca pelas motivações para o fim do casamento dos dois é realizada com imensa naturalidade, com cuidado, também aqui escapando-se de um julgamento prévio de suas personalidades baseando-se simplesmente no que é visto pelo espectador, como acaba fazendo a filha do casal; trata-se também, e principalmente, de uma jovem garota (a ótima Laura Neiva), mimada, descobrindo algumas facetas da vida adulta, mas Dhalia não desmerece a ingenuidade e a falta de tato de Filippa, pelo contrário, mesmo lamenta-se essa perda de inocência que esse contato com o mundo adulto promove, realizando uma espécie de ode à infância.
É nessa quebra de expectativas, ruptura com caminhos esperados que À Deriva se estrutura, mesmo que trate a todo tempo com clichês. Existem problemas, alguns diálogos soam artificiais e as participações de Cauã Reymond e Camilla Belle parecem desnecessárias. Mas a delicadeza do olhar de Dhalia encanta, e sua melancolia, que acaba sendo talvez o único elo de À Deriva com seu trabalho anterior, o espetacular O Cheiro do Ralo, bate fundo em quem o assiste.