terça-feira, 2 de dezembro de 2008

No cinema: Rede de Mentiras

[rede de mentiras]

Rede de Mentiras
Body of Lies, 2008
Ridley Scott


Há de se dizer que a temática do terrorismo no cinema atual, se já gerou alguns grandes filmes, vem agora tornando-se um tanto irritante e enfadonha: praticamente todo ano temos uma nova obra a tratar do assunto lançada nos cinemas, o que acaba por criar uma espécie de barreira de preconceito em público e crítica ao assistir a mais um filme desses. Portanto, é justamente por conseguir romper essa barreira que Ridley Scott, saído do excepcional O Gângster, merece ser aplaudido por esse Rede de Mentiras.
O mais importante para o êxito do filme é a fuga de armadilhas esperadas de um tema tão em voga como o terrorismo, como o excessivo engajamento político, que, geralmente misturado com a superficialidade e falta de ousadia das grandes produções norte-americanas, acaba gerando filmes que ficam numa espécie de "meio do caminho", que querem ser politicamente relevantes mas ao mesmo tempo não têm a coragem suficiente para enfrentar quem deve ser enfrentado (o fraco Diamante de Sangue, apesar de tratar de uma temática diversa da abordada aqui, é um exemplo perfeito disso). Scott não busca fazer um filme a-político, algo que seria impossível em se tratando do universo abordado, mas ele acerta profundamente ao não fazer de um discurso político, ou melhor, de sua opinião sobre as questões discutidas por Rede de Mentiras, o centro da narrativa, fazendo com que essa opinião surja nas entrelinhas, de forma sutil. Obviamente, nesse ponto o roteiro de William Monahan merece crédito, principalmente por permitir que seus personagens sejam suficientemente desenvolvidos para que nos interessemos por seus destinos, e para que a complexa trama de espionagem não se sobreponha a seus dramas pessoais: no limite, a força maior do filme está nas relações estabelecidas entre esses personagens, especialmente entre o trio Roger Ferris/Ed Hoffman/Hani, que fazem Rede de Mentiras ganhar força dramática suficiente para merecer ser levado a sério. Num "subgênero" já tão explorado como o "thriller de espionagem", onde clichês vem se repetindo cada vez mais (e o uso essencial da tecnologia nesse mundo é um desses clichês, que também reaparece aqui), e numa temática tão recorrente no cinema contemporâneo, o trabalho de Scott se diferencia por apostar, acima de tudo, no humano.
Obviamente, há aqui um componente fundamental que merece ser destacado: o elenco de Rede de Mentiras. Contando com coadjuvantes competentes, o filme chama a atenção realmente pelos três atores que interpretam o trio de personagens citados anteriormente. Leonardo DiCaprio, sem dúvidas vivendo um grande momento em sua carreira, consegue tornar verossímil um personagem que poderia facilmente descambar para o bom-mocismo exagerado, além da proeza de verdadeiramente "sumir" naquele universo, fazendo com que de fato acreditemos que seu Roger Ferris pode se misturar com os inimigos sem ser reconhecido (DiCaprio, tal como Ferris, submerge de tal forma naquele universo, que até esquecemos que estamos diante do mesmo rosto jovial de um dos maiores astros de Hollywood). Por um outro lado, num desempenho igualmente magnífico, Russell Crowe cria aquele que talvez seja o personagem mais factível de Rede de Mentiras, o do burocrata inescrupoloso que comanda, dos EUA, a missão de Ferris. No entanto, Crowe empresta tamanha veracidade ao seu Ed Hoffman, tamanha simplicidade em seus atos (e as cenas onde aparece realizando tarefas familiares ao mesmo tempo que dá ordens a seu subordinado são fundamentais para isso), que seu personagem acaba por tornar-se mais do que um mero "vilão" para o espectador: Hoffman é apenas um homem, ainda que dotado de poderes absurdos. Por fim, há o excelente Mark Strong, que faz de Hani, chefe da inteligência jordaniana e aliado do personagem de DiCaprio, um sujeito encantador por seu carisma, por seu código de honra e por sua presença imponente em cena. Se quiséssemos encontrar um herói no mundo cinzento de Rede de Mentiras, este seria o personagem de Strong. Mas a verdade é que no universo abordado por Scott, qualquer maniqueísmo que busque distinções do tipo heróis e vilões é excessivamente reducionista.
No entanto, nem tudo no filme é perfeito. Há, por exemplo, um relacionamento amoroso que, por mais que seja desenvolvido com cuidado pelo roteiro de Monahan e defendido com competência pelo casal que o protagoniza, soa fora do lugar na trama, o que acaba enfraquecendo-a em determinados momentos (as cenas de Ferris na casa de Aisha, por exemplo, são bem conduzidas, sem exageros românticos ou dramáticos, e provavelmente se encaixariam bem em qualquer filme, mas aqui soam fora do tom). E há também uma impressionante cena de tortura nos momentos finais da narrativa, mas que com certeza elevaria Rede de Mentiras a um patamar ainda maior caso fosse levada até o fim (ainda que a solução encontrada para interrompê-la não seja tão artificial quanto possa aparecer, principalmente se levar-se em conta quem protagoniza tão solução). Erros que impedem Rede de Mentiras de se tornar uma obra-prima, mas não um grande filme.

5 comentários:

Bruno disse...

Caramba, quero muito ver esse filme! Ridlye Scott parece ter voltado com tudo mesmo! Gostei demais de O Gângster e por tudo que venho lendo, acredito que tenho boas chances de sair agradado dos cinemas, quando assistir "Rede de Mentiras". Abraço!

Diego Rodrigues disse...

Pois é, eu já discordo contigo em muitas coisas aí né. Por exemplo, o desenvolvimento do personagem de Russel Crowe poderia ter sido melhor. A trama também demora para engrenar de vez, fica dando voltas e mais voltas e algumas até desnecessárias - confesso que tem coisas que o roteiro se saiu muito bem. Porém, o resultado final não saiu como eu imaginei.

Parabéns pelo blogue novo, a tendência é crescer, crescer e crescer!

Wallace Andrioli Guedes disse...

Valeu pela visita, Diego. Como disse no texto, acho que o personagem do Crowe é muito bom, chegando a ser fascinante. Não sei até que ponto o mérito é do ator e até que ponto é do roteiro, mas o fato é que achei o Ed Hoffman um sujeito instigante. Mas, de fato, o personagem do DiCaprio é mais desenvolvido e, como de costume nos últimos tempos, o ator está muito bem no papel.

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Wallace,
vi num comentário seu lá no Filmes do Chico que você estava de blog novo e vim aqui conferir. Ainda não vi o novo do Ridley Scott, mas as expectativas são boas.
Abração e mais sucesso na casa nova.

Rafael Carvalho disse...

Não sou lá grande fã de Ridley Scott. Tenho é muita saudade de filmes da qualidade de um Blade Runner, por exemplo. Ultimamente ele vem se repetindo muito. Rede de Mentiras ainda não vi, e para falar a verdade nem me chama muita atenção. Mas verei assim que puder.