domingo, 27 de maio de 2012

Os Vingadores



Talvez X-Men: O Filme e sua sequência X-Men 2 sejam os grandes responsáveis por mostrar que filmes de aventura, inspirados em HQ's e com uma equipe de heróis como protagonista poderiam valer a pena (artística e financeiramente). Talvez O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel também tenha sua dose de responsabilidade nessa história toda, pelo impacto causado e pela capacidade de criar identificação com os personagens que compunham o centro de sua narrativa - e, nesse caso, não deixa de ser curioso que numa determinada cena de Os Vingadores Tony Stark, com seu costumeiro sarcasmo, se refira ao Gavião Arqueiro como "Legolas". Mas, mesmo com esses antecedentes em mente, o projeto de adaptação para o cinema da formação de um equipe com heróis célebres como Homem de Ferro, Capitão América, Thor e Hulk traz um forte aspecto de novidade.

Isso se dá porque Os Vingadores, diferentemente dos filmes citados acima, não é o ponto de partida, mas de chegada, de uma saga. A ambição da Marvel de direcionar todas as suas produções, a partir do lançamento de Homem de Ferro, em 2008, para o filme dos Vingadores, pode ter gerado perdas para as aventuras-solo de alguns heróis (Capitão América, por exemplo). Mas, diante do resultado alcançado por Joss Whedon, fica a sensação de que tudo valeu a pena. Principalmente porque Os Vingadores é um filme de ação exemplar, um típico caso de "filme de porrada", daqueles que levam ao cinema quem está atrás de um bando de figuras com habilidades sobre-humanas derrotando, sem piedade, inimigos genéricos. Whedon não esconde a natureza de sua obra em nenhum momento, o que, por si só, já é um mérito. A própria forma como trata seus personagens é um bom exemplo disso: são todos ícones, já previamente estabelecidos em seus filmes-solo, e a curiosidade está simplesmente em vê-los juntos, em ação contra antagonistas em comum, mas também entrando em choque entre si.

Filmes assim tendem a se transformar, no máximo, em guilty pleasures. Mas Whedon faz tudo com tanta gana e honestidade, que Os Vingadores supera sua trama rasa e seus protagonistas sem profundidade dramática para se transformar no maior prazer, sem nenhuma culpa, do ano cinematográfico.


Os Vingadores 
The Avengers, 2012
Joss Whedon

domingo, 6 de maio de 2012


[xingu]

Xingu 
Xingu, 2012
Cao Hamburger


Na última cena ficcional de Xingu, os irmãos Cláudio (João Miguel) e Orlando (Felipe Camargo) Villas-Bôas, em missão de estabelecer contato com indígenas que nunca conheceram o homem branco, finalmente se deparam com um membro desta tribo: todo pintado de preto, ele olha, desafiador, para os protagonistas. Nesse momento, Cao Hamburger consegue sintetizar os objetivos não só de seu filme, mas do próprio trabalho dos Villas-Bôas. Como impôr à civilização a povos como aquele? Como desrespeitar um mundo tão diverso, simplesmente ignorando suas especificidades?
É uma pena, portanto, que o restante do filme não tenha se espelhado nessa passagem de tamanha força e beleza. O grande problema de Xingu reside em sua necessidade de abarcar um longo período em uma narrativa de menos de duas horas. Hamburger prova que O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias não foi um acidente e entrega um trabalho delicado, uma direção de admirável economia dramática mas, ao mesmo tempo, bastante emocional na forma como lida com a entrega de seus atores (especialmente João Miguel). No entanto, o diretor poderia ter optado ou por um filme maior (tanto na escala narrativa quanto na duração mesmo), um épico emocional-ecológico à lá Dança com Lobos, ou simplesmente ter reduzido seu escopo, mantendo-se num recorte cronológico menor, que se resumisse a acompanhar alguns anos da trajetória dos Villas-Bôas em seu contato com os índios. 
Mas Hamburger escolheu um caminho do meio, que mescla um acertadamente delicado olhar sobre os irmãos protagonistas com uma equivocada tentativa de dar conta de contextos políticos diversos (o filme vai dos anos de 1940 aos de 1970) e seus reflexos sobre o trabalho dos Villas-Bôas. Daí fica a sensação de que Xingu não passa de um resumo apressado daquela história toda. 

domingo, 22 de abril de 2012


[heleno]

Heleno  
Heleno, 2012
José Henrique Fonseca


Talvez pelo fato de raramente o futebol render grandes filmes, José Henrique Fonseca foi buscar no boxe, o mais bem-sucedido cinematograficamente dos esportes, inspiração para filmar a vida de Heleno de Freitas, ídolo do Botafogo na década de 1940: Heleno tem Touro Indomável, a obra máxima de Martin Scorsese, a todo tempo no horizonte. Ou, ao menos, é essa a impressão que fica (mesmo que a referência à biografia de Jake LaMotta não tenha sido proposital) diante da história de um atleta vencedor em seu métier, mas derrotado por seu temperamento explosivo e incapacidade de lidar com o sucesso - e, ainda por cima, filmada em um belíssimo preto e branco.
O grande acerto de Heleno é a coragem de, num país apaixonado por futebol, deixar o esporte em segundo plano, diante da intensa vida de seu protagonista. A trajetória de Heleno, apresentada de maneira fragmentada e sem nenhum grande exagero na dramaturgia, é comovente. É claro que Fonseca não é Scorsese e Rodrigo Santoro não é Robert De Niro. Mas a atuação explosiva deste, hipnótico em cena, e a direção elegante daquele, tornam a comparação com Touro Indomável não uma depreciação a um filme menor pretensioso, mas um elogio gigantesco a uma obra surpreendente em sua qualidade.

terça-feira, 17 de abril de 2012


[um método perigoso]

Um Método Perigoso 
A Dangerous Method, 2011
David Cronenberg


Um Método Perigoso não deixa de ser uma pequena decepção. Ter, num filme de David Cronenberg, Freud e Jung lidando com repressão sexual é um sonho de consumo para qualquer fã do cineasta, afinal, trata-se do sujeito que filmou, entre outras coisas, Crash - Estranhos Prazeres. E vem justamente dessa expectativa a frustração.
Apesar de conseguir manter-se mais intimista, evitando o tom épico costumeiramente presente em cinebiografias de época (algo que o filme, no fim das contas, não pretende ser), Cronenberg e o roteirista Christopher Hampton fazem de Um Método Perigoso uma narrativa episódica, desprovida de grandes momentos. Se pensarmos, por exemplo, nos dois trabalhos imediatamente anteriores do diretor, Marcas da Violência e Senhores do Crime, fica claro que aqui se tem um filme menor. Há alguns acertos nos enquadramentos (nas sessões de psicanálise ou nas conversas entre Freud e Jung, por exemplo) que saltam aos olhos e as interpretações de Michael Fassbender e Viggo Mortensen são ótimas (até Keira Knightley me agradou, apesar do exagero de suas primeiras aparições).  No entanto, Um Método Perigoso padece de um mal maior que não se costuma ver nos filmes de Cronenberg: ao falar de repressão, o diretor parece se auto-reprimir, optando por um registro estranhamente comportado.


[shame]

Shame 
Shame, 2011
Steve McQueen


Shame está longe de ser a história de Michael Fassbender levando um punhado de nova-iorquinas para a cama. Por mais que ele, de fato, faça isso, na verdade o diretor Steve McQueen não tem nenhum interesse em imprimir sensualidade à sua narrativa: tem-se aqui um filme muito, muito triste, sobre um homem esmagado por sua solidão - interpretado por um ator magnífico. Nesse sentido, as cenas de sexo filmadas por McQueen me parecem um termômetro perfeito para definir Shame: todas elas nos mostram um personagem agindo de forma mecânica, simplesmente um viciado na plena satisfação de seu vício. A exceção está naquela que envolve o protagonista e uma colega de trabalho por quem este ousa se interessar efetivamente - e a forma como essa sequência termina fala muito sobre o que é o personagem de Fassbender.
No entanto, curiosamente, o momento mais marcante do filme tem pouco (ou nada) a ver com a condição de sex addicted de seu protagonista: em um bar, Carey Mulligan canta "New York, New York" numa melodia carregada de melancolia, enquanto Fassbender, constrangido, tenta conter toda a tristeza que sente, até deixar escapar uma furtiva lágrima. Ali, Shame se mostra, para além de toda a trajetória de dor de um homem viciado em sexo, como uma simples história sobre duas pessoas engolidas pela vida de forma impiedosa. É de cortar o coração.

domingo, 25 de março de 2012


[habemus papam]

Habemus Papam 
Habemus Papam, 2011
Nanni Moretti

 
Nanni Moretti é quase um "José Saramago com uma câmera" em Habemus Papam, ao colocar a Igreja Católica em uma situação tão extrema que beira o inimaginável (mas que poderia muito bem ocorrer) dentro de uma narrativa sarcástica.
O filme tem uma premissa promissora e poderia ser uma pequena obra-prima, mas Moretti acaba pecando por sua falta de foco e incapacidade de concluir determinados eixos da trama. Acompanhar um Papa bloqueado psicologicamente tendo de discutir seus traumas e desejos com um psicanalista ateu é quase um sonho de consumo mas o roteiro de Habemus Papam opta por, ao invés de investir nesse caminho, jogar o personagem de Michel Piccoli para fora do Vaticano, levando-o a conhecer alguns aspectos da vida cotidiana e, assim, a refletir sobre sua vida. Essa escolha também não é de todo má, já que Piccoli entrega um desempenho comovente como o indeciso Papa, mas daí o irritante personagem vivido pelo próprio Moretti perde um pouco sua razão de ser, por mais que alguns de seus momentos no Vaticano sejam ótimos. Essa tendência por abandonar certos elementos da narrativa é recorrente no filme.
De qualquer forma, o diretor e roteirista merece os créditos pelo maravilhoso trabalho de humanização de figuras que costumamos enxergar com tamanho distanciamento. Encontrar não só o Sumo Pontífice como um sujeito cheio de melancolia e solidão mas também os outros bispos da Igreja como figuras frágeis, quase inocentes, em um mundo no qual elas não parecem mais se encaixar, é um prazer para o espectador. É na se preocupação maior com seus personagens do que com a mera crítica a uma instituição já tão criticada que se encontra o maior acerto de Habemus Papam. Talvez por isso sua sequência final, apesar de forte e corajosa, soe um pouco destoante do resto do filme. Moretti tem tanto êxito na humanização de seus personagens que, no fim, passamos a desejar um final feliz para eles.

segunda-feira, 19 de março de 2012


[anderson silva: como água]

Anderson Silva: Como Água 
Like Water, 2011
Pablo Croce


Esporte que mais cresce no mundo atualmente, o MMA começa, aos poucos, a invadir também o cinema. Primeiro foi o belo drama Guerreiro, de Gavin O'Connor, que provou que as Artes Marciais Mistas podem render filmes tão bons quanto o boxe, por exemplo, já rendeu. E agora é a vez do maior ídolo do esporte, o brasileiro Anderson Silva, virar personagem no documentário Como Água, que acompanha sua preparação para a luta contra aquele que acabou se firmando como seu maior antagonista, o norte-americano Chael Sonnen.
Apesar de ser um documentário, Como Água se estrutura como uma narrativa tradicional de filmes de luta, à lá Rocky (ainda que sem todo aquele melodrama): capta seu personagem num momento inicial de crise em sua carreira, após a polêmica luta contra Damian Maia, para acompanhar toda a pressão envolvendo seu próximo embate, os treinos desgastantes, o sofrimento pela distância da família, as polêmicas envolvendo as declarações de seu oponente (quase um Apollo Creed, na forma como busca provocar o adversário), até culminar na luta em si (o epílogo catártico). Tudo é feito com esmero e funciona muito bem, até porque Anderson Silva é um personagem fácil de se gostar. Mas uma coisa que me incomodou um pouco foi justamente a rapidez e frieza com que o combate final é mostrado. Toda a dramaticidade da luta contra Sonnen, a proximidade da derrota e a inesperada virada de Silva são apresentadas num registro sem emoção, em que a dimensão da situação extrema vivida pelo brasileiro não é realmente captada. Aqui, o diretor Pablo Croce perdeu a oportunidade de encerrar seu filme com um combate épico digno de Rocky Balboa vs. Apollo Creed, lançando o espectador para fora do cinema ainda contagiado com a adrenalina do que acabou de ver.