Durante boa parte de minha adolescência fui espírita - um período relativamente curto (cerca de uns 5 anos), mas importante de minha vida, período de formação intelectual e de construção de visão de mundo (e minha ruptura com a religião deu-se justamente por discordância intelectual, e não por acreditar ou não nos "fenômenos" nos quais o espiritismo acredita, até porque nunca me importei realmente com estes). Sou de família espírita e, logo, convivo com a religião desde sempre. Sei, portanto, da importância que Chico Xavier tem para seus adeptos: talvez o maior divulgador que o espiritismo já teve, o médium mineiro foi também um dos grandes responsáveis pela consolidação desta doutrina no Brasil e, por sua postura de total sacrifício diante da vida e de sua "missão", tornou-se para eles quase um santo.
A vida de Chico Xavier é cinematográfica demais para não virar filme, mas, conhecendo tal devoção, meu medo maior era que o resultado fosse a) mais que um filme sobre um religioso, um filme religioso, feito para converter novos adeptos ao espiritismo ou b) um grande melodrama choroso, nas mãos de um diretor geralmente fraco como Daniel Filho ou c) as duas coisas. Nesse sentido, Chico Xavier, o filme, é mesmo uma agradável surpresa. Parente próximo de biografias recentes no cinema brasileiro, como 2 Filhos de Francisco e Lula, o Filho do Brasil, o trabalho de Daniel Filho (que, sejamos justos, já havia realizado um bom trabalho em Tempos de Paz) surpreende justamente por, assim como esses dois filmes, apostar numa construção gradual de uma atmosfera de comoção, sem cenas grandiosas e/ou catárticas - o tom de Chico Xavier é de absoluta sobriedade. Algo que se reflete nos desempenhos de seu elenco, encabeçado por um inspirado Nelson Xavier (é, desde já, uma das grandes interpretações deste ano) e por um competente Ângelo Antônio, que garantem a transformação de um personagem quase etéreo, tamanha sua bondade e serenidade, em um homem de carne e osso.
A surpresa maior, entretanto, está na abordagem de Daniel Filho para a religião em questão. É claro que este é um filme apaixonado por seu protagonista e que acaba corroborando muitos de seus ideais, retratando como verdade o que muitos não-crentes poderiam questionar - nesse sentido, o grande erro de Chico Xavier é mesmo a caracterização do personagem Emmanuel que, a meu ver, não deveria sequer ser mostrado no longa, mas apenas citado, deixando no ar a dúvida sobre sua real existência ou não. No entanto, longe de ser um filme espírita, este é um filme sobre um espírita. Interessa a Daniel Filho o homem Chico Xavier, o personagem. E não a religião que ele professava. O diretor não quer converter ninguém a nada, até porque ele próprio se declara ateu. Algo que, infelizmente, não podemos esperar da enxurrada de filmes espíritas que vêm por aí - estes sim, muito provavelmente, trabalhos religiosos-militantes, prontos a transformar qualquer espectador incauto em mais um crente a encontrar nos mais de 400 livros publicados por Chico Xavier a explicação para todos os seus problemas.
sábado, 17 de abril de 2010
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4 comentários:
Me parece ser um filme mediano. Alguns falaram mal, outros nem tanto, mas ainda não li uma crítica extremamente positiva a respeito do longa. Uma pena, ja que a história deste homem podeia render uma materia bastante interessante!
www.cinemaemdvd.blogspot.com
Me animei bastante em conferir este filme após as boas opiniões que li por aí - incluindo a sua agora.
Também fiquei bastante surpreso com o filme que, apesar de irregular, ainda assim consegue ser um dos melhores trabalhos do Daniel Filho (muito melhor que a forçação de barra de Tempos de Paz). O problema com os filmes dele é que o roteiro sempre é muito óbvio, fraco, redundante, explicativo demais (talvez um ranço da TV). E por mais que goste das atuações do Nelson Xavier e do Ângelo Antônio, Tony Ramos é, de longe, o melhor do elenco, muito embora esteja extremamente mal fotografado. Aliás, a fotografia do filme é toda muito ruim. De qualquer forma, o filme passa como algo melhor do que se poderia esperar, vindo de quem vem.
Rafael, acho TEMPOS DE PAZ um bom filme, apesar de ter lá seus problemas.
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