terça-feira, 6 de abril de 2010

[curtinhas: no cinema]

Um Homem Sério

A Serious Man, 2009
Ethan Coen & Joel Coen


Ver personagens que representam pessoas "comuns" sofrendo em filmes do irmãos Coen não é exatamente uma novidade. Nesse sentido, Um Homem Sério parece encaixar-se perfeitamente em sua filmografia. No entanto, a obra representa também uma certa ruptura: de Gosto de Sangue a Onde os Fracos Não Têm Vez, passando por Barton Fink, Fargo, Queime Depois de Ler e outros, as "vítimas da vez" só se transformavam em tal ao cometerem alguma atitude tida como estúpida, que gerava então uma série de consequências – geralmente violentas. Em Um Homem Sério não. O personagem vivido pelo genial Michael Stuhlbarg não só é uma pessoa "comum", mas é também o que poderíamos chamar de "homem bom". Não comete nenhuma grande estupidez, nenhum crime (pelo contrário, é mesmo acusado de um crime de extorsão que não cometeu realmente), e, ainda assim, uma tempestade de tragédias despenca sobre sua cabeça. Por quê? Seria a maldição da cultura judaica, mostrada no prólogo do filme (e seria este, então, um comentário dos Coen sobre a jornada trágica dos judeus ao longa da história humana)? Acaba que, diante do final avassalador de Um Homem Sério, ficamos mesmo sem uma resposta concreta – afinal, a vida raramente trás respostas realmente exatas. Mas ganhamos uma pequena obra-prima



Um Sonho Possível
The Blind Side, 2009
John Lee Hancock


Durante boa parte da "corrida" para o Oscar 2010, um filme sobre esporte esteve presente na lista de possíveis indicados a melhor filme: Invictus, de Clint Eastwood. Acusado de "quadrado", clichê e melodramático, no entanto, o retrato da África do Sul de Mandela acabou esquecido, e um outro "filme de esporte" entrou em seu lugar: este Um Sonho Possível (que título sofrível e preguiçoso!), mais conhecido como "o filme pelo qual Sandra Bullock ganhou o Oscar". A verdade é que Um Sonho Possível é tudo o que Invictus foi acusado de ser, e na verdade não era: é um imenso lugar-comum, uma história de superação banal, "quadrada", formulaica, irritante de tão previsível. Não há um momento verdadeiro no filme (ao contrário do que ocorre na obra de Eastwood), e só sendo mesmo muito pouco exigente para conseguir se emocionar com essa bobagem. Ruim, muito ruim.

Ah, e a Sandra Bullock... bem, ela está bem, verdade seja dita. Tem uma personagem carismática nas mãos, e a interpreta com competência. Mas, Oscar? Foi mesmo um ano fraco (Meryl Streep também não merecia, pela bomba Julie & Julia), mas que dessem a estatueta para uma novata, qual o problema? Carey Mulligan e Gabourey Sidibe estavam à disposição. Era só escolher.


Direito de Amar
A Single Man, 2009
Tom Ford


Plasticamente esplendorosa, a novela mexicana Direito de Amar... perdão, my mistake, mas é que com um título como esse... enfim, o filme A Single Man (na verdade, esse título brasileiro merece entrar para a história como um dos piores trabalhos de tradução já realizados no país, o que, levando-se em conta as barbaridades já cometidas por aqui neste campo, não é pouco) peca por seu roteiro vazio. O estilista Tom Ford, em sua estreia como diretor de cinema, parece contentar-se em criar uma imagem mais bela que a outra - algo que faz com imenso talento, especialmente através das mudanças no tom da fotografia que, confesso, me conquistaram –, mas esquece de contar a poderosa história de amor que tinha em mãos. Daí, resta para salvar o filme, além de seu visual, um impressionante Colin Firth: o ator inglês, tradicional coadjuvante de comédias e dramas românticos, constrói um protagonista sofrido, melancólico, encantador em sua dolorosa solidão, e, acima de tudo, humano. Firth preenche a tela em momentos de silêncio absoluto, e nem mesmo uma ótima Julianne Moore consegue competir com sua presença magnética. Talvez fosse o caso de dizer que Direito de Amar pertence a Colin Firth. Mas não: o filme, em toda sua fragilidade, pertence mesmo a Tom Ford, o que acaba sendo uma pena.

6 comentários:

peterrj disse...

Concordo com você, Wallace. Saí do cinema bastante decepcionado com o vazio roteiro do filme. As atuações são boas, mas nada que segure o filme. As cenas são plasticamente bonitas, mas o são em excesso. Tudo em excesso é chato. Enfim... Grande abraço!

Anônimo disse...

'Um Homem Sério' é um filme fantástico. Merecia mais algumas indicações para o Oscar, mas só pelo fato de ter sido indicado para 'Melhor Filme' já algo de muita importância (mesmo em um ano com 10 indicados). Já 'Um Sonho Possível' é o tipo de filme que nunca vou entender. Sandra Bullock está absolutamente NORMAL neste filme. É inacreditável que tínhamos Meryl Streep com uma construção perfeita de personagem em 'Julie & Julia' e eles acabaram dando o premio para esta atuação que pode ser chamada de no mínimo medíocre. 'Direito de Amar' eu não cheguei a ver.

http://cinemaemdvd.blogspot.com/

Wallace Andrioli Guedes disse...

Kahlil, eu acho o desempenho da Streep no JULIE & JULIA no mesmo nível do da Bullock. Nenhuma das duas mereciam o prêmio, na minha opinião.

Hugo Leonardo disse...

Não acho o dos Coens uma obra-prima, mas gostei do filme ...

Wally disse...

Ok, vamos lá:

Simplesmente adorei o filme dos Coen. "Um Homem Sério" é simbólico, cheio de humor negro e um estudo de personagem (e do ser humano em si) muito bom. [****]

"Um Sonho Possível" é um filme fácil: história real comovente com aquelas mesmos artifícios. Funcionou comigo até, mas aquelas indicações ao Oscar foram absurdas. [***]

"Direito de Amar", ao contrário de você - e ao contrário do título nacional de novela mexicana - me conquistou completamente. Meu preferido do ano até agora. [*****]

Rafael Carvalho disse...

Não acho que Um Homem Sério seja um dos melhores filmes dos Coen, mas é mais uma pérola que eles estão acostumados a realizar se utilzando de histórias aparentemente simplórias. Para mim, o filme é sobre como o mal entra em nossas vidas inesperadamente e sem pedir licença. Quando a gente acha que as coisas estão péssimas, mal sabemos que o pior pode ainda estar por vir.

Um Sonho Possível, por sua vez, é mais uma historinha fraca e boba que, mesmo não inspirando um sentimento de redenção para uma família rica, ainda se utiliza da tajetória do menino probre e negro que cresce na vida. Filme bobo e passageiro.