sábado, 11 de abril de 2009

[alguns filmes - março]

Pecados de Guerra
Casualties of War, 1989
Brian DePalma

RocknRolla - A Grande Roubada
RocknRolla, 2008
Guy Ritchie

Querelle
Querelle, 1982
R.W. Fassbinder

Uma Rua Chamada Pecado
A Streetcar Named Desire, 1951
Elia Kazan

O Anjo Exterminador
El Ángel Exterminador, 1962
Luis Buñuel

Gomorra
Gomorra, 2008
Matteo Garrone


Na trilha de obras maravilhosas como Platoon e Nascido para Matar, Brian DePalma lançou sua visão acerca da guerra do Vietnã, em 1989, esse Pecados de Guerra. É um filme dono de uma premissa forte, contundente, talvez até mais do que as dos outros dois citados. E DePalma conduz essa trama muito bem, ancorado principalmente no talento já gigantesco de Sean Penn, hipnótico em cena. O problema está no apelo melodramático de alguns momentos (a cena final, por exemplo), no maniqueísmo de outros ("soldados maus" que tentam calar de qualquer forma o único ali com consciência e dignidade), e especialmente na caracterização do protagonista como um herói idealizado, incólume às brutalidades da guerra, vivido pelo fraco, dramaticamente falando, Michael J. Fox (sem dúvidas uma escolha equivocada, para um papel já cheio de problemas). O resultado é um filme que não consegue sair da sombra das duas grandes obras que o cinema norte-americano produziu na década de 1980 sobre o Vietnã (na verdade, me parece que quem projeta tal sombra é Platoon, com Nascido para Matar também sendo ofuscado em certo sentido pela obra-prima de Oliver Stone), mas que ainda assim possui momentos fortes e marcantes (as sequências de estupro, assim como a última cena da jovem cativa dos soldados são difíceis de tirar da memória), que trazem à tona lampejos de uma obra maiúscula que poderia ter sido criada.
Talvez Guy Ritchie seja uma grande farsa. Afinal de contas, sua carreira se limita a repetir uma mesma fórmula, de filmes com um formato cool, passados no submundo londrino e com pequenos criminosos tendo de pagar dívidas com grandes chefões da máfia, diálogos rápidos e espertos, e narrativa fragmentada. Na única vez que fugiu disso, o resultado foi o desastroso Destino Insólito (ao menos até Sherlock Holmes chegar aos cinemas). No entanto, se Ritchie é uma farsa, é uma farsa irresistível. Gosto bastante de seu cinema, e RocknRolla não tem grandes dificuldades em agradar a alguém que tenha gostado de Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch: é um filme de conteúdo banal, com uma série de personagens descolados desfilando pela tela, trapaceando uns aos outros. Ritchie, entretanto, cria uma trama envolvente e deliciosa, com rompantes de violência alternando-se com sequências cômicas brilhantes (a tentativa de roubar os capangas russos, por exemplo), ao mesmo tempo que tem em suas mãos um ótimo elenco (encabeçado pelo cada vez melhor Gerard Butler), onde alguns nomes específicos demonstram-se absurdamente inspirados, como Tom Wilkinson e Mark Strong. RocknRolla é, em suma, tudo o que se espera de um filme de Guy Ritchie. Goste-se ou não.
Querelle é uma experiência cinematográfica que merece ser vivenciada. Foi meu primeiro contato com o cinema de R. W. Fassbinder (curiosamente, comecei pelo último filme da carreira do cineasta), e é difícil terminar de assisti-lo intacto. Cenograficamente carregado, e dotado de um grande sentido poético, Querelle é subversivo em sua essência, expondo, para isso, uma visão controversa e complexa da homossexualidade. Esta liga-se, aqui, à criminalidade, à marginalização em relação à sociedade, e também a subversão dessa mesma ordem social. Praticar um ato homossexual significaria, aqui, romper com o status quo, questionar a ordem vigente. Seria o oposto, por exemplo, da busca por integração proposta por um filme como o recente Milk, de Gus Van Sant. É o tipo de contraponto interessante a se fazer, uma discussão frutífera a ser travada. De qualquer forma, Fassbinder faz um filme poderoso, ainda que difícil em muitos momentos, dada sua grande densidade. Boa parte desse poder recai sobre o excelente Brad Davis, que encarna, sem concessões, o protagonista, que dá nome ao longa. Suas cenas de sexo com outros homens são fortes, impactantes, e expressivas com relação às intenções do diretor; são o motor de Querelle. Um filme que deixa, acima de tudo, a certeza de que tanto Davis quanto Fassbinder fazem uma grande falta no cinema atual.
Uma Rua Chamada Pecado é o resultado daquilo que parece ser uma espécie de confluência cósmica, onde um sem número de talentos se reúnem, em torno de uma grande história, e geram um filme marcante. Elia Kazan, um mestre que foi em muito diminuído devido às suas escolhas políticas no período do macarthismo, está aqui no pleno domínio de sua arte (ainda que ache que sua obra máxima continue sendo Sindicato de Ladrões), construindo uma narrativa onde tudo, absolutamente tudo, está em seu devido lugar, todas as peças se encaixam perfeitamente. E há ainda, obviamente, o elenco. Se os coadjuvantes Karl Maden e Kim Hunter roubam a cena em muitos momentos, dando vida a figuras profundamente humanas e comoventes (especialmente o personagem de Maden), é inevitável que o centro das atenções não seja o embate entre Marlon Brando e Vivien Leigh. Não é simplesmente um embate de personagens e personalidades, onde o passado sufocado e recalcado da primeira colide brutalmente com a sede por honestidade e com violência do segundo (tudo permeado por uma insuspeita atração sexual); é também um embate de técnicas de atuação: se Leigh constrói Blanche DuBois com um certo exagero dramático, numa composição típica de grandes épicos hollywoodianos (e que cai como uma luva na personalidade da personagem), Brando encarna Stanley Kowalski com sua conhecida meticulosidade, assustando pela veracidade com que compõe seu personagem em seus mínimos gestos. É um duelo de gigantes, de duas diferentes gerações de atores de Hollywood, e de duas formas diferentes de se dar vida aos personagens. Duelo responsável, em muito, por transformar Uma Rua Chamada Pecado em um clássico absoluto do cinema.
Sob o risco de ser crucificado, devo confessar: me frustrei com O Anjo Exterminador. Gosto bastante do cinema de Buñuel, e esperava encontrar, nesse que é um de seus maiores clássicos, uma obra contundente, poderosa e inesquecível. Como boa parte de sua filmografia, é um trabalho provocativo, mordaz, um interessante experimento acerca da fragilidade das aparências que regem o mundo burguês. No entanto, se comparado com filmes como A Bela da Tarde e Esse Obscuro Objeto do Desejo, O Anjo Exterminador acaba parecendo uma obra menor do diretor, não tão bem acabada. Esperava encontrar uma obra-prima absoluta, mas o que se tem é uma pequena parábola de ataque á burguesia, não tão contundente quanto se esperava. No fim das contas, acho que é tudo uma questão de expectativa.
Chamado por alguns de "o Cidade de Deus italiano", Gomorra guarda, na verdade, pouquíssimas semelhanças com o filme de Fernando Meirelles. Sai de cena a montagem acelerada, a abordagem "moderna" e pop do mundo do crime, e entra um retrato denso, sóbrio, mesmo exaustivo, da máfia napolitana, a Camorra. Nesse sentido, o filme de Matteo Garrone peca em muitos momentos por sua narrativa confusa e até mesmo arrastada, que torna difícil a identificação com aquele sem número de personagens que desfilam pela tela. No entanto, aos poucos, as intenções do diretor vão ficando mais claras: nada de histórias que se cruzam, a partir de alguma reviravolta ou grande evento que una os personagens, nada de "grandes sacadas" narrativas. O que Garrone pretende é simplesmente traçar um duro e cru painel da Camorra, secamente violento, sem concessões estéticas (ainda que seja um filme dono de algumas belíssima imagens, plasticamente falando). Quando se compreende isso, Gomorra se revela como a grande obra cinematográfica que é.

6 comentários:

Bruno disse...

Caramba, de novo não conferi nenhum dos que vc assistiu no mês... cada vez mais me acho um cinéfilo de meia tigela!

Estou com RocknRolla e Gomorra aqui em casa para assistir, mas ainda não conferi. Tenho grandes expectativas em cima do filme do Guy Ritchie, ainda que tenha visto muita gente criticando ele. Gomorra é outro que me desperta curiosidade.

Ah, e me surpreendi com sua avaliação de "O Anjo Exterminador"... na verdade eu nunca assisti, mas costuma ser tão unanimidade entre os cinéfilos que pensei que vc fosse gostar bastante tb. Esse é um dos que compõem a minha lista de clássicos que ainda falta assistir.

Abraço!

Wallace Andrioli Guedes disse...

Hehe, nada de cinéfilo de meia tigela ... até porque, acho que todos nós somos ...
Então, quanto ao O Anjo Exterminador, também achava que gostaria bastante, e acho que esse foi o maior problema. Acabei me decepcionando um pouco, até porque, como disse, gosto bastante do que eu já vi do Buñuel.

Rafael Carvalho disse...

Faz um tempinho que vi Pecados de Guerra, também achei mediano, mas concordo que o Michael J. Fox está bem fraquinho no filme. Só não me recordo se percebi esse maniqueísmo todo no filme. De qualquer forma, é um bom De Palma.

Não sou muito entusiasta de RocknRolla, abaixo da média para mim, e olha que eu me diverti muito com Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes. Mas o Ritchie ficou mesmo repetitivo e cheio de tiques pop que ele deve achar o maior barato.

Também acho Uma Rua Chamada Pecado sensacional, não só pela direção do Kazan, mas principalmente pelo texto perfeito do Tenesse Williams, uma verdadeira pérola. Toda aquela tensão sexual entre os personagens é incrível. E embora o filme tenha o grande Marlon Brando no elenco, Vivien Leigh está exuberante. Sem exageros, é uma das maiores atuações femininas que eu já vi (o que na verdade não quer dizer muita coisa).

Por fim, acho a secura de Gomorra um tanto desinteressante, não pela situação em si que é um assunto legal, mas pelo ritmo do filme. Mesmo assim, é de uma sobriedade incrível.

Dos outros dois, nunca vi nada do Fassbinder ainda, nem sei por onde começo. E tenho muita vontade de ver esse Buñel, falam muito bem do filme. Adoro o surrealismo de seus filmes.

É isso cara, abraço!!!

lingualingua.blogspot.com disse...

Cara, nesta rede virtual, meus olhos se debruçaram sobre tuas palavras. Adicionei ao meu. Teu blogue é muito bom.

Anônimo disse...

dae cara, blz???

po, achei excelente sua análise sobre o PECADOS DE GUERRA, acho que vc conseguiu abordar os pontos importantes que não o deixaram virar um grande filme.

michael j. fox foi de fato uma escolha equivocada, mas eu gosto de assistir qualquer trabalho dele, obviamente por ele ter participado ativamente da minha infância como o MARTY MCFLY do De Volta para O Futuro, hehehe!!

- eu estive ausente por um tempo, mas agora retornei. migrei pro wordpress e o end do blog mudou: http://nitzombies.wordpress.com
se vc puder mudar o endereço no link aqui eu agradeço!!

o seu já está lá, obviamente.

Abraço cara...

Unknown disse...

Oi, Wallace!
Já vi:

"Pecados de Guerra" (7,0) ou (***): um filme que funciona no sentido de sair da mesmice, contando um episódio verídico e de grande impacto. Peca talvez pelos maneirismos.

"Rock'n Rolla" (7,5)ou (***): Boas atuações, roteiro ágil e maluquete, acabei gostando do resultado.

"Rua Chamada Pecado": (10) ou (*****): está no meu Top 10, adoro o roteiro, a direção, as atuações, a música, tudo...

"Gomorra": (8,0) ou (****): fora a edição louca e a duração, acho que funcionou bem em diversos aspectos - trabalhando positivamente com a criminalidade.

Um abraço!!