domingo, 20 de agosto de 2017

2ª MOCINA


Ao longo da última semana, participei, como membro do júri de filmes de ficção, da 2ª Mostra de Cinema e Audiovisual (MOCINA) da Universidade Federal de Juiz de Fora. Naturalmente, a maioria das produções nasceu como trabalhos de conclusão de disciplinas cursadas pelos realizadores, alunos de cinema ou de áreas afins, mas chamaram atenção também a presença na mostra de alguns filmes feitos por impulso, como respostas imediatas a anseios do cotidiano. São os casos de Um Filme-Postal, de Thaiz Araujo Freitas, que, como anunciado no título, é uma carta em forma fílmica de sua diretora a um antigo amor, o sganzerliano O Vampiro da Ocupação, de Bruna Schelb Corrêa, feito no contexto de uma ocupação por estudantes da reitoria da UFJF, e Sábado Fun, que a dupla Marize Moreno e Noah Mancini filmou para preencher um dia de tédio pós-término das aulas.

Mas aqueles que considero os melhores curtas vistos nessa edição da MOCINA são, todos, filmes mais previamente pensados, que mobilizaram referências explícitas e articuladas a outras obras artísticas (literárias, pictóricas ou cinematográficas). Cito um em cada umas das categorias que compunham a mostra (documentário, ficção e experimental). Na primeira, merece destaque Pele de Monstro, de Barbara Maria, que exibe para diferentes grupos de jovens dois clássicos de horror, A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de George A. Romero, e Mortos que Matam (1964), de Ubaldo Ragona e Sidney Salkow, propondo, a partir deles, reflexões sobre racismo. Em tempos de pós-horror, é uma poderosa lembrança de que a força política desse gênero não nasceu agora.

Na segunda categoria, ficção, vale citar A Casa do Enforcado, de João Pedro Oct, que impressiona pelo esmero visual e pela capacidade de criar uma atmosfera opressiva, associada à loucura (mas também à criação artística), remetendo a Bergman (especialmente a Através de um Espelho, de 1961). O impactante plano final, no entanto – que, juntamente com o título, revela estar num quadro de Cézanne a principal referência de Oct –, faz lembrar o encerramento de Solaris (1972), de Andrei Tarkóvski. Não é fácil trabalhar a partir de referências tão grandiosas (no debate pós-exibição, o diretor ainda citou Hitchcock), mas A Casa do Enforcado consegue amalgamá-las e usá-las com competência, resultando numa experiência perturbadora e hipnotizante.

Por fim, na categoria experimental, destaco Azul Supapo da Cor da Minha Janela, de Thaís H. Pacheco, Stella Reis, Helena Frade e Lucas Pinto Mendonça. Inspirado em um conto de Guimarães Rosa, o filme, que acompanha um homem de mente perturbada em inusitadas relações com seu chapéu, é fugidio, escorregadio, de difícil acesso. Mas acerta em cheio na criação de uma atmosfera lúgubre – me lembrou um pouco, ao menos na escolha do espaço em que transcorre a narrativa e na relação estabelecida com ele, o ótimo Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois (2015), de Petrus Cariry – e no estranhamento que nasce daí.

Em tempo: Pele de Monstro e Azul Supapo da Cor da Minha Janela foram exibidos fora de competição. A Casa do Enforcado foi eleito, pelo júri, o melhor filme de ficção da 2ª MOCINA. 

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