domingo, 26 de fevereiro de 2017

A Grande Muralha


Maior produção da história do cinema chinês, A Grande Muralha mantém a tônica de boa parte da carreira de Zhang Yimou nesse século, constituída por grandes filmes de época que, ao menos em dois casos, Herói (2002) e O Clã das Adagas Voadoras (2004), colocaram um pé na fantasia ao se aproximarem do tradicional gênero wuxia. Mas aqui Yimou passa longe de repetir a magia presente nesses belos filmes: A Grande Muralha é visualmente impressionante e razoavelmente bem sucedido no intento de construir uma imagem grandiosa e positiva da China, mas desastroso no desenvolvimento de uma narrativa que consiga escapar minimamente de uma série de clichês do cinema épico, tão carente de vida desde, provavelmente, o fim da trilogia O Senhor dos Anéis, em 2003.  

Como Flores do Oriente (2011), um dos trabalhos mais recentes do diretor, A Grande Muralha é protagonizado por um grande astro de Hollywood (Christian Bale no primeiro, Matt Damon agora), colocado para contracenar com atores chineses populares e construir uma ponte entre Ocidente e Oriente, entre os cinemas comerciais dos Estados Unidos e da China. Mas, narrativamente, o filme lembra mesmo O Último Samurai (2003), de Edward Zwick, que traz Tom Cruise como um ex-militar alcóolatra e traumatizado pelas barbaridades cometidas contra os índios norte-americanos, contratado pelo imperador japonês para contribuir com o processo de modernização das Forças Armadas do país, em fins do século XIX. Uma vez mergulhado em valores culturais do Japão, após ser capturado por samurais que se apegam à tradição e recusam os intentos de seu atual governante, o personagem de Cruise consegue se reconstruir como homem honrado e justo.

O caminho percorrido por William (Damon) em A Grande Muralha não é muito diferente. O sujeito é, na prática, um saqueador em busca de pólvora (o mítico “pó preto”, ainda desconhecido na Europa), que cavalga por terras desconhecidas acompanhado de outros homens semelhantes, sobretudo seu amigo Tovar (Pedro Pascal). Desapegados de qualquer senso de coletividade, William e Tovar chegam por acaso até a muralha da China, guardada por um imenso exército que se prepara para uma batalha contra alguma ameaça aparentemente devastadora – e, ao se empenhar em tal batalha, o protagonista toma contato com a cultura chinesa, com valores como honra e patriotismo, se transformando nesse processo. O problema é que o roteiro de A Grande Muralha, escrito por Carlo Bernard, Doug Miro e Tony Gilroy (a partir de uma história criada por outros três autores, dentre os quais está... Edward Zwick!), não se esforça para construir com a calma necessária um arco dramático verossímil para William, apostando, ao invés disso, em diálogos excessivamente expositivos que por vezes beiram o ridículo – O Último Samurai, ainda que conservador na forma e recheado de lugares-comuns, ao menos dava tempo ao seu protagonista para absorver as mudanças propostas no texto, tornando-as lógicas dentro da narrativa.

A partir da chegada da dupla de viajantes à muralha, o filme de Yimou revela seu lado fantástico, introduzindo monstros que precisam ser barrados a qualquer custo em seu caminho até a capital do império. Daí em diante, A Grande Muralha parece querer ser uma espécie de versão estendida da sequência da batalha do Abismo de Helm de O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (2002) ou do cerco a Minas Tirith de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), com criaturas monstruosas compondo um exército aparentemente indestrutível, enfrentado por heroicos resistentes. Mas vale lembrar que, quando as referidas sequências surgiram na narrativa da trilogia O Senhor dos Anéis, já havia todo um background de desenvolvimento dos personagens, que tornava o risco corrido por eles diante das hordas de orcs comandadas por Saruman (em As Duas Torres) e Sauron (em O Retorno do Rei) bastante aflitivo. O interesse despertado pelos personagens de A Grande Muralha, sejam os protagonistas ocidentais, sejam os militares chineses devotados a sua pátria, é, pelo contrário, nulo.    

Resta a sensação de que Yimou dirigiu seu novo filme como se ainda estivesse na abertura dos Jogos Olímpicos de Beijing, espetáculo visual colorido, grandioso e patriótico – mas não necessariamente preocupado em contar uma história de forma cuidadosa e com personagens complexos – comandado por ele em 2008.

  

A Grande Muralha 
The Great Wall, 2017
Zhang Yimou

Nenhum comentário: