sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Alguns filmes - Novembro

[alguns filmes - novembro]

O Invasor
O Invasor, 2001
Beto Brant


A Menina Santa
La Niña Santa, 2004
Lucrécia Martel


Do Outro Lado da Lei
El Bonaerense, 2002
Pablo Trapero


O Tesouro de Sierra Madre
The Treasure of Sierra Madre, 1948
John Huston


Vidas Amargas
East of Eden, 1955
Elia Kazan


As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian
The Chronicles of Narnia: Prince Caspian, 2008
Andrew Adamson


O Búfalo da Noite
El Bufalo de la Noche, 2007
Jose Hernandez Aldana


Longe Dela
Away from Her, 2007
Sarah Polley


Nixon
Nixon, 1995
Oliver Stone


Amargo Pesadelo
Deliverance, 1972
John Boorman


O Invasor é um filme do qual esperava bem mais. Voltando no tempo até o ano de seu lançamento, é até compreensível seu sucesso, mas vendo-o hoje, inserido num cinema brasileiro pós-Cidade de Deus e Tropa de Elite, é impressionante como o filme de Beto Brant perde força. Os conflitos dos personagens soam excessivamente previsíveis e dramaticamente mal conduzidos, assim como sua abordagem de um submundo do crime parece datada e pouco inspirada (as cenas em que os personagens de Paulo Miklos e Mariana Ximenes visitam a periferia de São Paulo, por exemplo, e a câmera acompanha os rostos dos moradores da região é irritantemente clichê). Se há algo que sobrevive em O Invasor, é o seu elenco: à exceção de Alexandre Borges e Malu Mader, que entregam interpretações que são simplesmente mais do mesmo, os outros atores encarnam seus personagens com paixão, tornando-os bastante críveis. Mariana Ximenes, Marco Ricca e principalmente um surpreendente Paulo Miklos são os verdadeiros responsáveis pelo êxito que O Invasor ainda consegue alcançar.
A Menina Santa e Do Outro Lado da Lei são dois exemplares de qualidade do cinema argentino recente, obras de dois dos mais badalados cineastas desse país, Lucrécia Martel e Pablo Trapero. No entanto, são filmes muito diferentes. O primeiro é um drama de difícil digestão, mas de uma sensibilidade absurda. Martel filma a suposta inocência das meninas Amália e Josefina com extrema intimidade e intimismo, e torna o envolvimento da primeira com o médico vivido por Carlos Belloso profundamente interessante, ao mesmo tempo que enigmático e instigante, para o público. Mas o que torna A Menina Santa um filme tão maravilhoso é realmente o olhar da diretora, que foge de lugares-comuns e sensacionalismos ao abordar a atração entre duas figuras tão diferentes, optando pela delicadeza e cuidado na composição desse drama. E o final em aberto, que promove uma ruptura justamente em um momento onde a história poderia descambar para soluções dramáticas fáceis e/ou sensacionalistas, é uma prova do brilhantismo de Martel. Belo filme, que ainda conta com desempenhos excepcionais do trio de atrizes Mercedes Morán, Maria Alche e Julieta Zylberberg. Já Do Outro Lado da Lei é, se pudéssemos fazer esse tipo de comparação, uma espécie de Tropa de Elite argentino sem toda a carga de polêmica e de intenções de desvendar a organização social de um país que o filme de José Padilha tem. Trapero faz, através do personagem de Jorge Román, um retrato melancólico e decadente da corrupta polícia de Buenos Aires, mas, ao invés de focar no funcionamento desta, o diretor prefere manter seu olhar no protagonista, em seus dramas pessoais. Nesse sentido, Román entrega uma excelente interpretação como o introspectivo Zapa. Mas o filme não consegue ser muito mais do que apenas um bom drama. Funciona em alguns momentos, mas em outros soa arrastado e sem muita inspiração. Mas não deixa de valer a pena assistí-lo.
Apesar de ser um dos maiores clássicos do cinema norte-americano, e uma das grandes obras do grande John Huston, confesso que só me interessei realmente por O Tesouro de Sierra Madree ao saber que Paul Thomas Anderson o teve como principal referência ao realizar a obra-prima Sangue Negro. E vendo-o, dá para entender o porquê: os dois filmes, apesar das diversas diferenças que possuem entre si, compartilham a temática da ganância humana, e da capacidade que determinadas riquezas naturais têm de elevar essa ganância a níveis assustadores. Se em Sangue Negro era o petróleo, aqui temos o ouro de Sierra Madre, que, aos poucos, transformam dois homens aparentemente bons em seres que beiram a selvageria e, no caso do personagem de Humphrey Bogart, em um verdadeiro monstro. E Huston consegue retratar essa transformação com maestria, não permitindo que nenhum aspecto desse processo soe artificial, criando uma trama que, se prende pelo tom de aventura que assume em muitos momentos, encanta pela densidade dramática que possui em sua essência, e que vem à tona quando necessária. No elenco, O Tesouro de Sierra Madre traz ao menos duas grandes interpretações: a do carismático Walter Huston (pai do diretor), que funciona muito bem como a "voz da razão" em meio à insanidade que toma conta dos exploradores, ao mesmo tempo que encanta por sua simplicidade e honestidade de caráter, ainda que este possua falhas reconhecíveis, e a excepcional presença de Humphrey Bogart, que cria uma figura verdadeiramente assustadora e sombria, e que se torna ainda mais impressionante por termos conhecido o personagem em um momento anterior, quando se revela apenas um homem comum em busca de uma oportunidade. Bogart é o melhor ator do filme, é aquele que sintetiza a tragédia provocada pela ganância que John Huston busca mostrar, mas o que verdadeiramente move O Tesouro de Sierra Madre, o que o torna tão rico, complexo e atual, mesmo tendo sido lançado há 60 anos, é a interação entre os três protagonistas, fundamental para a compreensão da degradação moral retratada por Huston.
Outro grande clássico do cinema norte-americano, e responsável pela revelação do fenêmeno James Dean, Vidas Amargas é um filme do qual esperava bem mais. Elia Kazan, então recém-saído de seu maravilhoso Sindicato de Ladrões, faz um filme aquém das expectativas, que, apesar de contar uma grande história, peca por apresentá-la com toques excessivamente melodramáticos em muitos momentos, e por contar com personagens que soam exageradamente inocentes e puros de coração para parecem concretos (aliás, esse era um dos problemas que também havia enxergado em outro filme de Dean, Juventude Transviada). No entanto, o filme possui seus méritos: primeiramente, há um elenco muito bom, que vai de um ótimo James Dean (que, apesar de fazer praticamente o mesmo papel que faria depois em Juventude Transviada, o do jovem deslocado e amargurado, era muito bom ator, e consegue aqui dar densidade ao drama de seu personagem) à pequena, mas marcante, participação de Jo Van Fleet, como a mãe do rapaz. Além disso, o talento de Kazan para criar cenas memoráveis volta a funcionar em Vidas Amargas, que se revela dotado de alguns momentos absolutamente inspirados, especialmente aqueles que envolvem a relação conturbada entre o personagem de Dean e seu pai, vivido com enorme competência e emoção por Raymond Massey (incluindo aqui a belíssima cena final). Mas, ainda assim, é um filme que poderia, e deveria, ser bem melhor, e uma história que mereceria uma nova versão cinematográfica.
Apesar de consciente de suas limitações e equívocos, confesso ser um admirador da série As Crônicas de Nárnia. Me empolguei com as aventuras dos irmãos Pevensie em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas de uma forma que não imaginava acontecer, e, por isso, a expectativa com essa continuação era grande. E, repito, apesar de reconhecer que há problemas em As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian, novamente me encantei com essa história. Os personagens dos irmãos Pevensie são irritantes em vários momentos e os atores mirins não são tão bons quanto, por exemplo, os da série Harry Potter, mas Adam Adamson consegue construir uma narrativa verdadeiramente envolvente e empolgante, que não tem a pretensão de ser tão séria quanto O Senhor dos Anéis, por exemplo, mas, apesar de possuir diversos elementos infantis, consegue possuir maturidade suficiente para conquistar outros públicos. E em Príncipe Caspian, Adamson consegue dar um passo além em relação ao primeiro filme da série, tornando a saga dos Pevensie mais sombria (o que gera cenas de batalha mais violentas e momentos que beiram o terror, como a excelente cena do ritual para ressuscitar a Feiticeira Branca), inserindo novos personagens bastante interessantes, que surpreendem por irem além de estereótipos e ganharem contornos mais humanos nas mãos do diretor, como, por exemplo, o vilão da história, vivido por Sergio Castellitto, e o anão interpretado pelo expressivo Peter Dinklage, e criando pelo menos uma grande cena, a da luta entre o rei Miraz e Peter Pevensie, longa, exaustiva e convincente. É um grande épico de fantasia, emocionante e contagiante como poucos vêm conseguindo nessa grande leva de filmes do gênero que vêm sendo lançados.
O Búfalo da Noite é um filme equivocado do início ao fim. Simplesmente isso. Não é uma bomba, um filme intragável, mas que, de forma impressionante, não consegue acertar em quase nada, mesmo tendo uma história com potencial nas mãos. Escrito por Guillermo Arriaga, baseando-se em seu próprio livro, o filme talvez tenha como maior problema a falta de um diretor talentoso para conduzir a história e o elenco. A narrativa, com suas idas e vindas no tempo, parece deixar uma série de pontas soltas, e os personagens, que poderiam ser, no mínimo, fascinante, são muito mal desenvolvidos, soando extremamente desinteressantes na maior parte do tempo. E o mote principal da trama, a caixa com lembranças que o personagem de Gabriel González deixa para o de Diego Luna, parece ser simplesmente abandonado a partir de um certo momento, jogando fora de vez qualquer interesse que poderia ser despertado em relação àqueles sujeitos. Arriaga nunca admitiria isso, mas falta um Alejandro González Iñárritu a O Búfalo da Noite.
Longe Dela é um drama extremamente simples, mas absurdamente delicado. Sem possuir grandes inovações narrativas ou estéticas, o filme aposta todas suas fichas no seu elenco e na força dramática da temática abordada, o mal de Alzheimer, e isso não diminui em nada a qualidade do filme. No primeiro aspecto, a diretora Sarah Polley confia totalmente em sua dupla de atores, que não decepcionam. Julie Christie e Gordon Pinsent entregam desempenhos estupendos: a primeira, emocionando ao encarnar de forma extremamente convincente os dramas gerados pela presença do Alzheimer, a consciência de sua condição e a redução de sua personalidade a um estágio aparentemente irreversível; e o segundo, transmitindo a dor do homem que vê seu grande amor simplesmente não mais o reconhecer, e pior, trocá-lo por outro. Pinsent cria um sujeito angustiado, profundamente humano e dotado de um amor absurdamente gigantesco por sua esposa, sentimento que transborda da tela sem nunca precisar ser piegas. Esse, aliás, é talvez o maior mérito de Polley: fazer de Longe Dela um pequeno grande filme, genuinamente humano e emocional sem apelações sentimentalóides. E o belíssimo final está lá para coroar seu trabalho.
Vindo de Oliver Stone, Nixon é um filme profundamente decepcionante. Extremamente longo, pretensioso e confuso, a cinebiografia do polêmico presidente norte-americano é um trabalho pouco inspirado do diretor, no qual fica difícil captar seu posicionamento político em relação a Richard Nixon: em alguns momentos, Stone parece admirá-lo, e assumir o ponto de vista do político enquanto o seu ponto de vista, enquanto, em outros, o diretor parece criticar suas opções políticas, e colocá-lo como um sujeito extremamente retrógrado e despreparado. Fica clara a intenção de pintar Richard Nixon como um sujeito paradoxal, que ninguém nunca realmente conheceu (como é dito em determinada passagem). O que fica obscuro é o que Stone deseja com seu filme. Além disso, há Anthony Hopkins. O ator entrega um grande desempenho, dramaticamente poderoso, criando um personagem fascinante e que, com todos seus defeitos, acaba conquistando o espectador. No entanto, não acreditamos realmente que aquele seja Richard Nixon, mas apenas um personagem, o que se dá, em muito, pela pouca semelhança física entre o ator e o presidente. Numa cinebiografia como essa, esse fator acaba pesando negativamente. Salvam-se alguns bons momentos (como o duelo particular entre Nixon e John Kennedy, que gera um belíssima fala de Hopkins acerca das maneiras distintas como o povo americano exerga os dois políticos) e a oportunidade de vermos, a partir da ótica dos bastidores do poder, alguns acontecimentos chave do século XX. E Richard Nixon continua esperando um retrato melhor (não necessariamente favorável) no cinema.
Assistindo a Amargo Pesadelo, tive, em muitos momentos, a impressão de estar assistindo a um filme de Sam Peckinpah, ou, pelo menos, a um trabalho muito próximo de seu excepcional Sob o Domínio do Medo. Pois a maneira como John Boorman constrói a narrativa desse seu longa chega bem perto do terror e tensão gerados pelo filme de Peckinpah. O que não é pouco. Boorman aproveita-se de forma magistral do ambiente naturalmente perigoso em que filma, para investir em um thriller pesado, no qual a relação entre o quarteto de personagens, que a princípio não parecia trazer grandes problemas, mas que aos poucos vai se recheando de tensão, culminando na inesquecível seqüência do estupro e do assassinato, é o centro do poder dramático do filme. Boorman não tem nenhuma pressa em estabelecer as características principais de seus protagonistas, muito bem defendidos por quatro grandes atores (Jon Voight, o melhor do elenco, Burt Reynolds, Ned Beatty e Ronny Cox), o que só aumenta o envolvimento do espectador com o desenrolar de sua jornada, assim como não tem pudor em ser violento e ousado quanto tem de ser. É, sem dúvidas, um dos maiores suspenses que o cinema norte-americano já produziu.


8 comentários:

Diego Rodrigues disse...

Uau,4 para Crônicas de Nárnia, deve ter sido uma das primeiras pessoas que avalia tão bem o filme. Preciso assistir, embora eu não tenha gostado do primeiro!

Wallace Andrioli Guedes disse...

Pois é, Diego, mas talvez, se você não gostou do primeiro, não goste tanto desse Príncipe Caspian. É que eu realmente tenho uma simpatia pela série, e acabo me envolvendo mais do que o normal com as histórias dos Pevensie.

Rafael Carvalho disse...

Cara, quando assisti a O Invasor eu gostei muito da abordagem do Beto Brant. Hoje não sei se teria a mesma impressão do filme, mas acho um filmaço. A tensão que ele consegue, em especial através do personagem do Miklos, é algo incrível.

A Menina Santa é mesmo um filme que possui uma abordagem bem interesante da Martel, fugindo do lugar comum. Além do que ela é uma diretora excelente, vide o excepcional O Pântano.

A nota para Princípe Caspian foi alta, hein? Não sou tão fã assim da série, embora goste bem mais desse segundo. A direção evoluiu bastante e as cenas de luta, também. Gosto particularmente da sequência que envolve as águas de um lago. Os efeitos especiais também são muito bons.

E é incrível como uma cineasta iniciante tão novinha como a Sarah Polley foi capaz de criar um filme tão sensível, sem nunca perder o tom. Existe uma leveza absurda na forma de falar dessa doença, apoaiada, como você disse, em duas atuações excelentes. Uma pena que o Gordon Pinset não tenha recebido o reconhecimento que devia por esse papel.

Dos outros filmes que não vi, só fiquei preocupado com a 1 estrela para O Búfalo da Noite, pois sempre quis ver esse filme roteirizado pelo Arriaga. Pablo Trapero é um cineasta ao qual quero muito conhecer (só vi seu Família Rodante). E O Tesouro de Sierra Madre é um clássico que eu preciso ver logo.

Ah, e outra coisa: adorei a idéia de adotar as estrela no blog. Abração!!!

Hugo Leonardo disse...

Não acho O INVASOR uma obra prima, mas certamente é um filme importante na carreira do Brant. Estou louco pra ver é o CÃO SEM DONO ...

Bruno disse...

Wallace, vendo suas avaliações fiquei com uma dúvida: a avaliação máxima são 4 ou 5 estrelas? Me parece que são 4, mas fiquei em dúvida.

Destes filmes só assisti "O invasor", que achei ruim e "Amargo Pesadelo", que é um filme excelente, muito bem desenvolvido e, sobretudo, tenso! Aquela sequência do estupro e do assassinato é realmente inesquecível, acho que foi uma das cenas mais marcantes e impactantes que já vi... bem difícil de esquecê-la.

Abraço!

Wallace Andrioli Guedes disse...

Bruno, a cotação máxima é 5 estrelas... é que ninguém nessa lista mereceu tanto, mas o Boogie Nights, que comentei abaixo, ganhou 5.

Bruno disse...

Ah sim, é verdade, eu tinha visto mesmo antes em Boogie Nights, mas acabei esquecendo. É que vc finalizou seu texto de Amargo Pesadelo falando que ele "é, sem dúvidas, um dos maiores suspenses que o cinema norte-americano já produziu", e deu 4 estrelas. Como foi um baita elogio, acabei me confundindo achando que a cotação máxima pudesse ser só 4 estrelas, hehe.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Então, Bruno, é que pretendo ser um pouco rigoroso com essas cotações, só darei 5 estrelas a filmes que considere realmente como obras-primas. E, apesar de ter gostado muito de Amargo Pesadelo (que provavelmente é o melhor dessa lista), ele não chega a merecer esse título de obra-prima.