segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Spotlight - Segredos Revelados


Spotlight – Segredos Revelados parece feito sob medida para ocupar um lugar no panteão de grandes filmes sobre jornalismo, responsáveis pela construção de todo um imaginário mítico em torno da suposta nobreza dessa profissão. Todos os Homens do Presidente, provavelmente o expoente maior desse cinema, é a inspiração primeira do diretor-roteirista Tom McCarthy aqui: como na obra-prima de Alan J. Pakula, o espectador é conduzido pelas minúcias de uma investigação jornalística, pelo passo a passo, door to door do trabalho sério e embasado de uma pequena equipe de repórteres na busca por informações que podem abalar as estruturas de uma importante instância de poder (no clássico de 1976, o governo dos Estados Unidos, agora, a Igreja Católica).  

McCarthy é muito bem-sucedido nesse sentido. O progressivo aumento da escala da investigação, conjugado ao embate entre o idealismo do jornalismo feito pelos protagonistas e o poder gigantesco da Igreja Católica em Boston, tornam o filme envolvente, emocionante, ainda que não tão tenso quanto Todos os Homens do Presidente. É aqui, aliás, que Spotlight se afasta um pouco do cinema de Pakula, por apostar menos no thriller político e mais no drama sobre a impressionante penetração do catolicismo na sociedade bostoniana e as consequentes dificuldades de ruptura com a hegemonia dessa religião, mesmo diante de graves denúncias envolvendo o clero. É interessante como alguns dos próprios jornalistas, como aqueles interpretados por Michael Keaton e Rachel McAdams, têm algum tipo de relação com a Igreja, o que gera tensões entre obrigações profissionais e formação cultural, entre a ética de um ofício e a inserção numa comunidade.

Se a opção de McCarthy por esse caminho dá, aos seus personagens, maior densidade, e, a seu filme, a possibilidade de uma análise social complexa, ela tira de Spotlight a chance de criar grandes momentos dramáticos, ápices de tensão próprios do thriller jornalístico, tão bem realizados não só em Todos os Homens do Presidente, mas, até com maior intensidade alguns anos depois, no magnífico O Informante, de Michael Mann. Spotlight é bem discreto nesse aspecto, mantendo-se quase o tempo inteiro no mesmo tom de observação minuciosa, ainda que encantada, de uma rotina profissional. Aliás, o encantamento de McCarthy pelo universo que apresenta na tela parece vir justamente dessa crença na grandiosidade que habita o pequeno, o rotineiro fazer jornalístico, não havendo, para o diretor, a necessidade de grandes artifícios cinematográficos que ressaltem a importância do que está sendo contado. É, sem dúvidas, uma perspectiva romântica, idealizada da profissão, mas ainda relevante quando mesmo os maiores órgãos de imprensa (e aí penso no caso específico do Brasil, mas sem descartar generalizações para realidades de outros países, que não conheço), tidos como sérios, no afã de cavarem seu próprio Watergate, frequentemente caem nas práticas mais torpes do jornalismo marrom – que, aliás, o cinema também tematizou em filmes igualmente icônicos sobre a profissão, como Cidadão Kane, A Montanha dos Sete Abutres, Rede de Intrigas e os recentes O Abutre e Chatô – O Rei do BrasilNão deixa de ser curioso como o jornalismo, no cinema, raramente escapa desses extremos – e aí um bom exemplo de comedimento, ainda que se trate de uma comédia cheia de exageros na caracterização dos personagens e nas situações vividas por eles, é O Jornal, de Ron Howard, que tem como protagonista o mesmo Michael Keaton de Spotlight.

Spotlight - Segredos Revelados 
Spotlight, 2015
Tom McCarthy

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